Juiz de Fora é pioneira em projeto que pretende humanizar vida urbana
Marechal Deodoro passa a contar com tablados, sinalização horizontal e espaços de convivência que priorizam o tráfego de pedestres
Após ser cancelada a licitação que pretendia transformá-la em um calçadão, a Rua Marechal Deodoro, recebeu, nesta quinta-feira (14), a implementação do projeto “Ruas Completas”, no trecho compreendido entre a Avenida Barão do Rio Branco e a Rua Batista de Oliveira. A iniciativa torna Juiz de Fora pioneira em Minas Gerais e a coloca entre as 11 cidades brasileiras que integram a rede, que surge como uma nova perspectiva de melhora para as vias do país por meio da democratização no uso do espaço público, com a priorização do trânsito de pedestres.
A mudança reflete na maior acessibilidade para os pedestres, que passaram a contar com mais espaço no centro da rua, onde foram colocados tablados nivelados à altura das calçadas, ligando os dois lados da via e sinalizando a travessia. A medida visa conectar as galerias e garantir acessibilidade. “Nosso principal objetivo é devolver a Marechal às pessoas e proporcionar mais opções de transporte, seja a pé, de bicicleta ou cadeira de rodas”, disse o secretário de Transporte e Trânsito da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), Rodrigo Tortoriello. Nas primeiras horas desta quinta, iniciou-se também a montagem de mesas e cadeiras, formando espaços de convivência para quem trafega pelo local.
A ação visa humanizar os espaços urbanos sob a ótica do conceito de Urbanismo Tático, por meio do qual são aplicadas estratégias de transformação rápidas e baratas, além de incentivar os municípios a desenvolverem vias que priorizem pedestres e ciclistas. A promoção da democratização no uso do espaço público e o favorecimento da convivência entre as pessoas e os diversos meios de transporte é o escopo do projeto. “A iniciativa pretende quebrar o paradigma de desenho viário ainda praticado no Brasil, que privilegia os veículos motorizados e não as pessoas. Neste sentido, deixamos a Marechal quase que exclusiva aos circulantes, liberando as calçadas e trazendo os ambulantes para o meio da via. O projeto que chega a se tornar realidade é uma indicação de que a mobilidade urbana da região está sendo pensada em prol do uso mais democrático do espaço e da segurança de todos os seus usuários”, afirmou o secretário. Medir o impacto dessas intervenções é de vital importância para orientar futuras ações no local, segundo a PJF, e, por isso, durante o período de experimento, serão realizadas pesquisas a fim de conhecer a aprovação de tais mudanças e, se necessário, aprimorá-las.
Característica da cidade
O prefeito Antônio Almas (PSDB) esteve no final da manhã na Rua Marechal e destacou a importância de destinar espaço ao pedestre. “É o resgate da rua para o cidadão de Juiz de Fora, e é importante pois demonstra a preocupação da Prefeitura com o Centro da cidade, que é quase uma praia nossa. Nossa característica, inclusive, é ter muitas galerias, e isso vem para conectar ainda mais nossos espaços”, lembrou, acrescentando que outros centros comerciais podem integrar o projeto.
Almas ainda destacou a crise financeira que atinge as cidades, inclusive, Juiz de Fora e, por isso, a importância da parceria entre as instituições para o desenvolvimento de iniciativas deste tipo. “É uma parceria importante e que a gente precisa ter sempre, garantindo alternativas para a cidade”, finalizou.
Na cidade, o Ruas Completas é desenvolvido pela WRI Brasil Cidades Sustentáveis, em parceria com a PJF, por meio da Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra) e o curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O município é o primeiro do estado a integrar o projeto, composto por outras dez cidades, sendo sete delas, capitais.
Comerciantes apostam no aumento das vendas
A Tribuna conversou com ambulantes e lojistas que atuam no trecho. Pelo menos inicialmente, a percepção é de que a mudança foi bem recebida. Comerciante estabelecida na Marechal Deodoro há 37 anos, Neuza Tavares contou que o trabalho proporcionou a ela a formação de duas filhas, uma médica e outra jornalista. Para a ambulante, a intervenção, além de “bonita de ver”, deve aumentar as vendas. “Acredito que ficou mais agradável para quem passa por aqui. Mais pessoas, mais vendas”.
