Ministério Público instaura procedimento sobre educação inclusiva em Juiz de Fora
O objetivo da Promotoria é resolver a situação de forma amigável, assim como já feito anteriormente, através do diálogo e sem judicialização. A Prefeitura de Juiz de Fora tem até 10 de abril para prestar esclarecimentos ao órgão
A Promotoria da Educação e da Infância e Juventude instaurou procedimento administrativo acerca da educação inclusiva na rede municipal de ensino. A medida foi adotada após o órgão receber reclamações de mães de crianças neuroatípicas sobre o atendimento recebido por seus filhos em instituições de ensino na cidade, conforme comenta a promotora Samyra Ribeiro Namen.
A busca por uma educação emancipadora e inclusiva pode ser um desafio para alunos com necessidades especiais, quando não encontram suporte adequado para seu aprendizado. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) foi a alternativa procurada em última instância por algumas famílias que buscam acompanhamento escolar para as crianças. Antes disso, estas mães afirmam que formalizaram queixas junto à Secretaria Municipal de Educação.
Conforme esclareceu o Ministério Público, as mães que procuraram o órgão estão com os procedimentos em andamento. Na maioria dos casos, informa o MPMG, foram pedidas informações à Secretaria de Educação de Juiz de Fora e, quando necessário, à Superintendência Regional de Ensino. O objetivo da Promotoria é resolver a situação de forma amigável, assim como já feito anteriormente, através do diálogo e sem judicialização. A Prefeitura de Juiz de Fora tem até o dia 10 de abril para prestar esclarecimentos ao órgão.
Grupo de ‘mães atípicas’

Por meio do WhatsApp, um grupo de mães se reuniu e criou o grupo “mães atípicas”, que já conta com cerca de 125 integrantes. Entre relatos e vivências, elas indicam médicos e compartilham desabafos e desafios. Essas mulheres construíram uma corrente de apoio e aproveitam o espaço para a divulgação de temas relacionados à neuroatipicidade, como o acolhimento nas salas de aula.
Uma dessas mulheres é Flaviana Veiga, mãe de Miguel, 4 anos, que estuda em uma escola municipal. Na sala do filho há duas crianças neuroatípicas, ambas autistas nível três. Ela é uma das mães que procurou a Promotoria, com laudo médico que constatou o diagnóstico do menino. O caso dela, assim como de outras pessoas com quem a reportagem conversou, é entender o porquê de eles compartilharem a mesma sala – e a atenção de um mesmo professor de apoio – uma vez que existem outras turmas do mesmo período na instituição. Vale lembrar, no entanto, que a presença de dois alunos com este perfil na mesma sala tem respaldo legal.
Segundo a Resolução SEE 4.256/2020, que institui diretrizes para normatização e organização da educação especial na rede estadual mineira, o artigo 27 prevê que “o professor de apoio à comunicação, linguagem e tecnologias assistivas tem a função de apoiar o processo pedagógico de escolarização do estudante com disfunção neuromotora grave, deficiência múltipla ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculado na escola comum, sendo autorizado 1 (um) professor para até 3 (três) estudantes matriculados no mesmo ano de escolaridade e frequentes na mesma turma”. A exceção refere-se a quando a escola só tiver uma turma para aquela escolaridade. A lei estadual aplica-se também a escolas municipais por ‘analogia’, conforme a Promotoria.
Embora a situação tenha respaldo legal, o medo de Flaviana é que ambos os alunos não consigam a atenção do profissional colaborativo para todas as demandas necessárias. Uma professora que atua na área há três anos, que preferiu não ser identificada, relatou a dificuldade de dar assistência a mais de uma criança com necessidades especiais de aprendizado ao mesmo tempo.
Na opinião da docente, a Secretária Municipal de Educação busca inserir essas crianças na mesma sala a fim de realizar apenas uma contratação de professora especializada, por questões econômicas. Em 2022, ela chegou a ser docente colaborativa de uma menina com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) severo e outra com paralisia cerebral, que compartilhavam a mesma turma. “Às vezes, a gente não consegue fazer nosso trabalho do jeito que a gente quer por conta dessa situação. Deixamos a desejar”, desabafa a docente sobre a experiência.
Busca por maior atenção
De acordo com a promotoria, não é permitido mais de um professor colaborativo em sala, existindo também limitações, que vão desde a abertura de turmas à quantidade de pessoas em cada sala. Mesmo cientes desses parâmetros, as mães procuram se mobilizar, para que os filhos recebam mais atenção nas salas de aula.
Até a edição desta reportagem, Flaviana afirma ter recebido negativas da Secretaria de Educação para todas as demandas solicitadas. No documento, o qual a Tribuna teve acesso, foi indeferida a presença de um acompanhante terapêutico para Miguel dentro da sala. A solicitação de mediação pedagógica individual também foi negada, sob a justificativa de que, no Município, o atendimento de professor para ensino colaborativo ocorre de forma a contribuir com os processos de aprendizagem da turma e não individualmente.
Priscila Nascimento, mãe de Geovana, diagnosticada com TEA e aluna da rede municipal, avalia que a escola se esforça para fazer o melhor pelos alunos. Pondera, porém, que os desafios sempre se fazem presentes. “Eu brinco que se uma mãe típica mata um leão por dia, nós matamos dois, três, quatro.” Mesmo que sua filha não precise de um professor colaborativo individual, ela apoia a mobilização para que outras crianças com grau mais elevado de autismo consigam o apoio. “A luta das mães atípicas é uma só, somos umas pelas outras.”
Sobrecarga

