Esquema de venda de atestados médicos será investigado pela Polícia Civil

Denúncia veio à tona depois que médica juiz-forana foi notificada pelo CRM a respeito de cerca de cem atestados que seriam fraudados


Por Marcos Araújo

16/11/2020 às 22h00- Atualizada 17/11/2020 às 09h28

Sem Título 3

Carimbo2 sem crédito
Conforme marido da médica, assinatura não condiz com a da esposa

A Polícia Civil do município de Matias Barbosa irá apurar a existência de suposto esquema de venda de atestado médico que seria praticado por funcionários da Prefeitura daquela cidade. O caso veio à tona após uma médica juiz-forana, de 36 anos, ter sido notificada pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) a respeito da suspeita de fraude em atestados com o nome dela. A vítima denunciou o caso para as policias Civil e Militar e à Prefeitura de Matias Barbosa, que também abriu sindicância a fim de apurar as responsabilidades, uma vez que a médica atuou na Policlínica de Matias entre os anos de 2013 e 2019.

A notificação do CRM recebida pela médica era referente a atestados apresentados por um funcionário da Empresa Municipal de Pavimentação e Urbanização de Juiz de Fora (Empav). A empresas, aliás, também instaurou processo administrativo para apuração e devidas providências.

De acordo com a denúncia da médica, cerca de cem atestados com o carimbo e uma falsa assinatura dela teriam sido usados de forma fraudulenta como se ela ainda trabalhasse na policlínica. No boletim de ocorrência, registrado pela médica sobre os fatos, consta que, em 28 de setembro desse ano, ela foi notificada pelo CRM por estarem sendo emitidos muitos atestados com o registro dela e, por essa razão, a médica deveria verificar a autenticidade desses documentos, que eram oriundos da Policlínica de Matias Barbosa.

Segundo o documento policial, na mesma notificação, o CRM enviou cópias de diversos atestados que não teriam sido confeccionados pela vítima. Diante dessa situação, ela se deslocou até a sede do conselho e declarou que não havia emitido tais documentos e que, em diversas datas, ela nem mesmo havia trabalhado. Ainda buscando esclarecer a situação, a vítima verificou que havia sido a Empav de Juiz de Fora que havia feito o questionamento no CRM.

Conforme o boletim, a vítima foi até a Empav e lá fez contato com um homem, que, por sua vez, teria relatado ter comprado atestados de um trabalhador da Prefeitura de Matias Barbosa. Ele ainda teria dito que cada atestado seria vendido pelo valor de R$ 25 por dia de dispensa.

A vítima afirma ter ido à Matias, onde teria feito contato com o trabalhador suspeito. Para ela, o homem teria dito que pegava os atestados com uma terceira pessoa e, posteriormente, os vendia. Ainda segundo ele, essa pessoa, que seria um funcionário da policlínica, seria quem confecciona os atestados falsos em uma gráfica, em Juiz de Fora, onde seriam feitos, também, os carimbos usados na fraude.

A médica informou à Polícia Militar que sentiu falta do carimbo na época em que trabalhava na policlínica, mas não fez o registro, segundo ela, pois imaginava que podia tê-lo perdido. O CRM constatou que teriam sido emitidos, aproximadamente, cem atestados com a mesma letra, dentre os quais muitos podem ser falsos.

“Só descobrimos que isso estava acontecendo, quando minha esposa recebeu a notificação do CRM para ver a veracidade dos atestados. As cópias não tinham nada a ver com a assinatura dela, com a letra dela. Ela desconhecia tudo. Ela teve que fazer uma representação no CRM, alegando a falsidade dos atestados. Além de ter nome no CRM suspeito de alguma fraude, ela ficou com medo de ter mais prejuízo, caso alguém continuasse usando os dados dela. Isso também representa prejuízo para a Prefeitura de Juiz de Fora e para o INSS, já que são atestados falsos”, afirmou o marido da médica, que procurou a Tribuna para denunciar o esquema fraudulento, afirmando que, possivelmente, outros 20 profissionais de saúde teriam sido vítimas do mesmo esquema. Ele disse que também apresentaria o caso ao Ministério Público, para apuração das responsabilidades.

Se confirmado, Prefeitura de Matias adotará punições

A Prefeitura de Matias Barbosa informou que, depois de recebida a denúncia, por parte do marido da médica, imediatamente foi instaurada uma regular sindicância para apuração dos fatos apontados.

Segundo a Prefeitura, “considerando haver, em tese, ilícito de natureza criminal, e para que não ocorra falsa e ilegal imputação de crime, a municipalidade irá atuar e aguardar, em paralelo com as nossas sindicâncias, as diligências e conclusões das autoridades que detêm a competência e os instrumentos próprios (inquérito/ação penal) para a fiel apuração dos fatos”.

Informou ainda que, na hipótese de ficar comprovada as ilicitudes objeto das informações, e após o regular e constitucional exercício do contraditório e da ampla defesa, a Administração não se furtará em aplicar rigorosamente as cominações cabíveis previstas no Estatuto dos Servidores. “Até que ocorra a correta identificação, apuração e cominações, a Administração, por força legal e em respeito ao constitucional princípio da privacidade e da presunção da inocência, se resguarda em não fornecer identificação de eventuais suspeitos”, ressaltou.

A Prefeitura também esclareceu que não tem informações a respeito de outros médicos que atuaram ou atuam na policlínica que teriam sido lesados da mesma forma.

Empav também abre processo administrativo

Em nota encaminhada à Tribuna, a Empav informou que o processo de averiguação dos atestados do seu funcionário foi iniciado pela própria empresa. Conforme o comunicado, a diretoria da Empav oficiou o CRM após receber a informação do seu Departamento de Recursos Humanos, que estranhou a quantidade de atestados apresentados por um dos funcionários. Segundo a Empav, os documentos envolvem médicos diferentes, e a empresa já recebeu o documento do CRM indicando que alguns profissionais afirmam que a assinatura não é verdadeira. Com isso, a Empav abriu processo administrativo para apurar o fato e tomar as devidas providências.

O delegado regional e 2º vice-presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, Cícero de Lima Rena, explicou que, em caso como o relatado pela médica denunciante, o conselho atua quando existe uma publicação de um provável ilícito ético ou quando há uma denúncia realizada diretamente ao órgão. “Muitas vezes, o carimbo pode ser perdido ou furtado e pode ser utilizado até em outro estado. Então, o conselho precisa ter subsídio para abrir uma investigação, e o rito processual é como o rito da justiça comum”, explicou, acrescentando que a investigação é realizada por um conselheiro de outra região diferente de onde partiu a denúncia, para não haver qualquer tipo de influência na apuração.

“Quando o carimbo de um médico desaparece, sendo furtado ou perdido, o profissional deve fazer um boletim de ocorrência e comunicar o fato ao Conselho Regional de Medicina para se resguardar da possibilidade de uma terceira pessoa utilizá-lo de forma fraudulenta. A partir do momento em que ela fez o boletim e fez a comunicação por meio de ofício ao CRM, ela está isenta, em tese, de culpabilidade, porque, no caso de imitação de letra, o teste grafotécnico prova a fraude. Caso não adote essas providências, e o conselho receba outros atestados ou uma denúncia, o profissional terá que responder por meio de uma sindicância. Caso seja provado que o profissional não tenha culpa e é vítima, a sindicância é arquivada e ele recebe outro número para inserção no carimbo, validado pela CRM”, explicou Rena.

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