Ela descia a Rua Figueiredo de Magalhães toda chique e pequena, os cabelos presos em uma flor vermelha ao lado e acima da cabeça, batom muito vermelho a delinear seus lábios finos, as sobrancelhas pintadas, as pálpebras pintadas, as mãos pintadas conduzindo um carrinho de picolé morro abaixo. Vestia um vestido branco justíssimo a esculpir-lhe a silhueta, um cinto dourado contornando sua cintura protuberante, orgulhosa de seus predicados. Seu corpo gritava que uma mulher mantém suas curvas não importa a idade: alteram-se somente os sentidos, das concavidades juvenis a maduras convexidades. Era sozinha um sol sobre sandálias.
Esbanjava vitalidade sentido Avenida Atlântica, a Copacabana de velhos e cachorros aguardando seus gelados, mas não deixava de provocar a pergunta, que brilhava em seu septuagenário e luminoso rastro: o que seria do resto de seu dia?
Guardar as sandálias e meter o pé na areia branca (a sola grossa de outras copacabanas ignoram o piso abrasador?).
Empurrar/puxar o carrinho no terreno fofo (doem-lhe as costas, as mãos, as pernas?).
Curvar-se para dentro do compartimento refrigerado em busca de inúmeros pedidos até o último picolé de cajá (ficará descadeirada?).
Arcar com a inclemência do sol que holandeses invejam (haverá proteção solar na maquiagem carregada de azuis e rosas sobre a face séria?).
Retornar, ao crepúsculo, Figueiredo de Magalhães acima (se Deus quiser a bolsa cheia e o carrinho vazio, recompensa a luta?).
Preparará seu próprio jantar? comerá sozinha? em que mesa? em que casa, a mulher septuagenária que se pinta como pinta-se uma arquiteta, uma modelo, uma professora, uma médica, uma atriz, uma balconista de loja de lingeries? Como dormirá esta noite a mulher septuagenária que trabalha sob o sol de domingo nas areias escaldantes dessa cidade maravilhosa?