O homem invisível


Por Vicente de Paula Clemente, Advogado, contabilista e idoso

03/03/2020 às 06h59

A Prefeitura de Juiz de Fora, em 18 de dezembro de 2007, publicou a Lei 1.499/2007 para vigorar a partir de 1º de janeiro de 2008. No seu “caput”, esta lei diz: “É concedida isenção do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) aos contribuintes autônomos com idade igual ou superior a 65 anos de idade”.

Muito bom, o legislador entendeu que o trabalhador autônomo, após ter uma vida de trabalho e haver contribuído com tal imposto por tantos anos, deveria ser reconhecido e premiado com a isenção do referido imposto ao continuar trabalhando. Mas, para que o trabalhador idoso possa usufruir de tal isenção, essa mesma lei impôs severas restrições, dentre elas, que o requerente idoso esteja em situação de regularidade perante a Fazenda Pública Municipal.

Em outubro de 2018, a OAB-MG iniciou um movimento para provar à Prefeitura que o ISSQN lançado para os trabalhadores autônomos de nível técnico e superior, em Juiz de Fora, é um dos maiores de Minas Gerais, comparado com a capital Belo Horizonte e com as maiores cidades do estado, e pediu a redução do imposto.
Para tanto, a Câmara Municipal abraçou a causa e nomeou uma comissão para acompanhar os trabalhos nas reuniões que se sucediam, ora na Câmara, ora na Secretaria da Fazenda, sob a presidência do vereador Marlon Siqueira e mais representantes de Secretaria da Fazenda, OAB, CRC, CRM, Crea, CRO, Crefito, Coreminas…

Comissão escolhida, melhor se desenrolariam os trabalhos, e então pude “meter minha colher de pau” e apresentar a real situação dos idosos maiores de 65 anos, que estavam sendo vítimas de “injustiça fiscal”, quando, apesar de estarem (como no meu caso) em dia com suas obrigações fiscais, não pagaram o ISSQN após terem completado 65 anos de idade, pois o “espírito do legislador” entendeu que todos, neste caso, estariam isentos de tal imposto sobre serviços. Mas a Prefeitura continuou lançando, ano a ano, tal ISSQN e executando a cobrança nas Varas da Fazenda Municipal do Foro local e, ainda, protestando tais “dívidas” junto aos cartórios de protestos da cidade, negativando tais idosos inclusive no Serasa e no SPC, além de continuar as cobranças administrativas.

Mas a triste constatação é que o que é dito e não foi escrito de nada vale argumentar, e assim aconteceu. Na última reunião da comissão, ficou gravado nas atas o que foi acordado pelas partes e prometido pelo sr. secretário: o projeto de lei que reduziu em cerca de 40% o valor do ISSQN para os profissionais de nível médio e superior, em Juiz de Fora, foi enviado à Câmara Municipal, votado e aprovado por unanimidade pelos vereadores e sancionado pelo sr. prefeito, com loas aos vereadores.

Mas e o projeto de lei, prometido e acordado na comissão mista, que aconteceu durante mais de 12 meses, que tratava da regulação da lei que concedeu isenção do ISSQN desde 2008, que dizia que a isenção requerida fosse retroativa à data do aniversário de 65 anos do beneficiário, cancelando as cobranças já em andamento referente ao ISSQN de períodos posteriores?

Apesar da simpatia do prefeito com a causa e do aval do sr. secretário da Fazenda, a PGM não concordou com o que a Secretaria Municipal da Fazenda, os vereadores e os membros da comissão, OAB-MG, CRC-MG, CRM, Crea, Crefito e este representante dos autônomos idosos haviam debatido e acordado depois de tantos meses de trabalho. Ao final, prevaleceu o entendimento da Procuradoria Municipal da Fazenda de que a matéria tratava de isenção de ISSQN e iria prejudicar o erário municipal.

Dizem que “à medida que envelhecemos vamos ficando mais incríveis”, mas a realidade nua e crua esfrega na cara da sociedade que: “À medida que envelhecemos, vamos ficando mais invisíveis”.

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