‘Jamais me sentirei acuado’, diz humorista Gustavo Mendes em entrevista à Tribuna
A realidade não dá conta de superar a ficção. Quando o escritor norte-americano Philip Roth constatou isso, decidiu-se pela aposentadoria, em 2012. Oito anos antes, no entanto, publicou “Complô contra a América”, uma espécie de premonição do que viveria os Estados Unidos mais de uma década mais tarde. Na trama, o famoso aviador racista e fascista Charles Lindbergh se torna presidente e sucede Franklin Delano Roosevelt. Após a vitória de Donald Trump, o telefone de Roth despertou-lhe do isolamento numa região rural de Connecticut. Mas para o escritor judeu era mais fácil explicar a eleição de sua criação ficcional do que do magnata republicano. Morto em 2018, Roth se opôs com veemência ao governo de Trump. Um ano antes respondeu ao “The New Yorker”: “Não é o Trump como personagem – o capitalista insensível – que extrapola a imaginação, mas o fato de Trump ser o presidente dos Estados Unidos”.
Quando começou a fazer troça do cenário político brasileiro, o humorista Gustavo Mendes, mineiro de Guarani, também parecia prever as piadas que estavam por vir. Reconhecia, desde os 8 anos de idade, quando começou a fazer humor, que a realidade não daria conta de superar a ficção. E o simples retrato do real já é o bastante para fazer rir. Prova disso é o vídeo publicado no último dia 18, no qual Dilma analisa a fala de Michel Temer na recente edição do programa “Roda Viva” – “Vejam, até o último momento, e este telefonema do ex-presidente Lula revela, exata e precisamente, que eu não era adepto do golpe”, disse o ex-presidente. Dilma é direta: “É o caso da pessoa que diz dentro do elevador: ‘Quem foi que peidei?'”. A Dilma em questão, no entanto, não é a Rousseff, mas a personagem de Gustavo Mendes, que nunca saiu de cena, mesmo depois de sua inspiração ter deixado o Palácio do Planalto.
Opositor do atual governo, Gustavo busca no humor a reflexão necessária para compreender o momento. Em seu canal no YouTube, com quase 800 mil inscritos e mais de 56 milhões de visualizações, o humorista ri de Damares Alves, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, com sua Danada Alves. Também fala sério, abordando polêmicas como a da vacina e temas sexuais. Com roteiros assinados por ele e por Gueminho Bernardes, seus vídeos chegam à rede três vezes por semana. Gustavo também está no ar como o porteiro Belmiro, de “Treme Treme”, programa do Multishow. Ainda roda o país apresentando “Di uma vez por todas”. Revelado nacionalmente no televisivo “Show do Tom”, em 2009, o humorista passou pelos globais “Casseta & Planeta”, “Zorra Total” e “Tá no ar”, além de atrações em outros canais.
Mais de 50 quilos mais magro, após fazer uma cirurgia bariátrica, Gustavo se diz ainda mais disposto. E mais politizado. E mais crítico. Num momento de opostos extremados e discursos violentos, Gustavo se posiciona de um lado, claramente, e, assim, vive a ameaça de ser opositor. “Não tenho problema em expor opinião política”, disse o artista, no palco, durante uma recente apresentação em Teófilo Otoni, Sudeste de Minas Gerais, onde foi interrompido após fazer críticas a Bolsonaro. Também não tem medo, diz, em entrevista à Tribuna na qual fala sobre trabalho, censura, sexo, e, é claro, política.
Tribuna – Como é interpretar a Dilma hoje? O que mudou nessa interpretação após a saída dela da presidência?
Gustavo Mendes – Dilma continua sendo um ícone. É sucesso nos meus shows, nas redes sociais. Por onde eu passo, tem sempre alguém pedindo para que eu a imite. Não mudou nada, o que eu percebo é uma simpatia enorme pela presidenta até hoje.
Recentemente você também interpretou a ministra Damares Alves, a quem dá o nome de Danada Alves. O que te despertou para a criação dessa personagem?
Eu busco o que as pessoas têm de mais engraçado, busco pessoas caricatas, e a Danada foi a piada do início do Governo atual, então mergulhei com toda a minha criatividade para compor a personagem que vem dando o que falar nas minhas redes. Amém!
Já pensou em criar um personagem baseado em Jair Bolsonaro?
Ah não, nem pensar (risos).
Rir da classe política sempre foi uma prática no humor brasileiro. O que representa para você?
