Margareth Marinho coordena “Histórias no picadeiro”, projeto que reúne cinco escritoras de Juiz de Fora com o objetivo de divulgar produção literária

Por Marisa Loures


Margareth Marinho foto 2

Você já pode se preparar para cinco dias de muitas “Histórias no Picadeiro”. É que, na próxima semana, entre 8 e 12 de abril, das 19h às 20h, cinco escritoras aqui da cidade – Flávia Nascimento, Lauriana Paiva, Magda Trece, Margareth Marinho e Marisélia Souza – se revezarão na apresentação de seus livros infantis e farão sessões de contação de histórias para o público que bater ponto no setor infantil da Biblioteca Municipal Murilo Mendes. O evento antecipa as comemorações pelo Dia do Livro Infantil, celebrado em 18 de abril. A intenção do projeto, é claro, é divulgar o trabalho das autoras, promover o hábito da leitura e incentivar as escolas da região a adotarem as obras. Quem passar por lá, terá a oportunidade de adquirir os livros das escritoras a um valor promocional de R$ 15,00.

“Somos escritoras de literatura infantil, histórias que encantam, divertem e dialogam nesse sentido. Já fomos em quase todas as escolas da cidade, pelo menos uma de nós já foi em algumas delas. Em uma conversa informal, estas autoras mostraram essa preocupação com o acesso à literatura em tempos de crise. Então, tivemos a ideia de proporcionar um momento de aproximação com as escolas, num espaço de magia e encantamento com a apresentação do trabalho de cada uma e das histórias”, explica Margareth, nossa sacióloga, coordenadora da iniciativa e convidada do Sala de Leitura desta terça-feira. Ela antecipa para nós que, na ocasião, vem uma novidade por aí. Lauriana Paiva lançará o “Receituário poético da professora Bela” em um formato diferente. Aliás, ainda será a oportunidade de conhecer as regras do I Concurso Literário da Professora Bela, direcionado a pequenos escritores com idade entre 8 e 12 anos.

“Existe também a possibilidade de apresentar novas alternativas de produção literária seja para colégios ou autores em tempos de crise, como a proposta do movimento cartonero, que é a produção de livros manuais a partir de caixas de papelão, que são recicladas e se transformam numa espécie de livro-arte. Essa ideia surgiu na última crise econômica da Argentina e se espalhou pela América Latina. A proposta será lançada pela escritora Lauriana Paiva neste evento, no sentido de socializar, democratizar o acesso literário em tempo de crise. Estamos apenas dando um ponto de partida e queremos novas propostas, pois, excepcionalmente, neste momento, em que discutimos literatura em crise, vamos retirar algumas taxas que pagamos para manter uma obra, mas apenas neste momento, porque os autores também precisam sobreviver para que o livro exista. Será um evento pontual porque lamentavelmente não podemos fazer isso sempre”, afirma Margareth, enfatizando que o “Histórias no picadeiro” é gratuito e aberto ao público em geral. O limite é de 60 pessoas por noite, e os interessados devem fazer a inscrição antecipadamente pelo telefone 3690-7050 ou pelo whatsApp 98853-0015.

A entrevistada de hoje é mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é professora da Unipac e da Prefeitura de Juiz de Fora. “A tia míope”, “Dossiê Saci”, “Pé de saci” e os recém-lançados “Fantasma na árvore” e “Manual de saciologia” estão entre seus livros publicados. A história  deste último rendeu-lhe  o segundo lugar no Prêmio OFF Flip de Literatura, no ano de 2018. E, por falar em prêmios, em 2017, foi finalista no Retratos da Leitura (IPL/SP), com o projeto Escola de Escritores, desenvolvido por ela há seis anos na Biblioteca Municipal Murilo Mendes. Margareth Marinho também recebeu o primeiro lugar no Prêmio Ricardo Oiticica de Melhores Práticas Leitoras 2014, promovido pelo IILLER e a Cátedra Unesco de Leitura PUC-Rio, com a Caçada ao Saci, na categoria oralidade. Ela ainda é coordenadora literária da Festa Literária de Minas Gerais, realizada em Rio Novo.

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“Receituário poético da professora Bela” será lançado por Lauriana Paiva na versão de livro cartoneiro – Foto Divulgação

Marisa Loures – Como começou sua história com Monteiro Lobato e o que fez de você uma sacióloga?

