“E a vida o que é? Diga lá, meu irmão!” Nunca foi fácil responder à instigante pergunta de Gonzaguinha. A ciência não encontrou a solução, e a filosofia não faz questão de encerrar a discussão. Mas, para a fé cristã, não há dúvida ou sequer titubeio: a vida é dom de Deus! E, como tal, é dever do cristão defendê-la, em toda Criação, na sua mais rica diversidade e em cada criatura, desde a concepção até seu fim natural, na sua completude e sua plenitude. Pois é para além desse aparente fim que a vida encontra seu verdadeiro sentido e eternidade.
Nesses tempos tenebrosos em que até o que considerávamos unanimidade, como a erradicação do trabalho infantil, é passível de discussões, a defesa da vida e de sua dignidade torna-se princípio e fim em si mesma. Uma vez que argumentos do tipo “é preciso fazer sacrifícios”, “nunca fez mal algum”, “isso é vitimismo”, para não citar os de baixo calão, recaem sobre os mais pobres, marginalizados e até sobre o meio ambiente, a Igreja tem que firmar sua posição.
Buscando “novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”, o Sínodo da Amazônia, a realizar-se em outubro, iniciou-se com a etapa da “escuta” das bases, isto é, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, comunidades do campo e da cidade. Dessa forma, pôde verificar quais são as ameaças e as dificuldades para a vida, o território e a cultura, bem como o papel que os leigos, especialmente as mulheres, devem exercer, inclusive para que a Eucaristia não permaneça como uma excepcionalidade. Mas essa movimentação chamou a atenção de órgãos do Governo que falam em interferência em questão de soberania nacional ao que dom Erwin Kräutler, o bispo emérito do Xingu (PA), questionou: Não devemos ser “sal da terra”, “luz do mundo”, “fermento na massa”? Se estruturas e medidas governamentais são iníquas, perversas, desumanas, excludentes, não cabe a todos os fiéis e, por excelência, aos bispos exigir que sejam respeitados a dignidade e os direitos de quem foi criado à imagem e semelhança de Deus? A Igreja não legisla sobre políticas públicas, mas exige de cada governo que se esmere em implementar programas de saúde, educação, habitação, segurança, transporte, saneamento básico para os cidadãos e as cidadãs do país. Nesse caso, trata-se da defesa do meio ambiente, sem o qual o ser humano não sobrevive.
Noutra dimensão, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota sobre o julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal a respeito da criminalização da homofobia. Nela, afirma que “é defensora incondicional da vida, desde a sua concepção até a morte natural. Nesse sentido, é contrária a qualquer ato de violência”. Diz que “em diálogo com os setores da sociedade que buscam fortalecer a punição para os casos de homofobia, a Igreja pede clareza nos processos em curso no Judiciário e Legislativo”, de modo que prevaleça “o respeito fraterno que todo ser humano deve cultivar em relação a seu semelhante”, e acrescenta: “A liberdade religiosa, que pressupõe o respeito aos códigos morais com raízes na fé, deve ser compatibilizada com as decisões judiciais relacionadas à criminalização da homofobia. A doutrina religiosa não semeia violência, mas, ao contrário, partilha um código de condutas que promove a defesa da vida”.
Também o Papa Francisco reafirmou recentemente esse compromisso cristão, que passa por cobrar a isenção daqueles que são responsáveis de julgar, pois deles “dependem decisões que influenciam os direitos e os bens das pessoas”. Num primeiro momento, em vídeo amplamente comentado devido às coincidências com o cenário nacional em que pesam suspeitas sobre atos condenatórios de cunho político, o Santo Padre afirma que “os juízes devem seguir o exemplo de Jesus, que nunca negocia a verdade”.
Outra frente de preocupação com a vida veio através do alerta, emitido pelos bispos do Brasil, acerca da reforma da Previdência, inaudito ao Congresso Nacional, que a aprovou com folga. Desde março, a CNBB afirmava que “as mudanças contidas na proposta sacrificam os mais pobres, penalizam as mulheres e os trabalhadores rurais, punem as pessoas com deficiência e geram desânimo quanto à seguridade social, sobretudo, nos desempregados e nas gerações mais jovens”, sem deixar claro quais são e quem possui privilégios, bem como a forma de combater a sonegação e de cobrar os devedores da Previdência.
Será que ainda teremos a pureza da resposta das crianças? Ou nos caberá a vergonha de não ser feliz? Lutemos, pois, para podermos cantar que a vida é bonita, é bonita e é bonita!