Outra professora, que preferiu não ser identificada e que atua na área desde 2015, destaca a sobrecarga das professoras colaborativas. Atualmente docente em duas escolas públicas, uma municipal e outra da rede estadual, ela exerce sua função em dois turnos. Durante a manhã, acompanha um aluno especial. À tarde, presta assistência a outros quatro estudantes com este perfil. Segundo ela, os alunos possuem quadros elevados de neuroatipicidade, reconhecendo ser impossível dar a mesma atenção a todos. Em um desabafo, ela explica que “é complicado ser professora colaborativa de mais de um aluno”.
A inserção de neuroatípicos em turmas regulares é garantida por lei e visa a a acessibilidade de direitos. No entanto, de acordo com Luciana de Faria Queiroz, mãe de Henrique, 7, a forma como isso vem sendo feito, unindo todos em uma mesma turma, impacta o desenvolvimento escolar dessas crianças. Luciana explica que seu filho possui TEA nível 2, tem atraso no desenvolvimento e na fala, além de epilepsia. Outras duas crianças autistas nível 3 dividem a turma com o menino. Segundo ela, o comportamento de Henrique acabou ficando comprometido na escola.
Quesia Clivia Feliciano Vieira, mãe de Quenzo, 9, compartilha a mesma opinião. Diagnosticado com retardo e Prader willi, Quenzo compartilha a sala com outro aluno com TEA grave. Segundo a mãe, o filho só teria assistência quando a outra criança se ausenta.
A professora colaborativa destaca a perda de qualidade no trabalho desenvolvido em sala de aula. Já o Ministério Público orienta os pais que, nas situações em que exista um aluno na sala com o professor de apoio, e a família entenda que a educação inclusiva não está funcionando bem, deve-se, em primeiro lugar, conversar com a direção da instituição de ensino. Na falta de avanço, a orientação é procurar o Ministério Público. “O que sempre se objetiva é garantir a permanência do aluno na escola”, esclarece o órgão.

Colaboradores podem assumir turma na falta de regente
Segundo a professora colaborativa ouvida pela Tribuna, no município, em uma eventual falta do professor regente, os colaboradores assumem a turma até uma nova contratação. A Promotoria avalia que é compreensível que eventualidades ocorram. No entanto, a escola, junto à Secretaria de Educação, precisa construir uma solução temporária ou à longo prazo.
Um dos motivos que a professora atribui a essa jornada dupla, às vezes cumprida também por professores regentes, é a demora para se efetuar a contratação. A representante do sindicato dos professores municipais, Lúcia Lacerda, afirma que a entidade de classe tem feito visitas às escolas, para ouvir os docentes. “Nessas visitas, quando há reclamação de falta de profissionais, levamos as demandas para as reuniões da entidade com a Prefeitura.”
O elo entre os docentes
Enquanto os professores regentes são responsáveis por toda a turma, os colaborativas são instruídos a ajudar os alunos com deficiência ou transtorno a conseguirem desenvolver suas atividades em sala. Os esforços empenhados pelos docentes giram em torno da busca pela adaptação das crianças em ambientes escolares.
Edylane Eiterer, professora de História contratada em regime temporário, explica que a relação entre professores regentes e a professora colaborativa no local onde trabalha. Docente em quatro turmas do sexto ano, ela possui, ao todo, onze alunos que necessitam de atendimento especializado. Na instituição em que leciona, dois alunos com graus elevados não podem ficar na mesma turma. “Essa equação necessária da escola faz com que as crianças sejam inseridas em um ambiente propício para o desenvolvimento de suas habilidades cognitivas, sem o comprometimento de absorção de outros alunos.”
PJF detalha estrutura da educação inclusiva na cidade
Procurada, a Prefeitura de Juiz de Fora divulgou nota na manhã desta terça-feira (4), em que esmiuça a estrutura fornecida na educação inclusiva do município. Confira a nota na íntegra.
“O atendimento às crianças, público da educação especial, é uma política altamente valorizada pelo Governo Municipal, considerando que Juiz de Fora é uma cidade pioneira no desenvolvimento desses programas. No momento, contamos com 889 professores para o Ensino Colaborativo e contrataremos quantos forem necessários para suprir a demanda do município. A determinação das contratações obedecem a necessidades estritamente pedagógicas.
A rede municipal de ensino conta também com 58 salas de recursos multifuncionais nas quais é realizado o Atendimento Educacional Especializado (AEE). O AEE conta com 84 professores e 21 intérpretes que atuam nas escolas com alunos do 6º ao 9º ano, 32 professores de Língua Brasileira de Sinais (Libras), atendendo aos alunos da educação infantil e do 1º ao 5º ano, além de oito professores de braile para os alunos cegos.
A rede conta também com quatro Centros de Atendimento Educacional Especializado (CAEEs), com 76 professores. Eles atendem todas as regiões da cidade. Vale reforçar que o CAEE Oeste/Sudeste possui serviço especializado para alunos cegos ou com baixa visão e o CAEE Centro atendimento especializado para alunos surdos.
A SE também conta com cinco intérpretes que atuam na acessibilidade de reuniões tanto da SE quanto de outras secretarias.”