O português
Falo do português. Não do país, nem do solo, nem do clima e tampouco do cidadão. Falo, precisamente, disto aqui. São linhas e linhas corridas em pensamentos ora organizados, por vezes caóticos e em correntezas que me atropelam de surpresa e aconchego. Falo de olhar à minha volta e sentir que um sol é isso mesmo: só um sol, uma bola de fogo que é tão mais quente que o “sun”, palavrinha rara usada para expressar falta ou alívio, júbilo.
Refiro-me às pessoas no “comboio” ou no “autocarro”. Com suas caras cansadas e seus olhos fechados, elas não imaginam o quanto estão próximas a mim. Carregam em sua essência a língua que eu reencontrei tardiamente. Como se fosse possível voltar ao ontem através de um conforto em dizer, numa abundância de vogais e numa cadência que falta nessa variante. Há vinte anos que preparo o que vou dizer antes de fazê-lo. Eu sei, eu sei, deveria pensar antes de dizer em qualquer circunstância. Mas refiro-me também ao silêncio. O silêncio que faz quando falo português entre uma multidão que, se tiver boa vontade, me percebe bem, apesar do brasileiro – idioma que, imagina, eu nem sabia que falava!
Se eu entrar num campo, pra mim, minado que é a Matemática, posso especular pedaços de tempo de vida em números. Gosto de pensar em futuros porque são delírios. Uma das razões pelas quais eu gostava tanto de ir à missa enquanto crescia católica e oprimida em Minas Gerais, era a possibilidade de ficar uma hora inteira ouvindo meus sonhos ingênuos ou me emocionando com o mar numa noite de tempestade com esses homenzinhos de semblante preocupado, um deles chamado Jesus, me disseram, no painel imenso pintado em um dos lados do altar. Então, eu faço algumas especulações: vivi 25 anos no Brasil. Em cinco anos, terei vivido 25 anos na Inglaterra. Os próximos 25 eu planejo que sejam em Portugal. Quanto mais velha vou ficando, mais frio vou sentindo e a Inglaterra vai me dando medo.
Mas tenho um receio que é o de não sentir a necessidade de fazer uma língua sobreviver em mim através da escrita. Se eu me mudar para um país que fala o português tanto quanto eu – é português mesmo, já que nós brasileiros não falamos brasileiro, observem – talvez eu encontre um nível de satisfação perigoso que pode resultar em displicência, preguiça em trabalhar aquela língua rara e que agora me cerca em igual medida na utilidade da etiqueta do supermercado avisando da promoção do tinto, e na subjetividade e complicação da utilização desse código nas relações.
Talvez eu tenha chegado tarde. Difícil saber. Portugal sempre esteve ali, país tão familiar, nossa matriz na Europa, quando quiser, vou pra lá. Mas eu nunca quis, a não ser agora em sonhos ingênuos para um futuro possível. Mas veja, ingênuos eram também meus sonhos de Inglaterra. E olha o que me aconteceu. É a língua, essa variante que me soa tão antiga quanto o “Auto da Barca do Inferno”, e que por isso mesmo, mantém em mim a curiosidade de querer entendê-la, porque perceber é outra coisa.