Proibição de venda não inibe uso de cigarro eletrônico
Dispositivo, que pode ser facilmente comprado pela internet, faz sucesso entre jovens juiz-foranos. No país, um a cada cinco jovens de 18 a 24 anos usa o produto
“Eu gosto de fumar por causa do gosto e da sensação que traz”, afirma E. M., de 22 anos. Ela começou a usar o cigarro eletrônico em festas com os amigos, mesmo sem nunca ter fumado um cigarro convencional antes. “Uso mais nos finais de semana ou quando bebo. Sempre alguém da turma tem, aí eu pego emprestado.”
Com a venda proibida desde 2009 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os “vapes”, ou “pods”, como são chamados os cigarros eletrônicos, são facilmente encontrados em ambientes de confraternização em diversos lugares do Brasil, inclusive em Juiz de Fora. Em bares, boates, festas, é comum ver jovens compartilhando o dispositivo, que solta uma fumaça branca e densa com cheiro adocicado.
Por ser uma ferramenta eletrônica cujos efeitos ainda são pouco conhecidos, a permissão do Ministério da Saúde compreende apenas o seu uso, sendo que, conforme determina a resolução nº 46/2009 da Anvisa, a propaganda, comercialização e importação do cigarro eletrônico é proibida no país. Quem vende esse tipo de produto está sujeito a punições que vão de multas até a interdição do estabelecimento. Porém, basta uma pesquisa rápida na internet para constatar que diversos sites oferecem a compra on-line dos cigarros, com prazo de entrega variando de sete a 15 dias.
De acordo com a Anvisa, a fiscalização do comércio de produtos irregulares, como o cigarro eletrônico, é atribuição das autoridades locais do município e estado. Em Juiz de Fora, a Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde afirmou que não realizou nenhuma ação específica a respeito da venda de cigarros eletrônicos na cidade e não possui registros de denúncias sobre o tema. A Polícia Civil também afirmou que não realizou operações para apreensão do produto em Juiz de Fora e região, e o Procon/JF não possui denúncias registradas sobre o caso.
Disque denúncia
Com o intuito de aumentar o número de denúncias e, em consequência, frear a venda desses aparelhos, em maio deste ano, o governo do Estado de Minas Gerais lançou o Disque Denúncia Unificado (DDU) 181. A pessoa não precisa se identificar em momento algum e ainda pode acompanhar o andamento da denúncia por meio de um protocolo informado durante a ligação. Dentro de 90 dias, o denunciante poderá ter o retorno sobre quais ações as polícias promoveram a partir da sua denúncia.
Segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp), até o momento, o DDU 181 recebeu apenas um registro de denúncia em todo o estado. A denúncia diz respeito à comercialização de cigarros eletrônicos no município de Santana do Riacho, cerca de 400 quilômetros de Juiz de Fora e ainda está em análise. O baixo número de solicitações, segundo a Sejusp, está associado ao fato de ser uma demanda de natureza nova, recém-incluída no rol de denúncias recebidas por esse canal. A pasta ainda ressalta a importância da participação da população para o bom funcionamento.
Facilidade para a compra
Apesar de proibido, comprar um cigarro eletrônico é muito fácil. “Comprei em uma loja no Instagram que um amigo indicou. Chegou em menos de uma semana”, afirma G. C., 26. Ele conta que começou a usar na pandemia, durante o isolamento social, como forma de “aliviar a tensão”. Hoje em dia, faz uso regular, “todo dia quando chego do trabalho, vou jogar com os amigos, ou assistir futebol, eu pego o “vape”. Eu tenho muita ansiedade, e é uma coisa que me relaxa, desestressa dos problemas do dia a dia”.
Ele afirma que não sente nenhum efeito colateral, mas é ciente dos prejuízos à saúde. “Em comparação aos meus amigos que usam o cigarro comum, vejo que eles têm muito mais problemas que eu. Fumar de todo jeito vai fazer mal, talvez algum dia eu pare, mas no momento eu vejo que me traz mais benefícios do que malefícios.”
Já E. M. não vê dessa forma. Ela conta que uma vez ficou usando o cigarro eletrônico por três dias seguidos e começou a apresentar sintomas adversos. “Comecei a sentir fortes dores no pulmão, só de respirar já estava doendo. Fiquei super preocupada. Parei de usar e depois disso a dor melhorou rápido.” Sobre parar de vez com o uso do cigarro eletrônico, ela afirma: “Não é algo que eu tenha vício ou sinta a necessidade de usar. Eu uso muito de vez em quando, porque acho o gosto bom, mas não me faz tanta falta.”
Prejuízos do cigarro eletrônico à saúde
De acordo com o Relatório Covitel de 2022, um a cada cinco jovens de 18 a 24 anos está usando cigarro eletrônico no Brasil. O alto índice é preocupante, ainda mais levando em consideração o recorte de idade. De acordo com a médica pneumologista do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF) e professora da Faculdade de Medicina, Lígia Amaral, nos últimos anos, o cigarro eletrônico se popularizou por se apresentar como uma suposta forma mais segura de fumar. “Algumas características como um desenho arrojado, sabores de frutas e doces, ausência do odor característico do cigarro convencional, são elementos que tornaram o cigarro eletrônico atraente para a população mais jovem, em especial os adolescentes.”
Para ela, o estímulo do uso do cigarro eletrônico pode trazer um impacto negativo nos programas de controle do tabagismo em geral e desacelerar a queda do número de fumantes no Brasil. Segundo uma pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde, nos últimos 12 anos, a quantidade de pessoas que fumam caiu 40% no país. Como efeito de uma série de evidências científicas, o produto deixou de ser símbolo de poder, liberdade e glamour e foi caindo em desuso no mundo todo.
No entanto, o cenário parece estar se revertendo. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o Brasil conta com 22 milhões de fumantes, tendo ainda mais de 157 mil mortos todos os anos por doenças associadas ao tabagismo. Uma pesquisa recente divulgada pela Fiocruz, revelou que 34% dos fumantes brasileiros aumentaram a quantidade de cigarros consumidos durante a pandemia.
Lígia afirma que a popularização dos cigarros eletrônicos corrobora para esse cenário. “Normalizar o ato de fumar em ambientes onde já não era tolerado o tabagismo é um forte apelo ao consumo para população jovem, como crianças e adolescentes. O cigarro eletrônico pode levar à dependência da nicotina, podendo ser uma porta de entrada ao consumo do tabaco em suas formas convencionais, de modo que não é incomum o uso combinado das duas formas de fumar.”
Além disso, a médica destaca outros riscos, tais como o desenvolvimento desde sintomas respiratórios leves até agressões pulmonares agudas e, por vezes, graves, que podem levar a insuficiência respiratória. “Há também o risco de queimaduras e intoxicações. Como o cigarro eletrônico tem uso relativamente recente pela população, ainda não são conhecidos os riscos do consumo a longo prazo.”