Longe da família, juiz-foranos que trabalham no Natal falam sobre solidariedade e reconhecimento
Conheça histórias de trabalhadores que, mesmo trabalhando durante as festas de fim de ano, não deixam de sorrir e confraternizar
A proximidade do Natal é percebida aos poucos, em algumas pistas inseridas na rotina. A data é anunciada pelas prateleiras de lojas especializadas, que vão passando a disponibilizar um ou outro item decorativo próprio da época. Em seguida, nos mercados e padarias, os panetones, rabanadas e outras receitas típicas tomam o seu lugar de destaque. As campanhas de solidariedade também chegam para lembrar as pessoas do significado do período. Desse modo, parte da imagem mental que se constrói do Natal inclui a confraternização, seja entre familiares ou amigos, em torno de uma mesa farta, com troca de presentes, amigo oculto, entre outras tradições.
Ao mesmo tempo, em muitos lares, a dinâmica é diferente. Enquanto tem quem esteja terminando de se arrumar para a festa, há também trabalhadores vestindo seus uniformes para encarar o batente. Há inúmeras profissões que não têm folga nessa época do ano. O esforço dessas pessoas é empregado sem alarde, fazendo com que, muitas vezes, eles passem invisíveis, embora a festa não tenha como ocorrer sem o suporte oferecido por elas. Apesar de o merecido reconhecimento nem sempre ser destaque, são esses cidadãos que atendem a emergências. Eles cuidam, vigiam, transportam, salvam vidas, fazem com que a celebração de outras famílias saia perfeita, e se comprometem a dar o melhor que têm, independente de quem recebe o resultado da sua entrega.
Às vésperas do Natal, a Tribuna conversou com alguns juiz-foranos que passam as festas de fim de ano trabalhando, sempre com um sorriso no rosto.
Visão privilegiada
Da janela da sala em que trabalha no condomínio Chalés do Imperador, o vigia Dielisson Fagner Castro Weitzel tinha uma visão privilegiada dos shows de fogos de artifício que aconteciam nos Réveillons. Há oito anos na profissão, ele comenta que se acostumou a passar Natal e Ano Novo sozinho, durante os turnos de 12 por 36 horas. “Quem começa há pouco tempo acaba estranhando mesmo. O primeiro ano longe da família, sabendo que ela está reunida e você não está presente, deixa chateado mesmo, mas com o tempo nós nos acostumamos. Depois começamos a pensar que seria como ter um dia de trabalho e outro de folga e seguimos normalmente.”
Desse modo, dá para passar a celebração para outro dia. Mas a ausência é intercalada. No ano em que está de plantão no Natal, ele folga na virada do ano e vice-versa. “O mais legal de passar o Natal no trabalho é o carinho que recebemos do pessoal do condomínio. Eles acabam fazendo uma festa com a gente, param para desejar coisas boas. Percebo que as pessoas ficam mais gentis, mais sensíveis e mais preocupadas com os outros nessa época. Mais de uma vez já recebi ceia, lanche. É uma forma bonita de mostrar que não esquecem de quem está trabalhando.”
Para quem precisa encarar a data no batente, ele aconselha a pensar que é um dia após o outro. “Por mais que vá estar longe da família, é o trabalho que dá a oportunidade de as pessoas se manterem juntas.” Nesse ano, Dielisson se antecipou. Tirou férias nessa época, para visitar os avós que moram longe.
Um cenário diferente a cada ano
A rotina de Natal do garçom Carlos Augusto de Souza, que atua na área há 20 anos, inclui chegar na casa das famílias onde vai trabalhar entre 21h30 e 22h. Ele cuida dos últimos preparativos ajustados para que tudo esteja perfeito quando os convidados chegarem, como a bebida gelada e a arrumação da comida pronta. “As pessoas estão reunidas, testemunhamos muita alegria. Cada um que chega é uma festa a parte. Os cenários vão mudando todo ano. Casa nova, gente nova, isso é muito bom”, conta ele.
Para Carlos, não estar em sua própria casa nessa época não é problema. “Nunca me importei em trabalhar nessas datas. Tenho um combinado com a minha esposa. Sempre passo uma data festiva trabalhando e, na outra, fico com a minha família. Todo mundo entende bem, porque é um extra que faz diferença. Além disso, é ótimo o reconhecimento. As pessoas elogiam o nosso traballho, agradecem.”
