As fake news do Merval


Por José Ricardo Junqueira, jornalista, ex-secretário de Cultura e Turismo de Cataguases

01/11/2019 às 06h54

No artigo “Disputa de poder”, publicado no “O Globo” de 28 de setembro último, o jornalista Merval Pereira escreve: “Citou-o no discurso da ONU como um ícone de combate à corrupção no Brasil, o que demonstra que o prestígio de Moro está intocado no exterior, mesmo depois da revelação de suas conversas com os procuradores de Curitiba”. O fato de o presidente Bolsonaro citar o ministro Moro na ONU é garantia de que o ex-juiz está com boa imagem lá fora?

Só para citar alguns jornais, em julho, o “New York Times” publicou que “a ação de Moro é altamente imoral – se não totalmente ilegal. E viola a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz que todas as pessoas têm direito a um julgamento justo”. O “Le Monde” ponderou que se as mensagens forem autênticas “derrotariam a suposta imparcialidade de Sergio Moro, que teria provido orientação e conselhos aos promotores contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. O “El País” noticiou que a investigação jornalística coloca em dúvida a isenção da Lava Jato. O “Clarín” destacou que as mensagens geram questionamento sobre a imparcialidade no julgamento de Lula.

Merval Pereira: “Uma luta de poder, para neutralizar o Ministério Público e a Lava Jato, que vem sendo turbinada por casos como o de Janot ou as conversas reveladas pelo site Intercept Brasil entre os procuradores de Curitiba e o ministro Sergio Moro”. Errado. Moro e os procuradores é que colocaram a Lava Jato sob suspeição com sua imparcialidade. O Intercept apenas divulgou (não inventou) os diálogos entre eles.

Merval Pereira defende que os diálogos não contêm nenhuma ilegalidade e que “estamos diante de uma questão moral, mais do que jurídica”. Em seu Artigo 254, o Código de Processo Penal diz que o juiz pode ser declarado suspeito ou ser recusado pelos envolvidos no processo se tiver aconselhado qualquer das partes – defesa ou acusação. O Artigo 564 aponta os casos em que ocorrerá a nulidade, entre eles por incompetência, suspeição ou suborno do juiz. As conversas entre Moro e os procuradores não são só imorais, são também antiéticas e ilegais.

Corrobora que prova obtida ilicitamente só pode ser usada a favor do réu, mas afirma que não vê como Lula possa ser beneficiado no caso em questão. “No caso das interceptações das conversas pelo Telegram, não há nenhuma prova de que ele (Lula) foi prejudicado, nada a favor dele, só a questão moral”. Ora, as provas são as próprias conversas ilegais entre Moro e os procuradores divulgadas pelo Intercept. Elas não prejudicaram o réu? Não viciaram o processo?

Por fim: “Considero muito difícil anular um julgamento por uma questão moral, que não interferiu no resultado. Se imaginarmos uma gravação durante meses nos telefones de políticos, ministros, jornalistas, advogados, empresários, quem pode garantir que não haverá comentário politicamente incorreto, ou que possa ser considerado indevido?”. Ao fazer essa analogia, classifica os diálogos entre Moro e os procuradores como meras conversas politicamente incorretas que não tiveram consequências, embora os fatos estejam aí dizendo o contrário. Essa desinformação é muito grave. Merval Pereira, detentor do prêmio Esso de Jornalismo, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, não deveria produzir fake news. Quem sabe mais tem mais responsabilidades.

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