“A voz da rua também é uma escola!”

Por Marisa Loures

Foto Medusa e Wandin
Apresentados às batalhas de poesia dentro da escola em que estudam, os jovens poetas juiz-foranos Wanderson Souza e Júlia Medeiros voltaram, de São Paulo, com o título de campeões do Slam Interescolar Nacional – Foto Divulgação

O nome dela é Júlia Medeiros, mas ela gosta mesmo é de ser chamada de Medusa. “Esse é o meu nome artístico”, avisa a adolescente poeta, de apenas 14 anos. Ela é aluna da Escola Estadual Delfim Moreira e, no último dia 8, voltou de São Paulo vencedora do Slam Interescolar Nacional, na categoria Ensino Fundamental. E o nome dele é WandersonLuís de Souza. Quando pequeno, recebeu da mãe o apelido de Wandin e é assim que é conhecido pelos amigos. Aos 17 anos, também aluno do Delfim Moreira, o jovem entrou na batalha nacional como representante do Ensino Médio e sagrou-se campeão. Para vencer, levaram na bagagem suas consciências, angústias, as vozes da rua e o desejo de fazer do mundo um lugar melhor.

“Eu ia para as batalhas de poesia e ficava vendo os MCs. Achava aquilo incrível. Sempre tive muitas amizades no hip-hop. Comecei a ver aquilo e falei: ‘poxa, que legal’. É poesia, sabe? E eu não parava de ver aquilo, de ver vídeos, de pesquisar sobre aquilo. Aí entendi o que era poesia”, conta Medusa, que foi apresentada ao Slam dentro do ambiente escolar. “A poesia é uma escola. É uma forma de resistência”, completa a adolescente, frequentadora da Batalha da Ágora e que usa a palavra para denunciar o racismo e a desigualdade social.

Assim como a amiga, Wanderson também conheceu o Slam dentro do colégio. E foi lá, com a ajuda de uma professora, que ele escreveu um livro e distribuiu 20 exemplares para os colegas. Ele já tinha ouvido falar desse movimento que vem tomando conta do Brasil, mas nunca havia participado antes. “Até que acordei abalado, fui para a escola. A diretora me chamou, perguntou se eu gostaria de participar, e eu aceitei”, relata o jovem, hoje integrante da Confraria dos poetas.

Ainda tão novo, ele contabiliza algumas perdas ao longo da vida e escolheu a poesia para gritar o que sente. Ele é resistência como jovem negro, como representante da periferia. “A gente se uniu por conta da poesia. O que a gente fala tem a ver. Temos histórias diferentes, mas é sempre a mesma questão que a gente retrata, queremos mudar e conquistar as mesmas coisas”, dispara Medusa.

Marisa Loures – O que a poesia representa para os dois?

Medusa – Costumo dizer o que sinto, e a poesia é isto: a poesia é o sentimento que transborda da alma, é a vivência, o aprendizado, aquilo que você quer passar do seu conhecimento. A poesia é uma troca de opiniões, um diálogo que busca sempre a justiça da vida. Nós, poetas, estamos aqui para provar que a voz da rua também é uma escola!

Wanderson – A poesia representa uma forma de escape de minhas angústias. Ao mesmo tempo, busca exercer a função de tentar resgatar pessoas que a sociedade julga “perdidas”, e, sobretudo, falar da realidade vivida dentro da favela, pois acredito que existem muitas coisas que as pessoas julgam sem analisar os pontos de vista diferentes.

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Medusa é vencedora do Slam Interescolar Nacional na categoria Ensino Fundamental e usa seus versos para gritar por igualdade – Foto Divulgação

– O que vocês querem que o mundo ouça de vocês?

Medusa – Quero que o mundo ouça a verdade que nós somos, que aceitem a nossa igualdade, pois a nossa única igualdade são as nossas diferenças. Que todos saibam entender que, mesmo com as diferenças, devemos respeitar o próximo, pois aprendi na vida que respeito não é só para quem tem. É necessário respeitar.

Wanderson – A verdade, a realidade, minha história e meus pontos de vista.Quando falo “realidade”, digo aquilo que, às vezes, as pessoas olham e julgam sem terem a dimensão do que o outro passa. São pontos de vista diferentes, e eu escrevo cada verso para isso, para expor esse meu ponto de vista, inspirar alguns, incentivar as pessoas a expressarem o sentimento na arte. Acima de tudo, nunca devemos nos esquecer de onde viemos. Temos que buscar o propósito de estarmos aqui, porque, se pensarmos bem, podíamos não estar.

– Como surgiram as poesias declamadas no campeonato nacional?

Medusa – Cansei de esperar que falassem por mim. Também tenho voz e foi a minha vez de falar, pois, quando eu gritava, ninguém me ouvia. Tiveram que entender que eu queria ter respeito e não moral, não era preciso que eu aumentasse o tom. A hipocrisia que reina abaixa a cabeça quando o povo abre a boca. Ninguém vai nos calar!

Wanderson – Foram quatro poesias declamadas. Duas delas eu já tinha feito ano passado, quando uma professora me ajudou a fazer um livro com 20 exemplares. Distribuí para amigos, e as outras duas fiz esse ano.Busco retratar em minhas poesias fatos tanto recentes quanto passados, abordando temas nacionais. Em outras, retrato aquilo que está ao meu redor, seja uma situação ou um pensamento.

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Campeão nacional do Ensino Médio, Wanderson tem a poesia como uma válvula de escape para suas angústias – Foto Divulgação

– Vocês acham que o Slam está popularizando a poesia no Brasil? Por meio da poesia Slam, os jovens estão se aproximando mais da literatura?

Wanderson – Sim. Acredito que tem pessoas que se identificam com certas coisas faladas, e, a partir desse momento, passa a ser algo interessante a ponto de um jovem se sentir desafiado. Ao mesmo tempo, desperta o desejo de assistir e gritar, e, através de toda energia, se curar.

Medusa – Com certeza, pois o Slam não é só batalha de poesia. É como eu digo: O Slam é uma escola. Hoje, nós, poetas, vivemos uma realidade muito diferente do que vivíamos antes. De inseguros, depressivos e sem esperanças, nós nos tornamos leitores e escritores. O Slam salva vidas, a poesia renasce dentro das pessoas.

 

 

 

 

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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