“A literatura possibilitará o colo afetivo de que precisamos neste momento”, reflete Lauriana Paiva

Por Marisa Loures

 

Lauriana Paiva foto de 2021
Refletindo sobre o momento em que as crianças voltariam a se encontrar com os colegas da escola, Lauriana Paiva idealizou o projeto “Abraço literário” e escreveu livros em que aborda o distanciamento social e o reencontro com os amigos – Foto Divulgação

Na semana passada, as crianças da Educação Infantil voltaram para as escolas de Juiz de Fora. Ontem, foi a vez dos pequenos que cursam o Fundamental I. Quando conversei com Lauriana Paiva, escritora e professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII, ela ainda não havia se encontrado com os alunos presencialmente. A expectativa era grande, assim como de tantos outros professores. Afinal de contas, estamos distantes fisicamente da escola e de muitos que amamos há mais de um ano e meio. Assim como a criançada, ela também fazia planos para esse momento. Aliás, esses planos já vêm sendo traçados há muito tempo. Prova disso é que ela se entregou à escrita do livro “O reencontro dos amigos pets”.

Tendo os animais como personagens, a obra aborda as mudanças na rotina a partir das novas regras de saúde pública. “A alimentação, os passeios, as brincadeiras, os aniversários, a perda de pessoas queridas, o nascimento de novos amigos e a expectativa com relação ao sonhado reencontro. É um texto que alimenta nossas mais singelas memórias afetivas, que nos acolhe e nos dá colo, que nos abraça, que despertará nos leitores sentimentos que, muitas vezes, estão misturados em nossos corações, especialmente na incerteza do tempo presente, como o medo, a incerteza, a esperança, o amor e tantos outros”, afirma a autora, que faz o pré-lançamento da publicação nesta terça-feira, às 19h, no canal do YouTube da Secretaria de Educação de Juiz de Fora. Vai ser o momento em que Lauriana também vai apresentar o projeto “Abraço literário para o retorno às atividades presenciais nas escolas.” Basta acompanhar nosso bate-papo para entender exatamente como funciona mais essa aventura proposta por ela.

O leitor mirim que acompanha o trabalho que ela desenvolve já sabe que “O reencontro dos amigos pets” estava sendo aguardado com certa ansiedade. Isso porque o e-book de “A despedida dos amigos pets”, também publicado durante a pandemia, já está disponível gratuitamente no instagram @lauriana_paiva. É claro que, quem leu o primeiro, está querendo saber o que vai acontecer quando o Gato Xadrez e os outros animais se reencontrarem. Com a live, Lauriana lança o livro físico dois em um. “Achei necessário, para o atual momento, construir um livro para ser lido de dois lados ou de quantas outras formas que a imaginação do leitor permitir numa narrativa que não acabasse no ponto final de cada história. Um livro que fosse marcado de encontros, desencontros, reencontros, com muitos laços e abraços, assim como nossas vidas, pois, ao mesmo tempo em que tudo está bem, a vida pode virar de cabeça para baixo, e novas histórias são vividas quando se tem o coração aberto para vivermos intensamente a incerteza de cada novo dia.”

Marisa Loures – Trabalhar com histórias protagonizadas por bichos é um bom caminho para encantar nossos pequenos leitores?

Lauriana – De fato, o uso de personagens animais com comportamento humanizado nos ajuda a abordar temas delicados e complexos de forma mais leve, além de despertar a imaginação das crianças ao adentrarem, através das histórias, em contextos desconhecidos. E, nesse processo, as ilustrações em diálogo com o texto também são muito importantes. Eu e Márcia conversamos muito sobre a importância que as ilustrações também teriam para dar mais leveza e encantamento a um cenário real detonador de muitos sentimentos conflitantes. A história da despedida dos amigos pets foi criada nos primeiros dias no período de isolamento social em 2020. Meus filhos, assim como todas as crianças, tinham muitas dúvidas sobre a pandemia, não entendiam muito bem o tempo em que precisariam ficar em casa. Busquei uma forma mais lúdica para amenizar as duras notícias que chegavam a cada instante. Em uma tarde, começamos a dar vida aos personagens através de dobraduras em pedaços de papel, brincando de rimar palavras simples, e comecei a explicar às crianças, por meio das histórias infantis e do amor que temos aos nossos pets, o que nem mesmo nós, os adultos, compreendíamos. Tive a oportunidade, como escritora, de socializar a primeira versão da história em algumas escolas da cidade em encontros on-line com leitores, percebi o potencial da história e comecei a alimentar em meu coração o desejo de publicá-la.

