Ibitipoca: pequena capital cosmopolita do blues
Ibitipoca Blues comemora 20 anos reunindo grandes nomes nacionais e internacionais e incluindo atrações gratuitas
Em sua origem, o blues remete ao sofrimento dos escravos afroamericanos submetidos a longas e árduas jornadas de trabalho nos campos de algodão no Sul dos Estados Unidos. “Let´s sing our blues”, diziam, que pode ser traduzido como “vamos cantar nossas tristezas”. Embora muitas das canções do gênero remetam de fato a agruras da vida, musicando os “blues” que cada um de nós tem, o Ibitipoca Blues, realizado de 22 a 25 de agosto na vila de Conceição do Ibitipoca, vem carregado de muita celebração, harmonia e alegria.
Em sua notável longevidade, o evento chega a sua 20ª edição e reúne nomes de peso na cena “blueseira” nacional e internacional. “É uma grande conquista, principalmente para um festival feito na raça, no amor e, dá até para dizer, na lucura! (risos) Chegar a 20 anos é um marco, tem festival que não dura cinco! E hoje ele tem essa proporção, se tornou um festival mundial e de fato, como dizem, um dos mais charmosos do Brasil mesmo. O que acontece lá, de interação entre o público e o artista, dos astistas entre si, a produção, e todo mundo… só acontece lá mesmo”, diz o veterano Jefferson Gonçalves, que se apresenta com sua banda e frequenta o festival desde a primeiríssima edição, quando se chamava “Ibitiblues” e era realizado no Alphaville. “Sempre defendi que fosse realizado no arraial, para que as pessoas vivessem mais Ibitipoca e não acho que é à toa que o festival tenha crescido justamente neste formato”, destaca Jefferson, que perdeu a conta de quantas vezes participou do evento.
Outro habitué da serra na temporada de blues, o baixista César Lago, presente em mais de dez edições do festival, também vê o Ibitipoca Blues em sua singularidade. “Ele transforma Ibitipoca numa capital cosmopolita do blues. Alguns dos artistas mais importantes da cena nacional e internacional estão sempre presentes na programação, e o Ibitipoca Blues está na rota dos festivais mais importantes do gênero. Além disso, há um preocupação com sustentabilidade que eu nunca vi em outro evento do tipo no país todo, e é sempre muito prazeroso estar lá. Os artistas e a produção, como já se conhecem há muito tempo, são como uma família, e isso transparece ao público. É sempre um ambiente muito acolhedor”, pondera ele, que neste ano participa do evento com a banda Beale Street e como baixista de Big Joe Manfra.
Além dos shows principais, realizados no camping do Ibitilua, o festival terá shows e outras atrações ligadas a iniciativas socioambientais e educativas. Como ocorre em todos os anos, além dos ingressos meia-entrada para estudantes e pessoas acima de 60 anos, o evento permite que qualquer pessoa pague ingresso no valor promocional doando materiais escolares que posteriormente são distribuídos para instituições de ensino da região.
Por dentro da programação
No dia 22, a abertura do evento rola na Praça do Ibitilua, gratuitamente, com a banda mineira Black Track Blues e sorteio de brindes. A banda, aliás, participa de uma das atrações mais bacanas do festival, fazendo um cortejo pelas ruas da vila na sexta e no sábado. No domingo, quem espalha o som pelas vias do arraial é a Magalhães Mojo Blues Band. Um dos destaques de sexta é a Humaitá Blues Combo, que tem entre seus integrantes o ex-Titã Charles Gavin, que junto ao músico e produtor Márcio Lomiranda (que trabalhou com inúmeros artistas da grande cena nacional), Pedro Coelho (baixo) e Diogo Viola (guitarra), toca clássicos do blues nacional e internacional.
Outro diferencial da edição comemorativa é a programação estendida, tanto em diversidade das atividades quanto nos locais de realização. Já a partir das 11h, o público poderá apreciar intervenções artísticas variadas, começando com o show de Mammah e Vasco Faé no Parque Estadual do Ibitipoca, além da ocupação de espaços públicos da vila com workshops, oficinas, roda de capoeira e maculelê, exposição de projetos relacionados à sustentabilidade e feira de artesanato.
Pensar a música de forma universal
Uma das principais referências instrumentais da gaita no Brasil e no exterior, Jefferson Gonçalves é uma das atrações do sábado à noite no Ibitilua com sua banda, tocando um repertório carregado de autenticidade, mesclando o blues de raiz com diversas outras referências, sobretudo vertentes musicais nordestinas. “Vejo a música como um todo, não me preocupo com estilo. Como quase todo múdico, comecei com rock e blues, mas eu e toda a banda temos um leque de referências que escutamos em casa, de Luiz Gonzaga a Jimmy Hendrix, de Jackson do Pandeiro a Little Walter. Eu optei por fazer um som que tivesse a minha assinatura, gosto de trabalhar a gaita de forma percursiva, pego muita coisa dos ritmos africanos, do Norte e do Nordeste, principalmente do Ceará. Tenho pesquisado muito as bandas de pífanos, então a maioria do nosso som cai para este lado, mesmo quando resgato um clássico”, conta ele.
