Furtos na Zona Rural avançam, sem previsão de delegacia especializada
Segundo dados da Sejusp, houve 22% de aumento nesses crimes entre 2021 e 2022 na cidade, na contramão da queda registrada na 4ª Região, que inclui outros 85 municípios
Os furtos a propriedades rurais de Juiz de Fora seguem avançando, mas a Polícia Civil continua sem previsão de instalar uma Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Rurais na área do 4º Departamento, apesar da reivindicação de produtores e moradores. Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) revelam que houve 121 crimes desse tipo de janeiro a novembro do ano passado na cidade, contra 99 no mesmo período de 2021, um acréscimo de 22%. O aumento dessa modalidade vai na contramão da ligeira queda, de 2,6%, contabilizada na 4ª Região Integrada de Segurança Pública (Risp), que inclui outros 85 municípios da região: foram 1.339 ocorrências nos primeiros onze meses de 2022 e 1.375 no mesmo intervalo do ano anterior.
Ainda segundo o Observatório de Segurança Pública da Sejusp, os roubos – quando há violência ou grave ameaça – tiveram redução significativa na 4ª Risp, superior a 40%, saindo de 66 registros de assaltos a imóveis rurais entre janeiro e novembro de 2021 para 39 no ano passado. Em Juiz de Fora, houve respectivamente três e quatro casos dessas ações criminosas. Uma delas aconteceu em 19 de junho de 2022, quando um idoso, 75, teve a casa invadida por bandidos no Distrito de Torreões. O morador contou à Polícia Militar que, por volta das 7h, ouviu alguém chamá-lo no quintal. Pensando ser um vizinho, foi atender, mas acabou sendo surpreendido por dois ladrões, um deles armado. A dupla amarrou a vítima e roubou roçadeira, furadeira, TV, celular, dinheiro, além de revólver e espingarda de chumbinho. Uma mulher, 60, que chegou ao local no decorrer do assalto, também foi rendida e obrigada a deitar no chão sob a mira de arma.
Já os latrocínios (roubos seguidos de mortes), seguiram zerados nos últimos dois anos na Zona Rural do município, enquanto na 4ª Região reduziram de dois para um. Esse único caso de extrema violência foi registrado também em junho do ano passado, no dia 14, no distrito de Aracati de Minas, Zona Rural de Cataguases. Segundo o boletim de ocorrência, um produtor rural, 64, foi encontrado morto a tiros em uma estrada vicinal. Ele tinha perfurações à bala na nuca e atrás da orelha esquerda. Familiares contaram à PM que ele tinha o hábito de carregar quantias em dinheiro e de fazer pequenas corridas com o veículo dele, por meio de contatos pessoais ou via celular. O carro dele teria sido visto passando depois em alta velocidade, supostamente conduzido por um dos assaltantes, que também teria roubado dinheiro e telefone.
‘As pessoas estão sem segurança e deixando o campo’
Presidente da Associação de Moradores de Torreões, na Zona Rural de Juiz de Fora, Francisco de Paula Moreira diz que a criminalidade na região é mais ligada a furtos nas propriedades. “O uso e o tráfico de drogas acarretam muito problema, porque o usuário fica sem consumir e acaba por furtar.”
Ele acredita que uma Delegacia Rural iria dar garantir mais segurança à região, mesmo porque a dificuldade de deslocamento para acionar a polícia pode colaborar para que muitos crimes deixem de ser registrados. O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Juiz de Fora, Domingos Frederico Netto, faz coro: “Isso compete ao Poder Público, e estamos preocupados, porque o campo está totalmente descoberto, não tem policiamento. As pessoas estão sem segurança e, com isso, estão deixando o campo.”
Segundo Domingos, os casos mais preocupantes são os roubos, como aqueles nos quais ladrões entram em sítios e fazendas, rendem os moradores e, muitas vezes, os imobilizam com amarras e até os agridem. “Furto de gado e de maquinário é toda hora”, dispara. “A maior parte (dos autores) é viciado, furta para poder comprar as coisas. Já furto de gado é diferente, é outro tipo de ladrão, que quer vender clandestinamente.” Ele não acredita muito em ação de quadrilhas especializadas nos roubos e avalia que, em muitos casos, circulam informações privilegiadas sobre quem estaria com dinheiro, por algum negócio recente.
O sindicalista defende um policiamento mais ostensivo na Zona Rural. “Houve época em que havia quatro viaturas rodando diariamente.” Para ele, esse patrulhamento tem grande importância, porque em lugares onde não há telefone ou internet “o produtor fica ilhado”. O presidente da entidade lamenta que a campanha promovida no ano passado em prol de uma delegacia rural não tenha surtido efeito. “Se você tiver vizinho, ainda ajuda, senão, fica sozinho mesmo.”
Polícia desvenda latrocínio na Zona Rural de Tabuleiro
Apesar de serem menos frequentes, os latrocínios são os crimes mais assustadores para os moradores da Zona Rural. No início de janeiro deste ano, um homem, 29 anos, foi preso pela Polícia Civil em Rio Pomba por suspeita de latrocínio contra um idoso, 71, praticado no dia 19 de dezembro em uma fazenda do município de Tabuleiro, a cerca de 70 quilômetros de Juiz de Fora. Segundo as investigações, a vítima teria reagido a um assalto e acabou morta a tiros. A propriedade, situada às margens do km 16 da MG-133, teria sido invadida à noite por três assaltantes armados. O trio arrombou a porta da cozinha e anunciou o roubo. O idoso teria sido baleado após entrar em luta corporal com os ladrões, os quais ainda roubaram dinheiro, cartões bancários, seis relógios, um cordão de ouro e três celulares.
