Ele aparava a grama. Eu lavava o carro.
Conversávamos sobre cachorros. Ele me dizia que tinha três em seu apartamento. Trabalhando como zelador de condomínio e fazendo sabão nas poucas horas que lhe restavam, não tinha tempo de passear com eles. No fim de semana sua enteada os levava para andar pelo bairro.
– Um de cada vez, porque eles são danados pra brigar. São pequenininhos, mas invocados demais. Avançam nos outros cachorros na rua. Dão muito trabalho, mas a gente apanha afeto, né?
A companheira trabalha em dois hospitais, fazendo turnos de 24 horas, então também não tem tempo de levá-los a passear. Chega em casa estropiada. Mas, quando chega, a sala está limpa, os cães alimentados e a comida pronta. Ele dá conta de tudo.
– Pra viver junto a gente tem que se ajudar, é ou não é? Senão não tem jeito.
Ele arrancava pragas. Eu limpava o pára-brisa.
– Foi ela que me trouxe aqui pra Juiz de Fora. Eu bebia, parei de beber. Não sabia fritar um ovo. Hoje cozinho até melhor que ela! Me ensinou a fazer sabão pra vender. Fazer um extra, né? É bom. É muito trabalhadeira. Não tem medo de serviço. Eu devo demais ela. Na hora que eu precisei muito, ela que me ajudou. Então eu tenho que ajudar ela também, né não?
Havia orgulho em sua voz. Não por si, não pelo que faz pela companheira: mas por ela mesma, pela pessoa que ela é, pela dignidade que com ele compartilha. Não era de si que ele estava interessado em falar, como quase todos nós fazemos. Era dela. De seu brio. De sua absoluta imprescindibilidade.
Ele falava, e o que eu ouvia era poesia. Repente em prosa, canto sem rima. Uma vigorosa ode de zelo e benquerença que não precisou recorrer àquela banalizada palavrinha de quatro letras.
Ele revolvia a terra. Eu admirava.
O que sabe zelar