‘Guerreira é a Xena’
Tempos atrás, eu ostentava por aí, toda orgulhosa, a blusinha que dizia que “o futuro é feminino”. Faz tempo que abandonei o pessimismo no modo automático. Ser pessimista é um privilégio, sobretudo de classe. Afinal de contas, para quem está nas rabeiras da vida, lutando pra comer, morar e chegar ao dia seguinte, não resta outra coisa senão a crença de que as coisas vão melhorar.
Amanhã, quando posts patrocinados e promoções derem descontos a mulheres que podem desfrutar deles, continuaremos vivendo a desgraça coletiva imensurável que é o Brasil atual. Desgovernado, desacreditado e no pior momento (dessa vez é mesmo, mas sempre pode piorar) de uma pandemia que bateu quase duas mil mortes por dia só aqui no nosso quintal.
E durante este pesadelo de olhos bem abertos, temos a menor participação de mulheres da história no mercado de trabalho. A perda de renda e emprego, mal que afeta a população como um todo no caos sanitário, penaliza múltiplas vezes as mulheres, sobre quem recai o trabalho doméstico; o cuidado com crianças, doentes e pessoas idosas; e todo o trabalho mental e emocional de rodar todos esses pratinhos, sem que nenhum caia, durante o apocalipse sanitário econômico.
Não sou eu que estou dizendo, é o IBGE, na Pnad referente ao terceiro trimestre de 2020. Tampouco sou eu que digo que os casos de feminicídio e de violência doméstica saltaram durante o horror da Covid-19, é o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Sou eu sim, que afirmo a certeza de que a violência sexual também aumentou, num cenário em que mulheres são confinadas em casa com seus potenciais agressores, já que em 90% dos casos ocorrem em ambiente doméstico, por um agressor conhecido (dado do Ministério dos Direitos Humanos). Não é preciso genialidade pra fechar a conta.
Ao mesmo tempo, mulheres são 70% do trabalho de combate à pandemia no mundo todo, mas são excluídas dos processos de decisão referentes a esta luta desigual (em tantos sentidos) contra a doença. Isso mesmo em um cenário que aponta resultados melhores em países com mulheres à frente (ou ao menos fazendo parte) das respostas ao vírus.
Para bem e para o mal, o presente é feminino. E ele dói e pesa mais dependendo da mulher que se é: mãe, preta, trans, desempregada, pobre… um sem-fim de agravantes que podem se acumular ou não, em um cenário sem promessas. O que me leva de volta à minha blusinha. Ainda que não levem os créditos e oportunidades por isso, mulheres vêm carregando nas costas o fardo da possibilidade de um futuro, romantizadas como “guerreiras” quando a batalha é só por garantir a sobrevivência. A própria e a alheia. “Guerreira é a Xena”, disse sabiamente Tati Quebra-Barraco.
O futuro é feminino? Se houver futuro, e se não exterminarem por definitivo as mulheres de cansaço, doença ou violência, ele certamente será.
Feliz 8 de março.