Michelle Strzoda: “O mercado de livros hoje não dá espaço para amadores”

Por Marisa Loures

Michelle site
A jornalista Michelle Strzoda trouxe para Juiz de Fora o projeto “Profissão: escritor”, cuja proposta é trazer um panorama do autor profissional do início ao fim do processo – Foto Divulgação

Escrevi um livro e quero publicá-lo. Preciso de um agente literário? Quem é o meu leitor? O que ele quer ler? Qual é o próximo passo? Definitivamente, não basta, somente, ter uma boa história a ser contada. “Capacitar-se para se tornar um escritor, conhecer o ramo, conhecer seu leitor, dialogar, usufruir da tecnologia disponível, se articular, estudar, testar. Não ter medo de arriscar, mas um risco calculado. O mercado de livros hoje não dá espaço para amadores, precisa ser empreendedor e criativo para dar conta do riscado”, orienta a jornalista e editora Michelle Strzoda, completando que “o desenvolvimento de um original é uma empreitada com uma série de particularidades a serem consideradas” no momento de se iniciar um projeto.

Gestora de comunicação e conteúdo em cultura editorial, cofundadora e ex-diretora da Babilonia Cultura Editorial, com formação em Edição de Livros pela Universidad Complutense de Madrid, Michelle promoveu em Juiz de Fora, no dia 19 de maio, uma edição do “Ciclo Profissão: Escritor”, cuja proposta é trazer um panorama do trabalho do escritor profissional do início ao fim do processo, por meio de uma conversa com profissionais do mercado de livros. Também autora da obra “O Rio de Joaquim Manuel de Macedo: Jornalismo e literatura no século XIX” (Casa da Palavra|Biblioteca Nacional), finalista do prêmio Jabuti e coautora da “Revista 450 Anos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro” (Academia Carioca de Letras), Michelle traz  respostas para algumas das indagações de quem quer fazer da escrita a sua profissão. O Sala de Leitura desta terça-feira ajuda a entender como funciona, hoje, o setor editorial no Brasil.

Marisa Loures – Vários escritores contam que receberam um “não” como resposta de editoras e aí acabaram optando pela autopublicação. O que é essencial para fisgar uma editora? E, com as novas plataformas digitais, como fica o papel do editor na configuração atual?

Michele Strzoda – Saber os canais, ir aos eventos, observar movimentos, testar, estar em contato com uma peça-chave desse processo – o leitor –, seduzi-lo e ser seu cúmplice ajuda a alcançar o sucesso do projeto editorial. Primeiro é necessário entender e estar antenado aos movimentos e tendências do mercado do livro e os demais com quem dialoga, conhecer as pessoas certas, ter um excelente networking, ler muito, nunca se dar por satisfeito em termos de conhecimento, ter visão empreendedora, trabalhar com parcerias, conhecer bem seu perfil de público-alvo.  O “não” como resposta pode ter uma série de motivos – seja uma inadequação da proposta com o catálogo em questão, seja falta de recursos, seja porque o projeto não impactou, não seduziu, seja a falta de habilidade para o escritor se apresentar e “vender seu peixe”, entre outros motivos. A autopublicação é uma excelente ferramenta, uma vitrine. Ter a autopublicação como solução em curto prazo tem seu valor. A área que mais cresce e se propaga no mercado editorial é o setor independente, com o selfpublishing e feiras de impressos e publicações outsiders. Empresas estão enxugando quadros e investindo em parcerias, cocriações alternativas. Forma de dar impulso e vitalidade ao seu modelo de negócio, à sua vitrine, ao seu catálogo de projetos e publicações. O empreendedorismo editorial hoje, mais que uma realidade e necessidade do profissional da cultura e, sobretudo, do livro, é uma vocação. O editor é um profissional que atua como filtro para uma massa enorme de conteúdo disponível em diferentes formatos, plataformas e tratamentos (ou ausência de qualquer tratamento).