Mesmo quando as vítimas sobrevivem, alguns roubos podem ser bem violentos. No fim de setembro do ano passado, um jovem, 25, foi preso em flagrante por assalto a uma propriedade no município de Chácara, a cerca de 25 quilômetros de Juiz de Fora. O idoso rendido, 69, relatou à PM que, ao entrar em seu sítio, foi surpreendido por dois criminosos com armas longas. Ele foi jogado no chão, teve o rosto coberto por um pano e a arma apontada contra o ouvido. Após o morador ser agredido com uma coronhada na cabeça, os bandidos retiraram cerca de R$ 200 que estavam em seu bolso e o levaram para o interior da residência, onde ele foi deixado vendado.
Além de atrair bandidos para a prática de crimes contra o patrimônio, devido à baixa densidade populacional e à menor presença policial, a Zona Rural também costuma ser utilizada por bandidos como esconderijo. Em meados de fevereiro, um dos principais líderes de uma organização criminosa da região foi preso em um sítio alugado no município de Guidoval, a cerca de 130 quilômetros de Juiz de Fora, durante operação do Ministério Público (MP), deflagrada por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Segundo o MP, o suspeito estava na companhia de comparsas e atuava em quadrilha envolvida com tráfico de drogas, homicídios e porte ilegal de armas nas cidades de Visconde do Rio Branco, Ubá e região. No local foram apreendidos uma pistola importada com dispositivo “modo rajada”, mais de cem munições e diversos carregadores, inclusive alongados, similares aos utilizados pelas facções do Rio de Janeiro, além de moto clonada, dinheiro e drogas.
Movimento ganha força em 2022, com manifestação e audiência pública
O movimento em favor da criação de uma Delegacia Rural na cidade, que atenderia a 4ª Região Integrada de Segurança Pública (Risp), ganhou corpo no ano passado, com manifestações de produtores rurais, os quais chegaram a promover leilão de gado para arrecadar fundos, e audiência pública na Câmara Municipal. O grupo justifica que Juiz de Fora tem cerca de 2.200 quilômetros de estradas vicinais e vários distritos, portanto uma unidade específica facilitaria a prevenção e a comunicação de crimes, além de aumentar a segurança dos habitantes. Um ano antes, em 2021, a Câmara já havia aprovado representação ao Governo de Minas, solicitando a implantação de uma delegacia especializada.
A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) reconhece a necessidade de uma maior atuação das forças de segurança pública em áreas rurais, “sobretudo frente ao avanço da criminalidade e ao nível de especialização cada vez maior dos grupos criminosos”. Desta forma, em 2021 desenvolveu estudo técnico que possibilitou a publicação da Resolução 8.179, que define regras para implantação ou expansão das Delegacias Especializadas de Repressão a Crimes Rurais no Estado.
“Atualmente, existem seis unidades instaladas, nas seguintes cidades: Uberlândia, Uberaba, Araxá, Frutal, São Sebastião do Paraíso e Belo Horizonte”, informa a instituição, acrescentando que no 4º Departamento de Polícia Civil (Juiz de Fora) ainda não há data para a efetiva instalação. “A implantação de Delegacias Rurais no modelo proposto encontra-se em expansão, em fase de estudos técnicos, com análise da viabilidade logística e de recursos humanos”, justifica.
Ainda conforme a PC, a especializada de Belo Horizonte é vinculada ao Departamento Estadual de Investigação de Crimes Contra o Patrimônio (Depatri), que possui atuação estadual, incluindo em Juiz de Fora, em delitos específicos.
Polícia destaca patrulhamento na Zona Rural
Em resposta à demanda formalizada pela Tribuna, o 2º BPM informou, nesta quarta-feira (1º de março), que realiza o patrulhamento na Zona Rural sob a sua área responsabilidade, segundo a doutrina de Polícia Comunitária e os preceitos da Patrulha Rural, pelas viaturas que também realizam o patrulhamento urbano. A responsabilidade territorial do 2º BPM inclui 13 municípios: Juiz de Fora, Chácara, Coronel Pacheco, São João Nepomuceno, Rio Novo, Goianá, Piau, Bicas, Guarará, Rochedo de Minas, Maripá de Minas, Descoberto e Pequeri.
A informação é que embora ainda não tenha sido efetivada a patrulha exclusivamente rural, “todas as nossas frações possuem no seu planejamento diário o policiamento nas Zonas Rurais de todas as nossas cidades”. A corporação afirma ainda que, na área de abrangência, “alguns dos furtos ocorridos em área rural são em casas abandonadas ou de campo em que os proprietário não residem no local e que constatam o crime ao retornarem ao imóvel”.
A Polícia Militar de Minas Gerais afirma que estimula a participação dos moradores das zonas rurais nas redes de proteção preventiva, através das quais podem trocar informações de segurança e adotar medidas de autoproteção. É reforçada a importância de também manter contato com vizinhos de confiança, conhecer os policiais militares que atuam na área e denunciar, via 181 ou 190, veículos e pessoas em atitudes suspeitas, alertando também vizinhos e acionando a rede de proteção.