Trabalhar durante uma confraternização tão significativa, segundo Carlos Augusto, é compensador. “Sempre somos chamados para participar. As pessoas se preocupam com o nosso bem estar. Isso é muito legal porque acabamos fazendo parte da história das pessoas, nem que seja apenas por um dia.” Para quem se aborrece em trabalhar na época, ele diz que é melhor não encarar como uma perda. “Se não é para fazer feliz, é melhor nem fazer. Trabalhar com a cara amarrada entristece as pessoas, faz mal para todo mundo. É tão legal ver as pessoas felizes, festejando, trocando presentes. Só ganhamos coisas boas.”
Transportar com alegria e com cuidado
No dia 25 desse ano, o motorista de ônibus da Ansal Vitor Cézar Assis França começa a trabalhar às 5h10 e para às 16h35, nas linhas 218 (Graminha) e 299 (Alto Bairu/Cruzeiro do Sul). Por gostar do que faz, diz não sentir peso ou chateação por trabalhar no Natal. “É claro que eu gostaria de estar em casa, com as pessoas que eu amo. Mas trabalhar também me dá satisfação. Não tem nada melhor do que fazer o que gostamos e eu tenho a cabeça bem aberta em relação a isso.” O que o fez enxergar as coisas dessa forma foi a passagem pelo Exército, onde passou oito anos em serviço. “Além das datas, ficava muito tempo fora de casa. Agora, mesmo trabalhando, sei que estou perto da minha família. Assim que termina a escala, volto e passo o fim do dia com eles. Sou tão grato, que sempre retribuo com o meu melhor.”
Essa época exige, segundo Vitor, um reforço na cautela. “Muitos idosos vão visitar seus parentes. Então, é preciso ter um pouco mais de paciência, lidar com mais cuidado, ter mais resposnsabilidade. Mas o resultado dá muita satisfação. Nesse período, sinto que as pessoas mudam de comportamento. Ficam mais amorosas, mais gentis.” Para ele, a atmosfera que se cria nessa época torna as viagens mais gratificantes. “Para muitos, na correria do dia a dia, passamos invisíveis. Há muita gente que também reconhece o nosso trabalho, mas nessa época recebemos um retorno maior. O clima fica ótimo”, ele avalia.
No ano passado, Vitor foi surpreendido por um passageiro. “Eu trabalhava na linha 123, no Alto Eldorado/Santa Luzia. Estava escalado tanto no Natal, quanto no Ano Novo. Fui presenteado por um passageiro de linha fixa, que sempre viajava com a gente. Por causa da educação e pela boa vontade com a qual lidávamos com aquele senhor, ele me deu uma camisa e eu fiquei emocionado. Ainda tem gente de bom coração, que reconhece o que fazemos, porque não é normal ganharmos presentes.”
O sorriso entra na frente
A seriedade no compromisso assumido ao iniciar a carreira na enfermagem, incluía saber que teria que abdicar de datas comemorativas como o Natal. É o que afirma a enfermeira chefe da ala neonatal da Santa Casa de Misericórdia, Marcelle Pires Ferreira Tostes, quando perguntada sobre como lida com o fato de não estar presente nas confraternizações da família durante o período. “Queremos estar com as pessoas que amamos, mas temos, do outro lado, a família do hospital. Estamos acostumados. O mais complicado é explicar isso para o meu filho, de 5 anos. Ele sente a minha falta, me pergunta, porque ainda não entende qual é a minha função aqui dentro.”
A relação com a equipe, no entanto, ajuda a diminuir o aperto que estar longe de casa provoca. “Comemoramos da nossa forma. Damos um tempinho, enquanto atendemos às necessidades dos pacientes. Mas gosto de trabalhar no Natal, porque o ambiente fica mais alegre, mais leve.” De acordo com Marcelle, no geral, os pacientes aguardam pela visita dos familiares. Mas nem sempre isso acontece. “Nesse momento, a nossa equipe entra em ação. Comemoramos com eles, conversamos, participamos. Nos esforçamos para que eles entendam que aquela situação é passageira, que em breve eles estarão em casa”.
