Fecha-se o cerco contra exigĂȘncia de CPF na compra
Cùmara quer fiscalização do Procon no comércio de JF; órgãos de defesa alertam consumidor sobre proteção de dados
A CĂąmara Municipal de Juiz de Fora solicitou Ă Prefeitura, por meio da AgĂȘncia de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-JF), maior fiscalização em lojas e farmĂĄcias da cidade que pedem o nĂșmero do CPF na hora da compra. Conforme informaçÔes do Legislativo, hĂĄ casos em que o preço anunciado nas prateleiras sĂł Ă© repassado ao consumidor se ele apresentar o documento. Quando esta exigĂȘncia nĂŁo Ă© atendida, o valor cobrado Ă© mais caro. O assunto foi levado ao plenĂĄrio pelo vereador JosĂ© MĂĄrcio (Garotinho, PV) durante reuniĂŁo ordinĂĄria realizada no Ășltimo dia 12.
Citando a recente investigação do MinistĂ©rio PĂșblico de Minas Gerais (MPMG), que culminou em multa de quase R$ 8 milhĂ”es Ă Drogaria AraĂșjo por exercer esta prĂĄtica, JosĂ© MĂĄrcio questionou o quanto o consumidor fica vulnerĂĄvel ao ter dados pessoais expostos. Ele tambĂ©m relatou a situação de quando foi a uma farmĂĄcia da cidade, e o funcionĂĄrio pediu o documento alegando que se tratava de um programa de descontos. “Sem pensar muito, acabei fornecendo o nĂșmero. Na semana seguinte, li no jornal que uma drogaria de Belo Horizonte, que tambĂ©m se instalou em Juiz de Fora, foi multada por condicionar o desconto Ă informação do CPF. De acordo com o CĂłdigo de Defesa do Consumidor (CDC), isto caracteriza prĂĄtica abusiva”, afirmou. “Protocolamos requerimento nessa Casa pedindo ao Procon-JF que exerça ação de fiscalização quanto Ă s denĂșncias de estabelecimentos comerciais de Juiz de Fora que estĂŁo capturando o CPF do cidadĂŁo de forma irregular e indevida.”
Em apoio ao relato de JosĂ© MĂĄrcio, o vereador AndrĂ© Mariano (PSC) destacou que muitos estabelecimentos comerciais nĂŁo deixam claro a finalidade de exigir o documento. “HĂĄ uma nova rede de drogarias que se utiliza de um artifĂcio absurdo: na prateleira, o preço Ă© um, mas quando vocĂȘ vai ao caixa descobre que sĂł irĂĄ pagar aquele valor mediante o fornecimento do CPF. Caso contrĂĄrio, o preço Ă© diferente. Esta Ă© uma ação maldosa”, declarou. “Quero me unir Ă fala de indignação de JosĂ© MĂĄrcio e pedir a fiscalização com relação a este tipo de prĂĄtica.”
O superintendente do Procon-JF, Eduardo Schröder, explicou que a fiscalização do MPMG tem sido realizada em todo o estado. “Este trabalho jĂĄ estĂĄ sendo feito e abrange todos os municĂpios. Os estabelecimentos nĂŁo estĂŁo agindo de forma isolada em uma localidade. Mas com certeza estamos Ă disposição para auxiliar neste trabalho.”
A decisĂŁo do MPMG foi dada no dia 5 de dezembro, e a Drogaria AraĂșjo teria dez dias para recorrer. Em nota, a assessoria da rede informou que “nĂŁo vai se manifestar sobre o assunto neste momento.”
Para MPMG, prĂĄtica viola direitos
O MinistĂ©rio PĂșblico de Minas Gerais (MPMG) afirma que condicionar descontos ao fornecimento do CPF viola o direito do consumidor Ă informação clara e adequada sobre o serviço ofertado, representando ainda riscos Ă segurança de dados, especialmente por capturar informaçÔes pessoais sem informação prĂ©via ao consumidor. “De acordo com o CĂłdigo de Defesa do Consumidor (CDC), a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverĂĄ ser comunicada por escrito ao consumidor, quando nĂŁo solicitada por ele”, explica a assessoria.
Segundo o MPMG, a decisĂŁo condenatĂłria de pagamento de multa no valor de R$ 7.930.801,72 da drogaria ocorreu apĂłs investigação dos fatos e recusa da empresa em ajustar a conduta. “O promotor de Justiça de Defesa do Consumidor de Belo Horizonte Fernando Ferreira Abreu concluiu que o escopo principal do suposto programa de fidelidade Ă© o de ter acesso aos CPFs dos consumidores e nĂŁo desenvolver, em si, um programa de vantagens ou fidelidade, o que configura prĂĄtica abusiva, pois a concessĂŁo de descontos nĂŁo pode estar condicionada ao fornecimento de dados pessoais. O promotor ainda destacou na decisĂŁo que as palavras “capturar” e “captar” os CPFs dos consumidores constam inclusive de documentos internos da empresa.”
Riscos Ă intimidade e vida privada
Ainda, conforme o MPMG, na decisĂŁo, o promotor explica que “a captura constante dos hĂĄbitos de consumo do consumidor de forma oculta e sem informação prĂ©via representa severo risco Ă intimidade e Ă vida privada do consumidor, alĂ©m de sujeitĂĄ-lo a riscos das mais variadas espĂ©cies”. O ĂłrgĂŁo esclarece que “em caso de vazamento de dados, os registros de aquisição de medicamentos, por exemplo, podem ser utilizados por uma operadora de plano de saĂșde ou seguradora para negar cobertura, seguro ou indenização.”
A decisĂŁo do MPMG foi dada no dia 5 de dezembro, e a Drogaria AraĂșjo teria dez dias para recorrer. A Tribuna entrou em contato com a assessoria da rede e nĂŁo obteve retorno atĂ© o fechamento desta edição.
Fornecer documento nĂŁo Ă© obrigatĂłrio
O superintendente do Procon-JF, Eduardo Schröder, alerta que o consumidor nĂŁo deve ser obrigado a fornecer o CPF na hora da compra. “Com exceção das transaçÔes feitas pela internet, nas quais Ă© preciso fornecer dados pessoais para a entrega do produto; nas lojas fĂsicas, nenhum tipo de documento deve ser obrigatĂłrio.” A Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor destaca que “o CPF Ă© o registro mais importante do contribuinte brasileiro” e diz que “hĂĄ um risco de uso indevido desse dado, que Ă© absolutamente privado.”
Em agosto deste ano foi sancionada legislação especĂfica sobre a proteção de dados pessoais. A Lei 13.709 dispĂ”e sobre o tratamento destes dados, inclusive nos meios digitais. Conforme diz o texto, o objetivo Ă© “proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade”. Na prĂĄtica, as empresas poderĂŁo coletar informaçÔes pessoais apenas com o consentimento do titular e desde que sejam necessĂĄrios para a execução dos serviços. Por isso, deverĂŁo deixar claro qual Ă© a finalidade de solicitar tais dados. A lei entra em vigor em fevereiro de 2020.
Para MinistĂ©rio PĂșblico, captura constante dos hĂĄbitos de consumo de forma oculta e sem informação prĂ©via representa InvasĂŁo Ă intimidade do consumidor