– Um dos pontos abordados no “Profissão: escritor” é o agenciamento literário no Brasil. Um escritor precisa de um agente?

– No mercado anglo-americano, você não dá um passo sem um agente literário – seja você um escritor ou editor. Trata-se de um setor extremamente profissionalizado e eficaz no segmento em que atua. Com a constante e necessária profissionalização do mercado editorial no Brasil, a figura do agente é cada vez mais requerida e pertinente. O agenciamento literário no Brasil tem ganhado profissionais de fôlego, são ex-publishers, diretores editoriais, editores executivos e jornalistas se lançando no agenciamento literário – cada vez mais “nichado” e especializado. O escritor não necessariamente vai precisar de um agente para se mexer e atingir sua meta, seus objetivos em médio prazo, mas certamente a longo prazo será muito válido se puder contar com a expertise de um agente literário aqui e no exterior, para fazer circular sua obra no Brasil e lá fora.

– É positivo enveredar-se por gêneros distintos a cada nova publicação?

– Isso não é tão relevante, em minha opinião. O mais importante é a proposta de conteúdo editorial ter coerência e a história ter pegada, com argumento consolidado e roteiro substancial. Se o projeto se sustenta, se o autor e o editor depositam confiança e acreditam no projeto como um todo, devem ir em frente.

– Qual é a maior carência do mercado editorial atualmente?

– Editoras e demais empreendimentos culturais e editoriais que não investem em inovação, componentes criativos e revisão constante de seus modelos de negócio não avançam. O desafio está justamente na produção de conteúdo relevante, que desperte interesse e necessidade de consumo em seu público-alvo e, sobretudo, na formação de leitores. O mercado de livros hoje é muito dinâmico, trabalha com gestores e produtores terceirizados, com start ups e empreendedores criativos. Exige-se do profissional editorial contemporâneo, versatilidade, ousadia, personalidade e profissionalismo em diferentes frentes. O Brasil não ajuda muito aos microempreendedores. A carga tributária, a demora pelos documentos e os entraves burocráticos são gigantescos. Precisam ser proporcionais os esforços em disposição, empenho, planejamento, foco e metas. Cada passo em falso tem um custo. E esse custo pode ser fatal, dependendo do seu porte e grau de capital de giro. Não importa o tamanho do seu negócio, e sim a proposta e o perfil empresarial. Importante não ter a pretensão de inventar a roda, mas também não fazer o mais do mesmo. O mercado vive um momento de reoxigenação, com novos empreendimentos de diferentes perfis, com olhares múltiplos, mas alguns repetecos e outros também fechando.

– É possível traçar um perfil do leitor brasileiro hoje? E os escritores que querem dar certo, querem alcançar realização profissional e pessoal, têm que, necessariamente, produzir pensando nesse perfil de leitor?

– Para cada segmento há perfis específicos de leitores, com suas idiossincrasias próprias. O leitor hoje é o protagonista da cadeia editorial, é ele quem dita os lançamentos, as prioridades e apostas das casas editoriais, o posicionamento das obras nas livrarias, as feiras e festas literárias. O escritor deve conhecer – e muito bem – o perfil do leitor com quem pretende dialogar, mas daí a produzir pensando no leitor é outra história… Creio que o escritor precisa focar no seu texto, na sua pesquisa, na pertinência do seu projeto. O leitor é um farol, mas a navegação do curso do trabalho não será capitaneada por ele. É preciso ter muito cuidado com os anseios de “realização profissional e pessoal” – atribuir essa responsabilidade a terceiros, em vez de a você mesmo, me parece delicado.

Sala de Leitura

Quinta-feira, às 9h40, na Rádio CBN Juiz de Fora (AM 1010)

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

A Tribuna de Minas não se responsabiliza por este conteúdo e pelas informações sobre os produtos/serviços promovidos nesta publicação.

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade pelo seu conteúdo é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir postagens que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.



Leia também