Três homens são resgatados de condições análogas à escravidão na Zona da Mata
Caso foi identificado na última semana, em Bom Jardim de Minas, em operação realizada unicamente por mulheres
Três homens, com idades entre 58 e 65 anos, foram resgatados de condições análogas à escravidão na Zona da Mata de Minas Gerais. O resgate ocorreu após uma operação especial coordenada por um grupo de fiscalização móvel formado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego, Defensoria Pública da União e Polícia Federal. A ação foi realizada nos municípios de Andrelândia e Bom Jardim de Minas entre o domingo, 26 de fevereiro, e o último sábado (4), e foi conduzida exclusivamente por mulheres, em alusão ao Dia Internacional da Mulher, celebrado na próxima quarta-feira (8).
Os trabalhos foram coordenados a partir de Brasília, e a operação reuniu profissionais dos órgãos envolvidos de várias cidades do país. O caso dos três trabalhadores já foi identificado na última segunda-feira (27 de fevereiro), a partir de denúncias que já eram alvo de investigação, após inspeção da operação em propriedades rurais.
Em um dos casos, foram encontrados três homens vivendo, em condições degradantes, em uma fazenda na Zona Rural de Bom Jardim de Minas, próximo à Santa Rita do Jacutinga. Um dos trabalhadores nem sequer recebia pagamento pelos serviços prestados. Os demais eram remunerados com um valor inferior a um salário mínimo.
Eles estavam vivendo em condições indignas de vida. As moradias que eram fornecidas para esses trabalhadores eram extremamente degradantes, sem geladeira, sem local para guardar os mantimentos, sem fogão, casa com rachadur. Uma série de condições que acabam evidenciando a situação de degradação que é um dos elementos que caracteriza o trabalho em condições análogas da escravidão previstos no Artigo 149 do Código Penal”, explica a procuradora do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, Juliane Mombelli.
“Não se trata de qualquer situação. A pior forma de exploração do trabalhador é o trabalho em condições análogas à escravidão”, reforça.
Ajustamento de conduta
Após o resgate dos trabalhadores, o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União firmaram compromissos com os responsáveis pela fazenda, como a confecção de termo de ajustamento de conduta (TAC), para regularizar a situação e a permanência dos trabalhadores.
Dois deles estavam vivendo em uma casa que foi construída dentro da fazenda, mas é que era de propriedade deles. Houve uma transação com o antigo proprietário da fazenda, que acabou falecendo, e havia um documento de transferência de um pedaço da propriedade para esses trabalhadores, mas era um documento que era precário. Como eles tinham o ânimo de permanecer e consideravam que aquela propriedade era deles, foi feito um TAC para que a proprietária a garantisse a posse e a permanência desses trabalhadores, e regularizasse a propriedade”, pontua Mombelli.
O ajustamento também tratou do terceiro homem encontrado em situação análoga à escravidão.
“Ele foi retirado do imóvel que estava ocupando para uma outra casa na mesma fazenda que tinha condições de habitação, até que seja reformada a casa atual onde residindo. Aí, foi feito um outro termo de ajustamento de conduta que a gente chama para que o empregador reforme a moradia e deixe o local em condições para que ele volte a habitar o local”, detalha a procuradora do Trabalho.
Segundo ela, os compromissos formalizados em TAC ainda prevê, entre outros, “o fornecimento de equipamentos de proteção individual, realização de exames e consultas médicas para que aqueles trabalhadores sejam acompanhados com relação à sua saúde e fornecimento de materiais de primeiros socorros”.
23 mulheres lideram a operação
A operação especial que resultou no resgate dos três homens foi conduzida, integralmente, por mulheres. “Inclusive, a motorista”, pontua a promotora do Trabalho, Juliane Mombelli. A equipe contou com 23 profissionais dos quatro órgãos envolvidos.
O time foi exclusivamente feminino para marcar o 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e mostrar para a sociedade que as mulheres são atuantes e participam de todos os órgãos e instituições, realizando qualquer tipo de trabalho, inclusive de fiscalização e de repressão a esse ao crime de exploração do trabalho escravo”, afirma a promotora.