A rotina ajuda a se acostumar com todos esses sentimentos. “Sabemos que vamos lidar com isso em algum momento. Não ficamos sem serviço, e isso ajuda a ocupar a mente. Mas também, entre uma atenção e outra, festejamos, nos desejamos um feliz Natal.”
O importante, para ela, é sempre entrar nos ambiente vestindo um sorriso no rosto. “Temos sempre que pensar nos nossos pacientes. Nos formamos para estar perto e auxiliar. É nessa hora que eles mais precisam de nós, do nosso apoio, da nossa atenção. Assim eles conseguem passar o dia mais tranquilo, com menor sentimento de perda e tristeza.” Isso, para a enfermeira, faz toda a diferença.
Ajudar como a maior recompensa
Há 25 anos, quando entrou no Corpo de Bombeiros, o sargento Francisco Régis de Lima Teixeira foi preparado para ver as datas comemorativas como qualquer outro dia. Afinal, as ocorrências não marcam hora e nem data para acontecer. “Claro que, tendo família, acabamos pensando um pouco, mas a principal preocupação que carregamos é estar preparado para atender a qualquer tipo de chamado.” Em função das festas de fim de ano, são mais frequentes os problemas que ocorrem em função do uso excessivo de bebidas alcoólicas. O sargento também conta que as pessoas viajam para o interior e, despreparadas, entram em lagos e rios, e o resultado são os afogamentos, também acontecimentos sazonais ligados a esse período do ano.
No ano passado, no entanto, ele estava de férias no Natal. Mas fortes chuvas causaram uma inundação no Bairro Vitorino Braga, onde ele reside em Juiz de Fora. Assim que soube do problema, sem pensar duas vezes, se voluntariou. “Me coloquei à disposição e acabei ajudando a tirar um monte de gente que estava ilhada dentro do ônibus. Ao chegar, me deparei com a guarnição de bombeiros, que estava em ação. Me juntei a eles. Não somos bombeiros apenas quando estamos de plantão. Somos bombeiros 24 horas por dia.”
Saber que participou de uma ação que salvou pessoas foi o presente de Natal que ele ganhou. “A sensação de dever cumprido é a maior recompensa que existe. O prazer de colaborar com as pessoas não tem preço. Massageia o ego, alimenta a alma e ultrapassa o valor de qualquer medalha, comenda ou reconhecimento”, diz ele. Nem sempre, no entanto, o desfecho dos chamados é positivo. As coisas ruins, Régis se esforça para deixar para trás. “Fazemos um juramento no ato de formatura: de fazer o possível e o impossível. Mesmo se for preciso sacrificar a própria vida em favor das outras. Ajudar as pessoas é a melhor sensação que existe. Independente do que for, fui treinado e tenho que estar pronto”.
O que diz a lei
No Brasil, as leis proíbem o trabalho em dias de feriado. No entanto, algumas categorias estão liberadas para atuar nessas ocasiões. Entre elas, estão os funcionários de bares, restaurantes, hotéis, unidades hospitalares, supermercados, entre outros. O advogado e professor Flávio Nunes, explica que esses estabelecimentos cujo trabalhadores atuam nos feriados precisam estar atentos às regras de compensação e remuneração diferenciada, em caso de indicação nas normas.
Ainda segundo Flávio, o empregador detém o poder organizacional sobre as escalas. “De acordo com o contrato, ele pode estipular quem vai trabalhar e em que horário. A resistência do empregado em comparecer no expediente em dia de feriado não tem nenhuma legitimidade, por não ser uma determinação ilegal. Lembrando que é dever do patrão observar as regras de descanso remunerado semanal e pagamento diferenciado, caso exista a previsão.”
Nesse ano, conforme Flávio, o número de profissões que podem trabalhar durante feriados aumentou. “A medida provisória convertida na Lei de Liberdade Econômica pela Secretaria do Trabalho ampliou o número de ramos de trabalho que podem atuar durante feriados. Por isso, há uma abertura maior para o funcionamento nesses dias, o que não afasta a obrigação da observação das normas coletivas, do descanso e compensação adequados”, destaca.