Margareth Marinho – Sempre gostei das histórias de Lobato, e, quando comecei a dar aulas no Ensino Fundamental, pude transmitir esse gosto para as crianças. E passei a estudá-lo como autor e o descobri como personagem das histórias de tantos brasileiros que o liam. Encantei-me mais ainda com a descoberta do Saci por Lobato. Ele fez um inquérito sobre o Saci Pererê, em 1918, quando recebeu dezenas de cartas contando sobre suas travessuras. A partir daí o autor mostra ao Brasil um personagem pra lá de simples moleque. Então, no mês de abril, que se comemora o Dia Nacional do Livro Infantil em homenagem ao nascimento de Monteiro Lobato, passei a contar a história do Saci para a escola toda, encenando junto com outras professoras, principalmente com a Maria Lúcia Andrada – também escritora infantil -, que se jogava sobre a peneira no momento de segurar o Saci. As crianças adoravam ver tudo aquilo. Descobri tanta informação sobre o Pererê que resolvi me aprofundar pesquisando sempre e elaborando cada vez mais minhas contações desta história. Tornei-me uma “sacióloga”!

– Por falar em Monteiro Lobato, neste ano, ele caiu em domínio público, o que fez com que as editoras corressem para lançar vários títulos desse autor. Qual a importância de se debruçar sobre a obra dele, seja como objeto de estudo na academia ou puro prazer, nos dias de hoje?

Costumo dizer que toda história da nossa cultura popular, nosso folclore, nasce de uma contextualização histórica. Existe um momento propício para o surgimento de lendas que, através de uma movência, circulam pelo imaginário coletivo e nos ajudam a entender e a repensar muito da nossa trajetória. É importantíssima a pesquisa sobre essas histórias folclóricas que anunciam e denunciam atitudes que hoje condenamos. Por exemplo, no livro “Dossiê Saci”, cito algumas origens do personagem e uma delas conta que, na época do Brasil Colônia, quando um escravo fugia e era recapturado, alguns “donos” mandavam cortar-lhe uma perna para que não fugisse mais.  Era a alma desse escravo que aparecia ao redor das fazendas, com uma perna só, que as amas-secas, primeiras contadoras de histórias do Brasil, passaram a relatar.

– Certa vez, Ruth Rocha disse em uma entrevista que acha um horror, um empobrecimento e uma tolice esse viés do politicamente correto querendo alterar as obras de Monteiro Lobato. Ela, inclusive, disse que já quiseram tirar o cachimbo do saci. Qual a sua opinião sobre esse assunto, que sempre rendeu longas discussões, mas que está em evidência agora que Monteiro Lobato caiu em domínio público?

Concordo plenamente com a Ruth Rocha. Não podemos mudar a história do mundo! Lobato escreve sobre seu tempo, aquele tempo em que tudo isso era real e que hoje é muitas vezes apenas camuflado, como o preconceito racial. Precisamos deixar que as crianças reflitam sobre as atitudes erradas de gerações atrás para não repetirem estes erros. Acontece o tempo todo, no mundo inteiro. Como apagar o holocausto na Alemanha? Os horrores da escravidão em tantos países? Fazer de conta que não existiu? Mudar o rumo da história? E o cachimbo? Por que o Saci tem um eu vou passar a fumar também? Seria muito simplista e fácil passar por cima. Na minha adolescência, as propagandas de cigarro na televisão eram maciças, sem falar sobre o mal que causavam tal produto. Falta tempo para os pais ensinarem a seus filhos o que é errado. Para sentarem com eles assistindo uma televisão e discutindo o que veem, levando-os à reflexão. Vamos contar a história como ela aconteceu e apontar o que não deve.

– A “Caçada ao saci” que você desenvolve aqui na cidade atrai a atenção não só de crianças, mas também de adultos. Uma de suas últimas empreitadas foi lançar um “Manual de saciologia”, com o qual você levou o segundo lugar no prêmio Off Flip de Literatura Infantil. Por que um manual de saciologia? Essa obra vem coroar todo o seu trabalho em cima desse moleque travesso?

São tantas informações sobre o Saci que muitas eu nem conseguia contar. Então resolvi escrever um dossiê para não me perder nelas. E, de repente, reconheci uma metodologia nas ações do personagem e vi que dava para montar um manual, facilitando a leitura e a pesquisa. Sim, essa obra vem coroar tantos anos de pesquisa, de sacióloga. Mas o mérito fica para a nossa cultura popular, tão rica e às vezes desqualificada ou renegada a um dia no ano.

– Um dos seus mais recentes livros –  “O fantasma na árvore” –  surgiu durante suas aulas de produção de texto. Enquanto os alunos escreviam, você olhou pela janela da sala e viu “O fantasma na árvore”. Essa história surgiu ali. De maneira geral, como nascem seus livros?

