Independência dos Poderes
A concepção liberal do Estado tem, na independência dos Poderes, um dos seus postulados fundamentais. A Constituição brasileira, fiel a essa linha principiológica, declara, no art. 2º, que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. O sistema de freios e contrapesos, que atribui, ao primeiro, competência para a elaboração das leis e reserva, ao segundo, a faculdade de vetá-las, conferindo, ainda, ao terceiro, o controle da sua constitucionalidade, assegura, na prática, a observância do princípio. Muitas vezes, porém, os órgãos representativos desses Poderes extrapolam de suas atribuições, indo além dos limites de sua competência.
Karl Loewenstein, um dos mais respeitados constitucionalistas do nosso tempo, adverte: “O poder carrega em si mesmo um estigma, e só os santos entre os detentores do poder – e onde se podem encontrar? – seriam capazes de resistir à tentação de abusar do poder”. Nos países cujas instituições não se mostram suficientemente maduras, o risco de que isso aconteça é maior. No Brasil, tem sido frequente.
Veja-se o que ocorreu com o projeto de lei sobre o fundo eleitoral e o fundo partidário, que a Câmara dos Deputados insistiu em aprovar, divergindo da posição mais equilibrada do Senado Federal e possibilitando o uso de recursos públicos vultosos para financiar campanhas de candidatos a postos eletivos, até mesmo no que concerne a gastos particulares, como a contratação de advogados e contadores. O Executivo, por sua vez, exercita, não raro, o poder de editar medidas provisórias, sem atender aos requisitos constitucionais da relevância e da urgência e invadindo, assim, a esfera de competência do Legislativo, ainda que tais medidas fiquem sujeitas à aprovação deste para se converterem, definitivamente, em leis. Mas o risco de abuso do poder é mais grave – porque irreversível – quando se dá na órbita do Judiciário.
Destinado a servir de árbitro entre os Poderes, o Judiciário brasileiro tem sido, no entanto, protagonista constante de abuso de poder. Ultrapassando os limites constitucionais, interfere além da conta na implantação e na fiscalização de políticas públicas, estimulado, quase sempre, nos estados membros, pelo Ministério Público. E isso provoca desequilíbrio orçamentário, perturbando a vida da administração pública e gerando insegurança jurídica. É preciso lembrar que, numa democracia, quem define o interesse público e adota medidas tendentes a realizá-lo é, exclusivamente, quem representa a vontade do povo e por este foi eleito para administrar ou para legislar. Mas o responsável maior pelos abusos, no campo do Poder Judiciário, tem sido o Supremo Tribunal Federal, imbuído, ultimamente, de um ativismo judicial desmedido. O STF, prevalecendo-se da largueza de certos princípios constitucionais ou da natureza de determinados instrumentos processuais, ignorando regras limitadoras de sua competência (como a que veda o reexame dos chamados interna corporis do Legislativo), tem-se posto, amiúde, a legislar e, às vezes, a tutelar o Legislativo. O abuso é maior em virtude da prática disseminada naquela alta Corte de decidirem seus ilustres ministros (ainda que à revelia do Regimento Interno do Tribunal), monocraticamente. Isso conspira contra a segurança jurídica e põe em risco o equilíbrio dos Poderes. Não justifica, porém, a retaliação que se esboça, no Congresso Nacional, a esse tipo de comportamento, por meio da tentativa de criar uma bizarra “CPI da Toga”. Aí, teríamos, mais do que o abuso, a perpetração de um absurdo inqualificável.