Segundo ele, os puristas acham que as releituras e, nas palavras dele, “desconstruções” do gênero musical e das próprias músicas são loucura. “Mas a música é universal, não pode se fechar em um conceito. Quem tem essa leitura de música se amarra, inclusive os gringos adoram como introduzimos no blues instrumentos pouco óbvios como bandolim, violão de 12 cordas… No nosso último disco tinha um solo de cuíca do Laudir Oliveira no meio de um bluesão! Além disso, somos uma das pouquíssima bandas que usa percussão tocando blues”, destaca o instrumentista. “Na verdade, se a gente pensar, ‘Assum Preto’ (de Luiz Gonzaga) é um blues, também canta um lamento. Assim como os cantos de lavadeira de beira de rio do Nordeste se assemelham aos de catadores de algodão. Muda a paisagem, mas a mensagem e a essência são as mesmas. E no fim das contas, o blues, o rock, e a música nordestina vieram do mesmo lugar, a África”, completa ele.
O baixista César Lago faz jornada dupla na noite de sábado, tocando primeiro com Big Joe Manfra e depois com sua Beale Street, banda da qual é cofundador. “As duas têm bastante de rock blues, o som do Manfra é cantado todo em inglês e o som da Beale é um material autoral em português. O Manfra tem uma pegada mais power rock, mais funk, e a Beale Street tem uma pegada do suinge mais JJ Cale, de fazer todo mundo ficar com o ombrinho mexendo, dançando. São dois blues rock com nuances diferentes e ainda bem, seria muito chato um festival com as bandas fazendo o mesmo som.”
É a Beale Street que encerra o line-up de sábado, com promessas de uma grande festa. “Foi em Beale Street que o blues deixou de ser acústico para ser elétrico. BB King ficou por ali, tocava gospel e blues e tem uma história de que quando ele tocava gospel diziam ‘Deus lhe pague’, e quando era blues, as pessoas jogavam moedas (risos). A gente mantém essa linha da música de rua, mas entendemos que a língua portuguesa tem métricas diferentes, então usamos a linguagem musical do blues, mas numa apropriação brasileira, cantando em português”, conta César. “E vamos encerrar a noite numa grande jam session num formato que sempre chama mais gente para tocar, dessa vez vamos levar até um tecladista, coisa que só fazemos de dez em dez anos! (risos) É uma jam na essência, muita gente no palco, muito som e festa sem hora para acabar”, diz ele. “Embora a organização já tenha pedido para a gente pegar mais leve e acabar em algum momento (risos)”.
Ibitipoca Blues
De 22 a 23 de agosto
Conceição de Ibitipoca
Ingressos online: www.sympla.com.br/circuitodoblues
PROGRAMAÇÃO
QUINTA-FEIRA, 22
20h – Black Track Blues. Participação de Federico Vertano (Praça de Alimentação do Ibitilua)
SEXTA-FEIRA, 23
16h – Brazuca Blues com Claudio Magalhães e Leiser Dalbone (Loja do Ibitipoca Blues)
19h – Cortejo com Black Track Blues
Shows (Camping do Ibitilua)
20h – Abertura dos Pportões
21h30 – Taryn & The Blues Army
23h30 – Humaitá Blues Combo
01h30 – Super Chikan
SÁBADO, 24
11h – Show com Mammah e Vasco Faé (Parque Estadual do Ibitipoca)
11h – Workshop Jefferson Gonçalves (Praça do Espaço Multimeios)
12h – Workshop com Igor Prado (Escola Municipal Padre Carlos)
13h – Cortejo com Black Track Blues
14h – Roda de capoeira e maculelê (Praça da Igreja do Rosário)
15h – Oficina de flauta com Juliana Amorim (Camping do Ibitilua)
Shows (Camping do Ibitilua)
13h – Abertura dos portões
14h – Vasco Faé e Adriano Grineberg
15h30 – Blues Etílicos
17h – Igor Prado & JustGroove
19h – Cortejo com Black Track Blues
21h30 – Jefferson Gonçalves e Banda
23h30 – Big Joe Manfra
01h30 – Bobbi Rae & JustGroove
03h30 – Beale Street
DOMINGO, 25
11h – Cortejo com Magalhães Mojo Blues Band
12h – Show com Black Track Blues (Loja do Ibitipoca Blues)