Licitação pode beneficiar 47 mil/mês

16 empresas levam a cerca de cem destinos
A determinação da Justiça Federal para que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publique, até amanhã, os editais de licitação das linhas de transporte rodoviário interestadual e internacional que operam de forma irregular desde 2008, pode afetar, diretamente, as 16 empresas que oferecem aos juiz-foranos aproximadamente cem destinos fora do estado, refletindo, inclusive, na prestação do serviço aos passageiros da cidade. Hoje, o transporte interestadual responde por mais da metade (58,6%) do movimento do Terminal Rodoviário Miguel Mansur, o equivalente a 46.880 passageiros por mês, conforme balanço do primeiro semestre divulgado pela administradora do espaço, a Sinart. Por conta da demanda, que passa de 630 mil usuários por ano segundo a ANTT, a cidade está em quarto lugar na lista dos municípios líderes em ligações no Sudeste, só perdendo para as capitais São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A conexão Juiz de Fora-Rio de Janeiro, por ônibus, é a terceira mais procurada, com fluxo estimado em 471 mil passageiros/ano.
Em nota conjunta, Ministério dos Transportes e agência reguladora afirmam, no entanto, que vão recorrer da decisão. "Diante da complexidade da licitação, o prazo concedido é extremamente exíguo (dez dias) e, por esse motivo, o Governo federal está trabalhando para solucionar essa questão." Procurada, a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), por meio de sua assessoria, afirmou que não se posiciona sobre o processo. Na mesma semana em que a Justiça determinou a licitação, porém, o Ministério dos Transportes anunciou a intenção de mudar o modelo adotado no país e permitir que as empresas de ônibus explorem diretamente as linhas por um regime de autorizações, semelhante ao utilizado no setor aéreo. A proposta está em estudos junto a Casa Civil e pode ser formalizada por meio de medida provisória. As informações foram confirmadas pela assessoria do órgão, que não divulgou mais detalhes. A Abrati também não comentou o assunto, sob o argumento de que a proposta de novo modelo ainda não foi apresentada aos empresários oficialmente.
Nos guichês, os usuários ouvidos pela Tribuna torcem pela licitação. A opinião unânime é que a medida, caso sobreviva à briga judicial e seja implementada de fato, permitiria a abertura de concorrência necessária ao setor. Conforme a Sinart, hoje, para pouquíssimos destinos os juiz-foranos têm opção de escolha. Entre eles estão Rio de Janeiro (duas viações do mesmo grupo econômico), Brasília e cidades do interior de São Paulo e Paraná. Na opinião do gerente Artur Rodrigues Bittencourt, há demanda para concorrência em outros destinos, como Rio de Janeiro, São Paulo (capital), Três Rios e cidades capixabas. Na sua avaliação, embora a maioria das empresas atenda satisfatoriamente os passageiros, a licitação é considerada necessária para garantir isonomia ao setor.
Há cinco anos a empresária Heloísa Alves Pereira viaja uma vez por semana para o Rio de Janeiro a trabalho. Ela integra um grupo que totalizou 190 mil pessoas só no ano passado. A empresária comenta que, não raro, embarca em ônibus antigos, com cadeiras não reclináveis e cintos de segurança com defeito. "Escolhi o horário de 17h para fazer as viagens porque a frota é melhor." Heloísa defende a abertura de concorrência, que, na sua opinião, poderia resultar em melhoria de preços e qualidade do serviço. A artesã Vera Lúcia da Conceição Rei concorda. Pelo menos duas vezes ao mês, ela embarca para Niterói, onde moram familiares. Segundo ela, são comuns problemas nos banheiros, como entupimento e falta de higienização correta, além de poltronas não reclináveis e sem recosto adequado. Na opinião da artesã, a abertura de edital poderia garantir direito de escolha aos passageiros. "Hoje só nos cabe aceitar o que as empresas oferecem. Não podemos procurar outro prestador de serviço melhor."
O destino preferido da enfermeira Maria Gatia de Paula é a cidade fluminense de Campos, embora também viaje a passeio para São Paulo, Rio de Janeiro e Petrópolis. Para ela, seria necessário ampliar a oferta de horários, melhorar a qualidade do serviço e abrir concorrência, para impactar na tarifa. Embora também utilizasse ônibus para destinos mais longos, como Brasília, Maria hoje tem preferido, nestes casos, os voos diretos. "A passagem aérea, por vezes, é até mais barata. Ganho em qualidade e economia de tempo."
