O brasileiro, esse povo acolhedor. Essa frase poderia estampar uma das campanhas estereotipadas e atrasadas de algum departamento de turismo, tendo como ilustração a imagem de uma mulher negra sorrindo e ao fundo araras a voar entre folhas tropicais.
Um dos problemas da afirmação de que o nosso é um povo acolhedor é a categorização apressada que ela comporta. O brasileiro é acolhedor, o alemão é organizado, o inglês é pontual, o francês é esnobe, o italiano é expansivo, o japonês é metódico. Morando na Inglaterra há tanto tempo, posso assegurar-lhe, caro leitor de que há ingleses pontuais, organizados, esnobes, expansivos, metódicos e pasmem, até acolhedores.
Categorizar um país através de um estereótipo do seu povo como singular só nos limita e divide, não acha? Claro, hábitos culturais existem e as diferenças nos enriquecem e nos fazem únicos, mas dizer que o brasileiro é um povo acolhedor é, infelizmente, um exagero descabido. Talvez você tenha uma família calorosa e hospitaleira, com membros que se entendem e se ajudam mutualmente, são sensíveis, gentis e aqueles almoços de domingo, quando vocês se reúnem, é a sua ideia de tempo perfeito. Agora, imagina se você liga a TV e vê aquele tio bacana que se interessa pelos seus planos, numa passeata defendendo crimes e gritando a favor de um período cruel da nossa História? Pensa ver aquele membro da sua família bacana chutar e dar socos em uma pessoa porque ela pede calma e está vestida de vermelho? Pois quem tem sangue correndo nas veias se chocou tanto quanto eu com a barbárie registrada numa rua de Porto Alegre esta semana. O ódio daquelas pessoas é animal. Aposto que têm até espuma na boca. Por quê? Sentem-se ameaçados pelo diálogo porque não possuem argumentos? O próprio presidente que escolheram, terrível coincidência, ficava sempre doente na hora de debater, se lembra? Que bagunça virou o meu país! Que lugar feio, que gente esquisita, que apesar de tudo, ainda defende o indefensável. Vocês que agrediram e agridem as pessoas enrolados na minha bandeira me fazem duvidar dessa gente acolhedora, essa da qual vocês falam tão orgulhosamente para inglês ver.
Façam o favor de me devolver a minha bandeira. Afinal, sejam coerentes: suas lutas são sempre contra o que as nossas cores representam.
Outro dia, meus filhos usavam a camisa canarinho. O mesmo tipo que eu usei até rasgar lá nos anos 80, cheia de orgulho. Olhando meus pequenos dentro daquela blusa cheia de símbolos e afeto, senti o coração apertar imaginando que, hoje em dia, se saíssem assim de casa, passariam por apoiadores do fim do mundo. Seriam confundidos por aquelas pessoas abusivas e agressivas que se enrolam na MINHA bandeira para sujá-la de sangue e vergonha. O Brasil é meu também e vocês que agridem e fazem passeatas a favor da morte dos compatriotas, vocês precisam acordar. Claro, eis um texto problemático que não vai agradar a gregos e troianos. O fato de eu não morar no Brasil será a bandeira, previsível, levantada para tentar invalidar minhas palavras. Afinal, muita gente acha que quem mora fora não tem acesso aos meios de informação e que nós não sabemos de nada, inocentes. O curioso é a vista que eu tenho daqui. É preciso sair de dentro de casa para notar a sua fachada. E o Brasil está com uma cara feia de morte e loucura.
Mas o mais irônico disso tudo são os que gritam de dentro de suas poças de sangue fresco que suas bandeiras jamais serão vermelhas. Essa gente top não me representa e a bandeira verde e amarela é minha. Agora que eu terminei este texto, vou ouvir MPB. Uma pessoa que escuta Chico não quer guerra com ninguém. Experimentem.