Pandemia e direitos humanos ameaçados


Por Flavio Goldberg Advogado e mestre em Direito

30/04/2020 às 06h55

A pandemia decretada como uma espécie de regime universal de comportamento é um fenômeno que ultrapassa a questão de saúde e adentra no território do direito internacional público e privado.

Desde o início da informação de que a Covid-19 na China tinha um caráter epidêmico agressivo e avassalador, observamos o presidente da Organização Mundial de Saúde advertindo em caráter solene que, se prosseguisse no ritmo previsto, iria decretar a ocorrência de uma pandemia.

Ora, o que se poderia conceber é que, a partir desta constatação científica baseada em estatísticas, este órgão da ONU exercesse seu papel de monitorar e harmonizar medidas entre países membros para enfrentar a doença com os recursos disponíveis, médicos, econômicos e sociais.

Infelizmente, o que se tem constatado no mundo inteiro, e inclusive no Brasil, é a ultrapassagem dos cuidados com a saúde da população e implicações que demandam atenção e vigilância para que, nesta crise inédita pelas proporções, governos autoritários e grupos radicais não se aproveitem do pânico provocado pela doença e o surto paranoico que acompanha o noticiário, bem como a consignação da impotência dos sistemas de saúde, público e privado, em estado de falência, mesmo nos países chamados do Primeiro Mundo, como os EUA e os europeus, mormente, o escandaloso caso da tragédia italiana.

A decretação do isolamento social, confinamento, o “lockdown”, vem sendo imposto, frequentemente, numa linguagem ameaçadora, inclusive de prisão para os cidadãos que não aceitaram as regras rígidas que tanto seduzem e agradam principalmente a governos autoritários e corruptos, que se aproveitam para sacrificarem direitos constitucionais tão duramente conquistados de liberdades consagradas na Constituição.

Em vez de convencimento da população, alguns governadores no Brasil chegaram ao extremo de pretender, com os recursos da tecnologia, policiar, através de celulares, numa invasão da privacidade, o movimento pessoal do cidadão. Não se trata de detalhe o fato de que só em São Paulo existem 26 mil entre idosos, doentes, gestantes e lactantes presos que poderiam passar para penas alternativas à prisão, e nada está sendo feito nesse sentido.

O pesadelo do “Grande Irmão” de Orwel se faz realidade. Surge também a hostilidade contra idosos: em Goiás, um caminhão “caça-veio” saiu às ruas na crueldade boçal. Alguns “especialistas” levantaram a questão, e, na falta de respiradouros, o critério de atendimento obedecer à faixa etária, numa ética que lembra o filme “Escolha de Sofia”. Tudo sem qualquer consulta à população, tratada como multidão de irresponsáveis a serem tratados como incapazes.

Isolamento social não pode ser sociedade selvagem de “salve-se quem puder”.

Urge o respeito aos direitos humanos, que, aliás, nunca mereceram na área da saúde no Brasil o mínimo para sobrevivência da maioria da população.

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