O humor é uma forma de dar voz a sociedade e chamar atenção para o que precisa ser mudado, e isso é o que eu tenho feito com a minha carreira, com a Dilma, com o Temer e agora com a Danada. O humor sempre foi uma sátira da realidade e nunca será diferente.
Rir da política hoje gera debates acalorados como se fosse um debate sério. Sente-se acuado em algum momento?
Nunca me sinto, jamais me sentirei, pois se eu me sentir dessa forma estarei deixando meu trabalho e minhas ideias de lado.
Recentemente você viu um movimento contrário à sua apresentação em Governador Valadares tomar forma na internet e, mais recentemente ainda, viu a plateia se revoltar contra seu espetáculo em Teófilo Otoni. Os dois casos podem ser comparados? O que representam para você?
Se existem esses movimentos para atrapalhar minha carreira, para tentar fazer com que um artista mude seu trabalho, é sinal que o que faço tem incomodado uma classe política e alguns militantes. Sinto que estou no caminho certo, chamando atenção para o que precisa ser mudado.
O país tem visto alguns episódios de censura – livros censurados na Bienal do Rio de Janeiro e um livro didático, em São Paulo. Também discute-se muito, atualmente, os limites para o humor. Na sua percepção, há limites? Qual linha o humorista não pode ultrapassar?
No humor não cabe o racismo, nem a homofobia. Vivemos em um país onde podemos, sim, expressar nossa opinião e onde a censura jamais poderá existir.
O Fábio Porchat defendeu, numa entrevista recente, que o politicamente correto contribuiu para que as piadas fossem feitas de maneira mais consciente, já que é preciso entender cada palavra e cada lugar que ela ocupa. Como lida com o politicamente correto?
Acredito que o politicamente correto existe para seguirmos um caminho confortável para todos, livres de expressões preconceituosas, palavras indelicadas. Concordo com o Porchat, sim.
No seu canal do YouTube você tem um quadro no qual reflete sobre assuntos contemporâneos de maneira bastante séria. Como pensa essa atuação? Como equilibra essa faceta com a do humorista que ironiza a política?
Às vezes temos que usar a nossa expressividade nas redes sociais para chamar a atenção da população para essas coisas. Tento colocar o humor um pouco de lado e falar sério. Tento, né?! Pois o humor corre nas minhas veias.
Como a produção de vídeos para a internet interfere em sua rotina? Está conectado o tempo todo?
O tempo todo! O tempo todo estou em busca dos assuntos. Minha equipe também está sempre conectada. Todos nós trabalhamos o tempo todo para fazer o melhor.
Em “Treme Treme”, você interpreta um porteiro de um prédio no qual passam diferentes figuras, feitas por distintos humoristas. Nessa temporada contracena com Dedé. O que ele representa para você?
Dedé é um ícone do humor. Nossa! É uma honra que eu não sei descrever, só agradecer. Agora eu faço um porteiro mais magro, mais esbelto, mais afiado, mais fitness, mais lindo. Estou amando essa minha fase magro.
Como o trabalho em “Treme Treme” transformou seu trabalho?
Acredito que esse formato de humor é algo que dá a oportunidade para novos humoristas, como o Luccas Dória, natural de Conselheiro Lafaiete, que eu levei para o programa para que ele pudesse apresentar seu trabalho, e tantos outros que conseguimos mostrar o talento.
A TV é uma constante para você. O que há de especial em trabalhar para a telinha?
Desde criança eu brincava de ser apresentador de televisão, e a TV é algo tão grandioso, tão sensacional. Amo demais fazer televisão.
Você já emagreceu mais de 50 quilos depois de ter feito a cirurgia bariátrica. Como isso afetou seu trabalho e sua vida pessoal? Está mais disposto?
Nossa afetou diretamente. Estou muito mais disposto, mais confiante, e com uma performance que nem te conto! Sexualmente, então, estou um escândalo (risos).
Qual é a sua relação com Guarani, hoje? E com Juiz de Fora?
São duas cidades às quais eu devo muito. Cresci e me criei. Tudo começou nessas duas cidades e estou sempre nas duas, sempre que posso eu vou passear por lá.
Quais seus próximos projetos? O que tem te tomado mais tempo, hoje?
Ah, tem muita coisa bacana vindo aí. Tem programa em TV, peça nova. Estou cheio de surpresas, mas que eu ainda não vou contar.