“Antes de eu morrer”

Por Marcos Araújo

“Eles não querem me ver sorrindo. Antes de eu morrer, o melhor dessa vida eu quero viver. Sem medo de arriscar, mesmo sabendo que eles querem me afundar. Já fiz minha mãe chorar. Hoje ela me ouviu na rádio. Eu fiz ela dançar. Nem sempre foi assim. Mas já falei um monte de vezes que eu quero é brilhar.” Assim diz a letra da canção “Antes de eu morrer”, do jovem Gabriel Mello Soares, juiz-forano de apenas 19 anos, vítima daquilo que não podemos chamar de tragédia, ocorrida em Petrópolis.

O corpo do jovem foi encontrado, na manhã da última segunda-feira, em meio ao que restou da casa da família, que ficava na Vila Felipe, uma das regiões mais afetadas pelos deslizamentos de terra. Gabriel deixou Juiz de Fora um dia antes da chuva que castigou a Cidade Imperial, para visitar os familiares, mas não pôde voltar com vida. Há quem diga que foi uma fatalidade. Mas não é bem assim. Se morássemos em um país que tivesse a promoção de políticas públicas habitacionais, Gabriel e outras 197 pessoas (até o momento em que este texto era redigido) que perderem suas vidas talvez tivessem a oportunidade de ainda estarem vivos.

Se morássemos em um país em que as autoridades públicas realmente estivessem comprometidas com uma política que viabilizasse para todos uma moradia digna e segura, as famílias não precisariam construir seus lares em encostas, muitas vezes desafiando as leis de engenharia. Se morássemos em um país que zelasse por sua população, não sofreríamos, há anos, uma intensa expansão urbana, sem um planejamento adequado do uso do solo.

Se morássemos em um país sério, não seríamos obrigados, ano após anos, a ver nos noticiários imagens de cidades destruídas pela força da natureza. Cada vez que pegamos o celular, há sempre mais um vídeo chocante do que aconteceu em Petrópolis. São imagens pavorosas, mas que dizem muito mais do que elas mostram. Nelas, vemos o registro de um país que não se sustenta em bases sólidas e que, a cada chuva forte, vai se corroendo, deixando-se levar pela enxurrada. E tudo isso acontece diante de nossos olhos incrédulos. A casa que cai é o nosso país desabando sobre nossas cabeças.

O jovem Gabriel trabalhava em uma loja de brinquedos aqui em Juiz de Fora. Seu sonho era ser um cantor famoso e vinha se mobilizando para isso. Conhecido no meio artístico como Soares Real, recentemente, lançou um EP com quatro músicas, incluindo a faixa “Antes de eu morrer”. Sua trajetória, assim como a de tantos outros brasileiros em Petrópolis e em outras regiões do país, foi interrompida pela irresponsabilidade de governos que, a cada administração, preferem deixar as coisas como estão.

Todos os anos, chega a época da chuva, e, se nada muda, mais pessoas morrem levadas pelas águas, soterradas por entulhos, asfixiadas pela lama. Será que já não basta? Até quando nossas autoridades ficarão inertes, fingindo não ouvir os gritos de alarmes? Gabriel queria ser ouvido, estava usando sua música para isso. Ele também queria brilhar. Agora, foi brilhar no céu!

Marcos Araújo

Marcos Araújo

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