A profissional ressaltou o sucesso da operação. “Trabalhar em um grupo composto apenas por mulheres foi uma experiência incrível que reforça o quanto as mulheres são capazes de desenvolver um trabalho pesado e penoso, em que há riscos envolvidos. Os resultados foram iguais ou até melhores do que em uma operação mista. Então, foi uma experiência importante mesmo para marcar o mês da mulher, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Que outras mais aconteçam. Os resultados foram bastante satisfatórios.”
Balanço
Em um balanço geral dos trabalhos, a promotora avaliou a operação como positiva. “É um trabalho de extrema importância, porque é o estado se fazendo presente nos locais mais distantes, e onde é difícil um órgão sozinho chegar e fazer uma investigação e mostrar para sociedade de que o estado é capaz de fiscalizar e que a lei tem que ser respeitada em todos os rincões do país.”
Ministério do Trabalho e Emprego cobra valores devidos e indenização aos trabalhadores
Ainda de acordo com Juliane Mombelli, enquanto o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União atuaram na confecção dos termos para o ajustamento de conduta do empregador, o Ministério do Trabalho e Emprego lavrou autos de infração em razão das irregularidades trabalhistas e fez o levantamento das verbas que eram devidas aos três homens.
Também houve a previsão, no TAC, de danos morais individuais, para que esses trabalhadores recebessem uma indenização pela condição que eles foram encontrados.”
Segundo a promotora, são pleiteados R$ 5 mil para cada um dos três homens a título de indenização por danos morais individuais.
Servidão por dívidas e possível ação por direitos pretéritos
A promotora do Trabalho reforça que os três homens “não recebiam o mínimo legal”. “Eles ainda alegaram que tinham uma servidão por dívida, pois um dos trabalhadores, no entendimento dele, estava devendo para o empregador um valor gasto no material de construção da casa. Então, ele entendia que não estava recebendo porque estava sendo descontado o valor do material. Na verdade, não pode haver essa servidão por dívida e esse é um outro elemento que caracteriza o trabalho análogo à escravidão”, explica Mombelli.
Ela ainda pontuou a possibilidade de os trabalhadores buscarem, na Justiça, seus direitos de receberem valores relativos a períodos anteriores aos cobertos pelo TAC. “Sobre os direitos individuais pretéritos que foram levantados pela fiscalização do trabalho, ainda não houve acerto, uma vez que o empregador não se dispôs a pagar agora. Então, ainda vai ser avaliado se cabe ação e também se os trabalhadores têm interesse que essa ação seja proposta.”
Assim, Juliane Mombelli pontua que os órgãos envolvidos na operação seguirão acompanhando o caso.
Foram determinados prazos para cada uma dessas obrigações. Todos esses prazos vão ser acompanhados e o empregador vai ter que comprovar que cumpriu cada uma das obrigações estabelecidas.”
Em 2022: 2,5 mil pessoas foram encontradas em situação análoga à escravidão
No dia 25 de janeiro, o Ministério Público do Trabalho divulgou dados alarmantes sobre casos similares. Só em 2022, 2.575 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em 432 operações realizadas em todo o Brasil. Os números são um alerta para a gravidade da situação e para a necessidade de intensificar o combate a esse crime, que ainda persiste no país.
Em casos como o observado na semana passada em Bom Jardim de Minas, na Zona da Mata, a idade pode ser um fator agravante que contribui para a vulnerabilidade dos trabalhadores.
“Um dos três era analfabeto”, revela a promotora Juliane Mombelli, situação que dificulta ainda mais a situação, uma vez que traz maiores dificuldades na busca e no acesso a informações básicas sobre direitos trabalhistas. “Essas situações acabam, fazendo com que a condição de vulnerabilidade deles fique ainda maior, tornando a exploração ainda mais cruel”, pontua a promotora, que, há cerca de dez anos, participa de operações de resgate de pessoas em situação análoga a da escravidão. Ela lembra que, infelizmente, o caso identificado na Zona da Mata está longe de ser raro.
Em áreas rurais, é muito típico encontrar trabalhadores idosos nessas condições. São pessoas que, muitas vezes, não têm família ou que estão muito distantes da família há muito tempo. Isso acaba deixando essas pessoas distantes e sujeitas à exploração. Essa vulnerabilidade, muitas vezes, sugere a formação de um vínculo entre trabalhador e empregador. Com o tempo, o empregador vai deixando de pagar alguma coisa, deixando de pagar outra, e vai considerando aquilo normal”, afirma.