Ronaldo Barbosa, vendedor que trabalha na via, aposta na mudança. “Há 12 anos aqui na Marechal eu nunca vi este tipo de intervenção. Ainda acho cedo opinar, mas espero que essas modificações sejam positivas tanto para nós quanto para os pedestres”, pontuou. Atualmente, cerca de 12 mil pessoas circulam pela via durante horário comercial, segundo dados da Settra.
Aprovada pelos ambulantes, a mudança, entretanto, preocupa lojistas em relação à segurança no trecho. Uma vendedora, que preferiu não se identificar, se mostrou apreensiva com o espaço – antes livre – para a circulação de veículos oficiais e, atualmente, ocupado pelos camelôs. “Por aqui passam muitas pessoas, e é recorrente a ocorrência de roubos. Temo pela segurança do comércio, já que as viaturas não podem circular por toda a extensão da rua”, disse. Para Tortoriello, o questionamento é válido. No entanto, ele esclareceu que os camelôs são móveis e, por isso, facilmente retirados. “O tablado também foi pensado para suportar o peso de uma viatura, por exemplo, em caso de emergências, não havendo prejuízos à população”, avaliou.
As mesas, cadeiras e plantas que ornamentam o trecho serão diariamente recolhidas e recolocadas no dia seguinte. A partir de agora, o acesso de veículos, já restrito no trecho, deverá ser feito pela Avenida Barão do Rio Branco. Será utilizado apenas o espaço até a área do PAM-Marechal, onde os pacientes deverão desembarcar.
Primeira impressão
Já nesta quinta, as modificações atraíam os olhares de quem passava pela rua, como o aposentado Caludinel Shimitz. “Vi essa movimentação e quis ver. Achei bem diferente daquilo que estamos acostumados e gostei bastante”, disse ele, com os olhos atentos.
Projeto de calçadão não foi abolido
A necessidade de conversão de ruas em vias exclusivas para pedestres teve início na década de 1970, quando surgiram os primeiros calçadões em Juiz de Fora. Diante desta perspectiva, no ano de 2017, a PJF anunciou a transformação das ruas Batista de Oliveira e Marechal Deodoro em dois novos calçadões. O custo estimado para as obras seria algo em torno de R$ 1 milhão. A primeira licitação chegou a ser concluída, no entanto, a empresa vencedora desistiu do contrato. No final do mesmo ano, foi divulgada uma nova publicação, porém, o documento contemplava apenas as obras na Rua Marechal Deodoro. Entretanto, devido à falta de recursos para execução dos trabalhos, o processo foi cancelado.
Apesar disso, conforme a PJF, a intenção não foi deixada de lado. “Infelizmente não tivemos o recurso para manter a licitação, que foi cancelada. Mas isso reforça a intenção de executar o projeto. Vamos buscar auxílio dos governos estadual e federal para executar essa obra o mais rápido possível. Com tais modificações, estamos dando a possibilidade de a população avaliar o projeto na prática e melhorar a segurança viária”, garantiu Tortoriello, que faz referência à proposta da Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo o órgão, os esforços para a melhoria da segurança viária se mostram ainda insuficientes para alcançar a meta de reduzir em 50% o número de mortes no trânsito até 2020. “Uma das coisas importantes nessa mudança é o planejamento e o desenho das vias, que têm grande influência em como as pessoas se comportam no ambiente urbano.”
Exposição
Dentro das atividades, foi aberta, nesta quinta, às 19h, a Exposição “Juiz de Fora para as Pessoas: Marechal Deodoro e Batista de Oliveira na lógica das Ruas Completas”. A mostra tem o objetivo de apresentar formas sustentáveis de interagir com o espaço urbano e acontece no Espaço Cultural dos Correios. A exposição segue para visitação até 30 de abril, de segunda a sexta-feira, de 10h30 às 17h. A entrada é gratuita.