Programa trabalha por reinserção social de pessoas em situação de rua
Três dos participantes da capacitação falam sobre perspectivas que vislumbram agora, após a formação e com a oportunidade de trabalho

Na última semana, o “Boniteza pop – Flores da esperança” capacitou pessoas em situação de rua para trabalhar com jardinagem e cultivo de plantas ornamentais. O programa da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), em parceria com as Secretarias de Governo, Direitos Humanos e Empav, ocorreu no Horto Florestal e contou com 30 horas de ensinamentos. Ao final das aulas, os concluintes da oficina foram incorporados pela Prefeitura e contratados para trabalhar em emprego formal com carteira assinada – tendo, assim, uma oportunidade de mudar de vida.
As vagas foram preenchidas na Secretaria de Obras e no Restaurante Popular. De acordo com o secretário de Direitos Humanos, Biel Rocha, em nota, essa é uma grande oportunidade para dar mais visibilidade às pessoas que, devido ao cenário em que se encontram, acabam tendo mais dificuldades de conseguir emprego formal. “Estamos trabalhando um conjunto de ações para tornar visível o que era carregado de um preconceito muito grande e oferecer cidadania a essas pessoas”, defende.
O curso aconteceu durante três dias e foi a primeira edição voltada para esse público, resultando em sete novos servidores contratados. As aulas incluíram desde educação ambiental até reprodução de mudas. De acordo com Felipe Paiva, supervisor do horto, essa é uma oportunidade de recomeço para os integrantes do programa. “Com capacitação técnica e profissionalização, essas pessoas podem se reinserir no mercado de trabalho e sair da condição em que estão”, ele diz.
A Tribuna conversou com três dos participantes da capacitação: Luciano Aparecido, de 42 anos, Júlio César Nascimento, 25, e Wilder Victor de Macedo Borges, 34, para saber como o programa impactou a vida deles e que novas perspectivas encontram, agora, após a formação e a oportunidade de trabalho.
Luciano Aparecido
Na terça-feira (18), Luciano era um dos encarregados de fazer a horta do canteiro do Vale do Ipê. Entre todos os presentes, era o mais agitado – fazia buracos, pegava mudas, regava a terra, cavava, opinava no trabalho dos colegas, perguntava para os supervisores se o dele estava ficando bom. Mesmo com o sol batendo forte no rosto, continuava o trabalho e observava de diversos pontos para ver como o canteiro estava ficando. Disse, logo de cara, que aquele programa permitia que ele tivesse o que mais queria, até então: uma chance para mudar de vida.
Luciano foi viciado em crack durante dez anos. Depois desse período, diz estar há seis anos “limpo”, e há quatro nas ruas de Juiz de Fora. Ele veio de Belo Horizonte, passou pelo Rio de Janeiro, mas decidiu, por fim, ficar por aqui. “Água que anda muito não dá lodo, entendeu? Se você quer ser alguém, tem que ser lodo. Eu aprendi isso”, diz. Mesmo sem família por perto, ele é próximo dos amigos que conheceu e que o acompanham na rua. Foi através deles, inclusive, que ficou sabendo do programa. “A sociedade agora está dando uma oportunidade de novo pra mim e pros meus amigos. Dou graças a Deus da gente ser lembrado ainda, depois de uma situação dessas.”
Seus pais já faleceram, mas Luciano tem “um irmão em cada canto”. Um dos seus objetivos, a partir do Boniteza, também é mostrar para eles que conseguiu “ser alguém na vida”. Quer se juntar a eles logo que puder. Mas conta que começou a fazer planos há pouco tempo – na verdade, há poucas semanas. “Estar na rua é muito grave. A pessoa vai desanimando de viver, de pensar no futuro, só pensa no presente. E cada dia mais vai se afundando nos buracos.”
Mesmo não parando um minuto, ele pensa que “Deus é lento”. Também diz que confia no “relógio da vida” e que espera o que ainda está por vir com animação. “Hoje pretendo ter uma família, uma esposa, meus filhos…Quero viver. Ser uma pessoa digna, alguém de dentro da sociedade. Quero ir ao mercado, comprar minhas roupas. Minhas coisas, com meu suor”, diz.