De instantes como esse. Brincando com os filhos, com os alunos, a gente descobre que dá um livro porque é tão legal que vale a pena registrar e deixar outras pessoas também viverem aquele instante. Acho que todo autor deve ter suas inspirações assim. E a gente não esquece de quando foi que partiu a ideia. É grandioso isso.

– Esse seu livro tem uma pegada ecológica. O leitor acaba descobrindo que aquele fantasminha que assusta quem passa perto da árvore é, na verdade, uma sacola plástica.  Quando você cria, tem a preocupação de transmitir uma mensagem para a criança?

Não! A literatura não pode ter esta intenção de ensinar, senão deixa de ser literatura e se torna didático. Isso aconteceu incidentalmente. E fica nas entrelinhas, de acordo com o leitor. As histórias têm que ser prazerosas de se ler, de se ouvir, sem cobranças. Têm que ter caminhos para se fazer viajar na imaginação.

– Seu trabalho no setor infantil da Biblioteca Municipal Murilo Mendes já é realizado há alguns anos. Por causa dos atrativos oferecidos pelas novas tecnologias, temos o costume de pensar que as crianças se afastaram das bibliotecas e, automaticamente, dos livros. Isso é verdade? É certo dizer que a criança de hoje está se afastando do livro físico? Como é a frequência do setor infantil da biblioteca?

Acho que quem não vai à biblioteca já não iria mesmo com ou sem novas tecnologias.  Ainda temos grande procura pelos livros de literatura. Pais que incentivam e levam as crianças apesar de terem livros em casa. Nestes primeiros meses do ano, temos observado o aumento da frequência de crianças ao setor infantojuvenil. Muito por conta de pais que têm levado os filhos talvez até para tirarem estes do uso de muita tecnologia em casa, ou da própria escola que incentiva a procura da biblioteca, ou as crianças que vão e gostam e querem voltar sempre.

– O Escola de Escritores é um projeto desenvolvido por você e que foi finalista no Prêmio Retratos da Leitura (IPL/SP), no ano de 2017. Em 2018, passou a ser realizado, também, em Rio Novo. Quais são os objetivos dessa iniciativa e o que você vem notando de resultado ao longo desses anos?

Além do incentivo à leitura, o maior objetivo é fazer as crianças escreverem, e escreverem sem medo, brincando com o texto, identificando diversas maneiras de se escrever em versos ou em prosa. Trabalho com todos os tipos de textos e primo pelo lúdico. Com seis anos de projeto, noto que as crianças acabam sentindo prazer em escrever, começam a ver a leitura e a escrita diferente do que viam. E discutem isso com clareza. Questionam e “criam casos”. Penso que é isso que o aprender significa. Tornam-se leitores amadurecidos, o que muito adulto não é. Tem outro resultado também interessante quando as crianças incentivam outras a participarem do projeto. Muitos dos nossos alunos chegaram porque viram o colega na sua escola escrevendo e lendo fora dela. E muito além, na maioria das vezes. Isso chama a atenção e elas descobrem que a leitura faz a diferença e procuram a biblioteca.

“O que fisga o coração delas é a motivação que as leva a escrever, a contar aquilo que elas querem muito contar e não têm quem pare para ouvir.”

– E sobre o que as nossas crianças gostam de escrever? O que tem fisgado o coração delas?

Posso apostar que elas gostam mais de escrever sobre os acontecimentos do seu dia a dia, do que acontece na sua escola, na sua casa, na sua rua. É como se estivessem falando na “rodinha” lá do primeiro ano escolar, quando se tinha este tempo. Então, o que fisga o coração delas é a motivação que as leva a escrever, a contar aquilo que elas querem muito contar e não têm quem pare para ouvir. E elas adoram ler para a turma o que escreveram. São escritoras dos seus textos vividos. Escrevendo suas histórias de vida.

“Histórias no picadeiro”

Programação

Contação de histórias – De 8 a 12 de abril, às 19h, na Biblioteca Municipal Murilo Mendes
Flávia Nascimento – “Dona Miséria”
Lauriana Paiva: “Receituário Poético da Professora Bela (Livro cartoneiro)
Magda Trece – “Cadê o banho que estava aqui?”, “Doly não é mole?” e “Nasce Uma Estrela”

Margareth Marinho –  “A Tia Míope” e “Pé de Saci”

Marisélia Souza – “Bolas, ora bolas” e “O Sequestro do Galo José”

Interessados em participar devem fazer a inscrição antecipadamente pelo telefone 3690-7050 ou pelo whatsApp 98853-0015.

 

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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