Era ali pela uma da tarde quando o fotógrafo Fernando Priamo entrou na redação.
– Meu tio falou que acordou com o pé doendo e vai chover.
Lá fora, o sol ardia sobre os telhados e os pouca-telhas dessa cidade condenada a amplitudes térmicas saáricas. Nem uma nuvenzinha no céu, os vidros dos carros e dos prédios refletindo o azul e multiplicando o astro-rei em milhares de microssóis.
– O maçarico tá ligado!
– É um sol pra cada um!
– É um sol pra cada gol que o Botafogo vai levar quinta!
Toda sorte de lamúria climática era ouvida na redação da Tribuna de Minas a cada jornalista que entrava esbaforido, limpando o suor da tez reluzente.
– Mas o pé do meu tio amanheceu doendo. Vai chover.
O Valente (Eduardo, editor e moço do tempo) falou que não vai, e o Valente estuda essas coisas, sabe ler os gráficos.
E o céu azulzinho.
Dizem que na firma do Bill Gates tem piscina. Onde a nossa, caros Neves? Então ar-condicionado no talo. Bate-boca. Fungar de narizes. Clima polar. Me empresta sua jaqueta. Troca de lugar comigo. Treme a redação da Tribuna de Minas ao vento mecânico dos refrigeradores de ambiente. Regozijam-se os vis amantes das estepes russas (que nunca as viram). Ai de mim, que sou de Ubá.
Lá fora o forno a 200 graus.
– Mas vai chover. O pé do meu tio doeu.
– Não é o que os gráficos dizem -, observa Vívia (Lima, repórter e moça do tempo), com certeza cartesiana e um pouco do sarcasmo de quem tem por fiadores os dados do Inmet. E o sol ainda inclemente, o céu um único olho de Sinatra.
Mas eis que, no crepúsculo do expediente, revoltam-se as nuvens. Bomba o grupo interno de WhatsApp. Vem chuva aí, gente. Venta ventania forte. Cheiro de terra molhada no ar. A caminho da sagrada pelada de terça, vai longe o dia, os primeiros pingos. Desce o molho. Chove canivete, faca, facão. A Vívia traída. O Valente traído.
Onde a certeza cartesiana? Onde os gráficos? Os dados do Inmet? Suplantados pelo instinto. A vitória do vibrar do corpo sobre as linhas frias do computador. O saber científico detratado pela inteligência intuitiva. O dedão latejante maior que cem satélites meteorológicos.
Este o placar daquela terça de sagrada pelada, em que doeu o pé do tio do Fernando. E choveu.