– Por causa da Covid-19, o isolamento tornou-se necessário e, com isso, muitos se afastaram de familiares e amigos. No seu livro, o Cachorro Dinamarquês não tinha casa e ficaria sozinho nas ruas, em meio a uma pandemia, caso não contasse com a solidariedade do Gato Xadrez. A ideia é, também, lançar uma reflexão sobre o valor da amizade em momentos tão cinzas como o que estamos vivendo?

Acho que um dos pontos positivos da pandemia foi este, a importância dos laços de amizade. Toda crise gerada pela Covid-19 fez com que, mundialmente, instituições e indivíduos olhassem para si e para o outro, principalmente para a dor do outro. Diversas ações de solidariedade com o intuito de amenizar os efeitos sociais da pandemia para a população vulnerabilizada, como os moradores de rua, foram pensadas. O olhar o outro com empatia despertou sentimentos de solidariedade que materializaram, mundialmente, em ações de ajuda coletiva. Busquei trazer para o universo infantil, a partir da superação da rivalidade entre cães e gatos, esse movimento. E sabe, Marisa, meu termômetro para saber se uma história deve ganhar vida para além dos meus cadernos pessoais é o olhar das crianças. Eu li a história para várias crianças antes de achar que o texto estava pronto, e a empatia que o Gato Xadrez teve ao se colocar no lugar do Cachorro Dinamarquês é recorrente na fala das crianças. De que era preciso deixar qualquer diferença de lado para lutarmos coletivamente pela vida. Quando escrevemos, não temos a dimensão de como a história chegará aos corações dos leitores, e fiquei muito emocionada em uma das minhas aulas síncronas. Ao trabalhar o texto com os alunos, uma aluna fez a seguinte síntese: “Professora, pra vencermos a Covid, temos que nos ajudar, não tem lugar para inimizade, todos são amigos. Até o gato e o cachorro, que sempre foram inimigos na vida real.”

– Acredito que, como todos nós, professores, você está muito ansiosa para esse reencontro com os alunos. Como você imagina esse momento na vida real?
Penso que será um momento de muita emoção, com a mistura de sentimentos, um momento de aprendizado mútuo. A escola como conhecemos não é a que temos. Não é a que as crianças esperam encontrar. O brincar será diferente, as relações serão diferentes. Há muitas expectativas das crianças com relação ao reencontro com os amigos, aos recreios, às salas de aula. Serão novos combinados de convivência no espaço escolar. Será uma nova escola acrescida dos protocolos de biossegurança. Com o retorno às atividades presenciais, todos os olhares se voltam para a acolhida, no espaço da escola, dos alunos que retornarão, mas penso demasiadamente também nas crianças que não vão retornar neste momento. Nós, educadores, temos que ter um olhar diferenciado também para as emoções dessas crianças que também aguardam o reencontro com os amigos e que continuarão do outro lado da tela. Há de se ter uma proposta pedagógica de acolhimento a essas crianças também.

– Por falar nisso, você lançou nas redes sociais a ideia de um “Abraço literário”. Como é exatamente sua proposta?

Nossos alunos ficaram, como medida necessária para contermos o avanço da Covid-19, quase dois anos afastados fisicamente das escolas. Com a reabertura das escolas, faz-se necessária a reorganização das atividades culturais e dos projetos ofertados nesse espaço, para que, tanto do ponto de vista pedagógico quanto emocional, nossos alunos sejam acolhidos, a fim de que possamos construir uma nova escola com princípios libertadores, através da práxis pedagógica e literária. As histórias infantis proporcionam não só às crianças, mas também a seus leitores, um desenvolvimento emocional, social e cognitivo, porque, ao lermos ou ouvirmos histórias, conseguimos externalizar emoções, ou, até mesmo, elaborar os sentimentos existenciais em relação ao mundo de modo mais claro, tais como o medo, a dor, a perda. A identificação com os personagens e com as narrativas pode trazer alívio e ser bastante enriquecedor no atual momento de incerteza que nossas crianças estão vivendo. Acredito que a arte e, principalmente, a literatura, nos possibilitará este espaço de escuta, o colo afetivo de que todos precisamos neste momento em que o Esperançar, no sentido que Paulo Freire nos ensina, se faz pulsante em nossos corações para seguimos em frente. Assim, propomos o “Abraço literário” como forma de acolhida pedagógica dos alunos durante essa fase do ensino híbrido. Um abraço literário para que os alunos sintam-se acolhidos não só pelas professoras, mas, sim, como um abraço carregado de literatura e aventuras. O abraço literário é uma forma de tocarmos nossos alunos de forma singela num tempo em que o contato físico regrado não permite que nos abracemos fisicamente. Tem também uma dimensão pedagógica ao passo que se compreende a leitura como elemento interdisciplinar entre os componentes curriculares das diferentes áreas do conhecimento.

