No primeiro dia pós-quarentena eu me levantei da cama e meu corpo não veio comigo. Ficou lá me olhando com aquela cara de “eu, não, vai você, de boa”.
Vamos lá, vamos ver o sol, vamos abraçar as pessoas, trocar uns perdigotos, pegar uma fila de banco, fungar no cangote alheio. Vamos a um bar conversar com estranhos no balcão, contar nossa vida, ouvir as outras.
E ele lá, amarrotado, sem me dar a mínima.
Mas eu insistia: vamos, sua carcaça preguiçosa, o vírus foi domado, agora precisamos de um pouco de ação, vamos voltar à academia, suar um cadinho, roubar no supino, roubar na esteira, roubar no agachamento, um pouco de diversão, qual é a sua, meu chapa?!
Ele não pareceu animado, meu corpo. Sequer me fitava, os olhos como botões refletindo o céu através da janela e além do cume dos eucaliptos.
Vamos marcar uma pelada pra hoje, homem, há vacina e remédio e aquilo tudo que passamos vai ser em breve um tópico desbotado nas aulas de história! Vamos ao cinema, fazer um churrasco, rever a rapaziada, uma roda de violão em volta da fogueira até que o sol venha nos lembrar a todos de nossa finitude, que diabos! Hein?!
Mas não. Meu corpo, moldado à horizontalidade da cama, estendido como um terno velho e fora de moda, ignorava meus apelos. Desprezava minha disposição. Pois meu corpo, ao que parecia, já não sabia exatamente o que queria, e seja lá quais fossem, já não tinha as mesmas vontades que eu.