Com o que se pode confundir um sorriso?

Por Wendell Guiducci

Ela voltou caminhando por entre as mesas com um andar um pouco duro, de quem ainda está se acostumando com o comprimento das próprias pernas, que não param de crescer. Há beleza num certo desengonçamento do balanço dos braços longos, o rosto de criança, como se faltasse ao tempo e ao espaço alguma noção de proporcionalidade.

Eu tomo uma cerveja, uma red ale que não vale tanto quanto cobram por ela.

Ela toma sorvete de creme com calda de chocolate e carolinas. Um balde daquilo. E toma com gosto.

Retornando do banheiro, sorvete indo pela metade, ela se senta e confidencia.

– Pai, é ruim quando a gente sorri para uma pessoa e ela só, tipo… – e faz uma cara blasé de quem pensa “estou cagando pro seu sorriso, menina”.

Aquilo me dói.

Penso com o que pode ser confundido um sorriso. Os lábios separados, os dentes à mostra… escárnio? A força do musculoso do circo levantando um peso impossível? O rosnar do cão acuado?

Esses pensamentos correm aos saltos pela minha mente em uma fração de segundo até que eu responda:

– É, filha, é muito ruim.

Levanto a mão e peço a conta enquanto vamos terminando um pouco apressadamente nossa cerveja e sorvete, sem sequer nos darmos conta do porquê daquela voracidade súbita.

Pago os R$ 48,80. Crédito, por favor. E, acuado, agradeço com um sorriso.

– Muito obrigado.

Mudo e autômato, o rapaz começa a retirar copo, talheres e guardanapos usados da mesa. Há um pouco de batom em um deles.

Na garrafa sobram dois dedos da cerveja.

Do sorvete, nada.

Profiteroles

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci

Wendell Guiducci é jornalista formado pela UFJF. Foi repórter e editor da Tribuna entre os anos 2000 e 2024. Hoje assina, como colaborador, a coluna de crônicas "Cronimétricas". É autor dos livros de minificções "Curto & osso" e "Suíte cemitério", e cantor da banda de rock Martiataka. Instagram: @delguiducci

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