– Teria algum episódio curioso, ocorrido durante as aulas on-line, para contar?

Não sei se seria necessariamente um episódio curioso, mas gratificante. Foi quando planejamos, juntamente com as professoras de Linguagens dos terceiros anos, uma Oficina Literária para trabalharmos com o gênero carta. Inspiradas no livro da escritora juiz-forana Mi Cardoso, “Marianinho”, ainda no prelo, pensamos na proposta de construção de cartas coletivas durante os encontros síncronos, com o objetivo de trazer o olhar das crianças para a construção de uma cidade onde possa ter um desenvolvimento pleno com suas infâncias respeitadas e seus diretos garantidos. As cartas construídas em cada turma foram enviadas para a prefeita. Durante o momento de construção das cartas, um aluno me questiona o sentido de escrever se o destinatário não vai ler nem responder. Naquele momento, respondi que enviaríamos as cartas para a prefeita, mas que não poderíamos garantir a resposta, pois ela tinha muitas atribuições. A escuta daquele aluno me fez ver o quanto eles percebiam a função social da escrita. Escrevemos para sermos lidos e, em muitos momentos, a escrita na escola é uma escrita da e para a escola, sem função social, e esta foi uma preocupação durante o ensino remoto, o desenvolvimento de práticas sociais de escrita. Felizmente, a prefeita respondeu, o que deu materialidade social à proposta desenvolvida.

– Há planos de nascerem outras aventuras do Gato Xadrez e seus amigos?

Escrever o reencontro se deu devido a um pedido de leitores muito especiais, também devido às dúvidas de meus filhos e também dos meus alunos, durante o ensino remoto emergencial, com relação à Covid-19 e os animais de companhia. Muitas crianças estão sofrendo com falsas informações, nada científicas, que circulam acerca da transmissão da doença pelos amigos animais. Ao ministrar as aulas durante o ensino remoto emergencial, era recorrentes as perguntas de esclarecimento  acerca das  fake news.  Para muitas crianças, especialmente as que não possuem irmãos, os amigos pets foram únicos amigos com os quais puderam conviver durante o distanciamento físico, e tal contexto gerava mais sofrimento. Ainda não tenho planos com relação à continuação desta amizade. Eu tenho, sim, é um novo livro infantil que está sendo finalizado. Neste, eu me inspirei na intertextualidade com nosso folclore, com o simpático personagem do Mestre André, para continuar escrevendo para crianças sobre a pandemia imersa em todas as emoções, dúvidas e incerteza do tempo presente. Partindo do pressuposto de que a literatura infantil não tem idade, tanto os livros dos amigos pets quanto o novo livro são destinados ao público em geral e, principalmente, ao infantojuvenil, mas também a educadores, contadores de histórias, bibliotecários, familiares, psicólogos e profissionais que buscam

– Não posso deixar de perguntar sobre a série “Diário da professora Bela”. Lançada em 2019, ela a conduziu ao universo dos escritores de literatura infantojuvenil. Quais ações relativas a essa série ainda vêm por aí?

É verdade, tinha vários livros acadêmicos publicados, mas foi com a professora Bela que as histórias para escritores de literatura foram desengavetas. Para 2021, tenho a expectativa de lançamento do segundo volume da série. Teremos a III Edição do Concurso Literário da professora Bela, que, na edição anterior, recebeu redações de pequenos escritos de Língua portuguesa residentes no exterior. A misteriosa Professora Bela, em um novo projeto, vai se encontrar no Mundo das Belas Histórias com uma personagem muito especial dos leitores de Juiz de Fora e região, mas este é um dos segredinhos dessa professora megaespecial. A única coisa que já posso revelar é que este encontro será  encantador.

Capa do livro lauriana paiva 2

“A despedida dos amigos pets” e “O reencontro dos amigos pets”

Autora: Lauriana Paiva

Ilustradora: Márcia Evaristo

Pré-Lançamento: 05 de outubro, às 19h, no canal do YouTube da Secretaria de Educação de Juiz de Fora.

Lauriana também vai apresentar o projeto “Abraço literário para o retorno às atividades presenciais nas escolas.”

Contato da autora: @lauriana_paiva

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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