Júlio César Nascimento
Dos seus 25 anos de vida, Júlio César passou os últimos quatro em situação de rua. Sua família não pode ajudar, por também não ter condições financeiras. Ele estudou até quando podia, indo até a quinta série, mas depois disso teve que largar os estudos e começar a procurar uma fonte de renda. Nessa primeira semana de trabalho como auxiliar de cozinha, conta que está fazendo um pouco de tudo. “Limpo mesa, guardo bandeja, ajudo no guarda-volumes. Quando precisam, apareço para ajudar com o que for”, diz.
os últimos dois anos, com a pandemia, revela que encontrar oportunidades “foi ainda mais difícil” – principalmente na rua, quando além dos preços caros e da falta de um teto, há também a vulnerabilidade social e todo o preconceito da sociedade. “Foram anos muito difíceis, muito turbulentos. Quero fazer tudo diferente agora. Mesmo assim, sempre tentei olhar mais para minha vontade de fazer acontecer”, diz. A sua experiência não o deixa com dúvidas: “Estar na rua não é vida para ninguém”.
A mudança de vida foi muito pedida por ele, inclusive através do contato que tinha devido aos programas de auxílio com os órgãos governamentais. Com o auxílio que recebeu, de R$ 400, não conseguia encontrar o momento certo para que essa mudança chegasse – o dinheiro mal dava para sobreviver. As perspectivas de mudança em sua vida, no entanto, já começaram. No seu primeiro dia de trabalho, também se matriculou para voltar a estudar e completar o ensino fundamental.
A vontade já era antiga, mas diz que faltava um incentivo. Um empurrãozinho, que fosse – e isso veio através do trabalho. “Hoje já vou sair daqui do serviço direto para a sala de aula”, diz. Na sua visão, com 25 anos e vivendo nas suas condições, não era possível se dedicar apenas aos estudos. Mas reconhece a importância da escola para construir sua vida. “Ainda não sei o que quero fazer no futuro, mas, aprendendo bastante, eu quero descobrir”, reflete.
Wilder Victor de Macedo Borges
Wilder é o tipo de pessoa que sorri com os olhos. Reparo isso porque ele usa máscara, já que trabalha no restaurante popular, e mesmo assim consigo perceber que está rindo o tempo inteiro. Isso não quer dizer, no entanto, que os últimos meses tenham sido fáceis para ele. “Estou há quatro meses na rua, indo de abrigo para abrigo, buscando ajuda como posso. Nunca imaginei que ia estar nesta situação”, diz.
Ele saiu da casa de sua família para tentar “resolver seus problemas sozinho”. Antes da rua e antes de chegar ao programa e ao restaurante, também foi ajudante de mecânico. “Não deu certo antes, mas agora vai dar.” Para ele, a oportunidade de trabalhar próximo de algo que tanto gosta, o preparo de comidas, também foi algo que caiu como uma luva em sua vida. “O que mais gosto de fazer é carne. De qualquer tipo”, conta.
Está dando um passo de cada vez rumo ao que quer. “Não quero me embolar, mas eu sonho grande, sim. Quero um dia ter meu comércio, de repente ter o meu restaurante…”. Mas não tenta esconder que essa mudança é difícil e custosa, não vem de forma fácil, inclusive devido a contextos que não dependem dele ou de sua vontade. “Muita gente vai dizer que você não é capaz. Mas persistindo e tendo um foco, tendo uma ambição pra você… Acho que dá pra conseguir.”
O sorriso não vem à toa. Ele percebe seu entorno com atenção. “Vi gente sem nenhuma condição financeira, má condição de saúde, às vezes até idosos… e são pessoas felizes, que estão brincando, sempre rindo. Isso me ajudou a respirar, ter mais fôlego de vida e ir pra frente”. Mas a maior dificuldade que sentiu, nesse período, também veio desse olhar atento: “Nesse mundo existe tanto talento, mas tanto talento, e tantas vezes eles são jogados fora… Eu costumo dizer com meus amigos lá, que estão na correria, que são todos ‘X-men’. Cada um tem um talento, seu modo de agir, de pensar. E tem os que não trabalham, se perdem, mas que têm talento também. E acaba sem ninguém ver esse talento. É duro”.