Visitando as Musas


Por Romilda Lopes, Pesquisadora em turismo e lazer e doutoranda em Estudos do Lazer (UFMG)

10/05/2019 às 06h53- Atualizada 10/05/2019 às 07h34

Ah!, o contato com aqueles objetos, com aquelas luzes que não iluminam, luzes cor de ouro, que parecem realçar o valor daquilo tudo que integra um museu. O chão é frio: cada sala, cada galeria tem um clima, um ar. Cada corredor tem um cheiro, às vezes salpicado de velharia, outras vezes cheirando a tinta fresca que mal acabou de secar. As paredes brancas, cor de neve, parecem grandes, o olhar quase não alcança o seu fim. Quando se fala, ouvem-se os ecos do que foi dito. Cuidado! Você pode ser descoberto aqui. Os transeuntes desse lugar portam “badulaques tecnológicos”, cheios de teclas viajantes que te levam para outro lugar e te trazem notícias de lugar algum.

Lá dentro o tempo se perde, a história se esvai, a arte passa, e o sujeito se encontra. Encontra-se com um amontoado de memórias expostas de maneira histórica, moderna talvez? Ou seria contemporânea? Só se sabe que a brisa daquele lugar traz o vento que vem do Ocidente. Os olhos das obras observam atentos, como a contemplar a construção subjetiva de seu espectador. Ouça a magia desse local! Notícias híbridas nascem ali, por isso ir até lá é desbravar, conhecer, é se desafiar, se transformar. Vá devagar, pise certo! Ouça atento, talvez você possa não ser reconhecido. Pois bem, então mostre-se e se faça conhecer. Pode ficar tranquilo, aqui a identidade não se perde, pois as Musas estão atentas, elas sabem de tudo e abençoam os artistas. Se quiser até conselhos elas dão, basta perguntar. Mas cuidado! Silêncio para ouvi-las é essencial. Então, entre logo.

Visitar museus se torna um perigo, pois é como pisar em areia movediça, algo que aos poucos vai envolvendo, consumindo. Por isso, quando se está em um museu as mãos falam, os olhos sentem, a boca toca, e todos os sentidos se invertem e se findam com a relação do sujeito-museu. Pode parecer simples estar dentro desse lugar, mas a complexidade que o permeia possui interstícios, ambivalências, trocas e conexões, fios que se ligam, desligam e religam.

As luzes cor de ouro e as paredes que mal se podiam ver se tornam um cenário perfeito para a história de terror predileta, as obras e os objetos ganharam novas funções e, mesmo não sendo tocados, se transformaram em brinquedos que se brincam com a mente.
Por isso, o fim de cada visita se torna imprevisível, se é que ela tem um fim. Cada visitante leva para sua casa as lembranças, os fatos e o cheiro, a magia e a descoberta da entrada em um mundo desconhecido. Importam as diferenças? Será que se leva apenas o que se gostou? Mais que objetos expostos, quem visita o museu leva contradições, exclusões e, por que não, preconceitos.

No fim de cada visita, as Musas se tranquilizam, afinal de contas, cumpriram o papel de proteger a identidade. Agora podem descansar em perfeita paz em seus aposentos sagrados. Quando elas acordarem, vão sentir os passos ainda quentes que transitaram por cada galeria, vão ver as cores e as mensagens que lá foram deixadas. Ao investigar os objetos das exposições, examinando-os com suas lentes de aproximação, vão conseguir ler as digitais deixadas nas peças e, quando começarem a ler, vão se surpreender com as histórias subjetivas de cada pessoa que lá esteve. Já as vozes, elas aparecem vez ou outra, num som ensurdecedor, e são elas que despertam as Musas, que muitas vezes dormem profundamente.

Mas um recado foi deixado para trás: conquistar as Musas e apropriar-se do museu é necessário.

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