As cenas dos jogadores do Flamengo sendo atacados por desocupados na chegada ao trabalho na semana passada me causaram indisfarçável mal-estar. Esse tipo de assalto é coisa corriqueira no futebol brasileiro e não raro descamba para apedrejamento de ônibus. É preciso fazer força para não se acostumar. Pode parecer estranho, mas jogar bola, como apitar jogo, também é emprego, e jogador, milionário ou não, também é trabalhador. Nesse esforço de não aceitar a normalização do assédio e da violência, visualizo, no lugar do atleta, outro tipo de profissional. Digamos o jornalista.
Então me imagino chegando para a labuta, caprichando para subir os dianteiros carecas do meu Fiat 1.0 na rampa de entrada da Tribuna, e um grupo de cinco ou seis leitores muitíssimo insatisfeitos com meu trabalho estaria cercando o portão.
– Pode parar aí, vagabundo! Safado!
E eu atônito dentro do carro, “Quê isso, gente?”.
– Abre o vidro! Abre o vidro, sem-vergonha!
E tapas e socos na lataria do Argo ruço de poeira da Miragaia. Mas abriria os vidros para ouvir os urros da pequena turba ensandecida, brados graves e agudos fustigando meus tímpanos, os olhos (os meus) quase pulando pra fora do caixote craniano.
– Escreve direito ou pede pra sair, seu merda!
– Esse papo de conversar com cachorro, papinho de contar historinha de carnaval… tá achando que a gente é otário, seu mané!?
– Você não bota nem final nas histórias, rapaz!
– Escreve essa porra direito, meu irmão!
E uma senhora com óculos de aro de tartaruga daria com a sombrinha no para-choque já meio escangalhado.
– Gastando papel com historinha de caminhão de chocolate, de mimimi de artista defunto, de vitamina C… com tanta coisa acontecendo de importante no mundo, meu jovem?! Quero opinião séria nessa joça! Vamos pensar o Brasil!
O Fiat balançando à base de murro e empurrão, o almoço revolvendo no bucho.
– Conhece oração subordinada não, energúmeno??
– Você não usa conectivo, porra!
– Sua sintaxe é uma bosta!
– Escrevinhador lixo.
Etc etc etc.
Penso nesse cenário estapafúrdio e julgo mais bárbaros ainda os ataques a jogadores em porta de centro de treinamento, em ônibus e adjacências, sem esquecer a agressões a árbitros, como a covardia ocorrida com a bandeirinha lá no Espírito Santo no domingo.
Resta o consolo de eu ter um número significativamente menor de leitores em relação aos torcedores do Flamengo, o que me garante chances bastante remotas de ter entre eles vândalos dispostos a me cercar na rua em razão de crase mal colocada.
Escreve direito ou pede pra sair!