Concorrência exige revitalização
Na avaliação do mestre em transportes pela USP, professor Creso de Franco Peixoto, o transporte interestadual enfrenta um período de "busca de identidade" em função da divisão de mercado com o modal aéreo. Segundo ele, até meados dos anos 80, a tarifa praticada pelas companhias aéreas chegava a ser dez vezes maior ante a do transporte rodoviário. Hoje a proporção não chega a dois. Para o especialista, mediante esta nova realidade, o setor tem precisado se "revitalizar". "A proteção do passageiro não é apenas oferecer um sistema que não gere acidente e não o machuque. Significa chegar ao destino são e salvo e sem estar excessivamente cansado."
Em meio ao debate sobre os modelos de concessão possíveis – a tradicional licitação ou as novas autorizações em análise pelo Governo federal – Creso pondera que é preciso resguardar o lucro do concessionário, em função do custo de manutenção do sistema e mediante a identificação de maior "fragilidade financeira" em relação ao transporte intermunicipal. O professor defende a necessidade de clareza e detalhamento nos contratos sobre as condições e a qualidade do serviço oferecido, considerando as especificidades de cada linha explorada. "O ideal seria que existisse um atendimento regionalizado." Creso considera restrito o número de empresas atuando no setor e destaca a potencialidade de aumentá-lo, caso seja facilitado o acesso de outras viações. "Defendo a revisão plena do modelo do transporte interestadual."
Conforme a Abrati, 95,4% dos brasileiros costumam fazer viagens interestaduais de ônibus. Os principais motivos são: passeio (31,7%), visita a parentes e amigos (29,9%) e negócios (29,5%). A média de viagens é de 5,83 por ano.
Processo é debatido desde 2008
A necessidade de licitação para explorar o serviço de transporte público está prevista na Constituição Federal e foi objeto de ação civil ajuizada pelo Ministério Público Federal em 2011. A decisão da juíza Lana Ligia Galati, da 9ª Vara Federal do Distrito Federal, divulgada semana passada, que estipulou dez dias para a ANTT lançar os editais, é resultado desta ação. O Decreto 2.521/98, que regula o setor, estipulou prazo improrrogável de 15 anos, a contar do Decreto 952/93, para que o setor fosse revisto. A norma mais recente pôs fim às prorrogações e estipulou o prazo limite de 7 de outubro de 2008 para desencadear o processo.
Apesar de a ANTT ter iniciado a discussão sobre licitação em 2008, inclusive com a realização de audiências públicas setoriais, o processo não avançou. A meta era licitar 95% das linhas em todo o país, com expectativa de incremento de 88% no número de permissionárias nas cem maiores linhas e de 25% no conjunto de ligações. O edital estava previsto para outubro daquele ano e previa prazo de 15 anos para as concessões. Na época, o então superintendente interino dos Serviços de Transporte de Passageiros da ANTT, José Glauco Apoliano Andrade Dias, afirmou à Tribuna que uma das preocupações era aumentar a concorrência nos mercados onde existia essa possibilidade. A perspectiva era que o primeiro impacto prático da medida fosse percebido pelo consumidor na queda de preços, pois o processo previsto era na modalidade leilão, que considera o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado. Desta vez, o órgão regulador também foi procurado, mas não se posicionou sobre o assunto.
Satisfação
A ANTT também não divulgou o balanço atualizado das reclamações contra empresas em Juiz de Fora. Sobre as queixas dos usuários, a Abrati respondeu com dados de uma pesquisa quantitativa, segundo a qual 67,2% dos usuários do transporte interestadual garantem estar satisfeitos com o serviço oferecido. Utilizando uma escala de satisfação que vai de um (mínimo) a seis (máximo), as notas dadas aos serviços, segundo a Abrati, foram: 3,75 para preço das passagens de ônibus, 4,19 para conforto de banheiros, 4,43 para horários e dias de viagem, 4,61 para limpeza dos ônibus, 4,67 para idade da frota, 4,69 para ruído nos ônibus e 5,03 para educação do motorista. Os dados referem-se a 2010, considerados os mais recentes da entidade.