Pais acreditam que inteligĂȘncia artificial pode ajudar no aprendizado dos filhos
Tecnologia estĂĄ dando vida a robĂŽs que andam e falam, aproximando-os do comportamento humano
Por Ludmilla Souza, repĂłrter da AgĂȘncia Brasil
Formada por nascidos a partir de 2010, a geração Alpha estĂĄ rodeada pela tecnologia e Ă© permanentemente impactada por ela. Para essas crianças, a inteligĂȘncia artificial (IA), aquela similar Ă humana, mas executada por dispositivos computacionais, deverĂĄ fazer parte de todos os aspectos de suas vidas. Ă o que revelou uma pesquisa do Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), sediado nos Estados Unidos, que abordou a opiniĂŁo dos pais que pertencem Ă geração Y, ou geração do milĂȘnio, formados pelos nascidos entre 1985 e 2000 e cujos filhos sĂŁo da geração Alpha. O estudo entrevistou 600 pais e mĂŁes, com idade entre 20 e 36 anos e pelo menos uma criança de 7 sete anos, no Brasil, China, JapĂŁo, Reino Unido, Ăndia e Estados Unidos.
De cuidados infantis, passando pela assistĂȘncia mĂ©dica atĂ© a adoção de animais de estimação, os pais da geração do milĂȘnio veem todas as fases da vida de seus filhos envolvidas por tecnologia de inteligĂȘncia artificial. O estudo tambĂ©m mostrou que a maioria dos pais de crianças da geração Alpha considera que um tutor de IA, como um robĂŽ, aumenta as expectativas de aprendizado mais rĂĄpido de seus filhos e poderĂĄ vir a auxiliĂĄ-los durante a terceira idade.
Os pequenos, porĂ©m ĂĄgeis dedos de Maria Luiza, de 3 anos, escolhendo os desenhos no tabletsĂŁo o exemplo dessa geração. A mĂŁe dela, a assessora de imprensa CĂntia Arten Rubio, de 32 anos, conta que a filha ganhou o aparelho quando tinha 1 ano. âEla nĂŁo falava ainda, mas sabia mexer nos vĂdeos do YouTube. A mĂŁe diz que nĂŁo substituiria uma babĂĄ por um robĂŽ, mas confessa que isso, de certa forma, jĂĄ acontece. âNĂŁo traria um robĂŽ para dentro de casa para cuidar dela, mas acho que alguns momentos eu substituo, hoje nĂŁo me vejo num restaurante sem estar com um celular carregado ou o tablet dela ao ladoâ, exemplifica.
De acordo com a pesquisa, a inteligĂȘncia artificial estĂĄ dando vida a robĂŽs que andam e falam, aproximando-os do comportamento humano, e 40% dos pais da geração Y dizem que provavelmente substituiriam uma babĂĄ humana por um robĂŽ-babĂĄ, ou ao menos usariam o robĂŽ para ajudar nos cuidados com as crianças.
MĂŁe de Maria Alice, de 7 anos, e de Ana Luiza, de 11, a funcionĂĄria pĂșblica Isabel AraĂșjo, de 34 anos, diz que nĂŁo substituiriam uma babĂĄ por um robĂŽ. âĂ importante a troca de afetividade, a criança precisa de atenção e se sentir protegida, acho que um robĂŽ nĂŁo faria nesse sentido nem o trabalho de uma babĂĄ, que tambĂ©m dĂĄ afetoâ, afirma. OpiniĂŁo semelhante tem a fonoaudiĂłloga Kely Caetano Benevenuto, de 36 anos, mĂŁe de Mateus, de 9. âNĂŁo trocaria, pois a criança precisa da parte afetiva tambĂ©m, nĂŁo sĂł dos cuidados bĂĄsicos.â
JĂĄ o jornalista Reginaldo Roriz, pai de Lara de 11 anos e de Alice, de 2, disse que admitiria a ajuda de um robĂŽ, mas nĂŁo a substituição. âDesde bebĂȘs desenvolvermos sentidos e sentimentos baseados na convivĂȘncia social, que sĂŁo peculiares ao comportamento humano. O auxĂlio de um robĂŽ poderia atĂ© ser admitido, a substituição, nĂŁo.â Diretor de uma empresa de tecnologia, Leonardo Souza, de 41 anos, pai de Isis, de 4, tambĂ©m aceitaria a ajuda de um robĂŽ-babĂĄ, mas nĂŁo cogitaria a substituição. âA ajuda da inteligĂȘncia artificial no nosso cotidiano jĂĄ Ă© presente, muitas vezes nĂŁo notada, mas nĂŁo acredito que jĂĄ tenha suficiĂȘncia para cuidar de uma vida.â
InteligĂȘncia artificial no processo de aprendizagem
Um tutor-robĂŽ ajudando nos estudos e na aprendizagem Ă© uma possibilidade vista com positividade pelos pais que responderam Ă pesquisa. Para 80% dos entrevistados, a IA aumenta a expectativa quanto Ă melhoria e maior rapidez de aprendizado de seus filhos. Os outros 20% tĂȘm expectativas iguais ou menores, segundo a pesquisa. O estudo ainda apontou que 74% dos pais do milĂȘnio considerariam um tutor de inteligĂȘncia artificial para seus filhos.
âComo Ă© uma tarefa mais tĂ©cnica, vai ajudar no desenvolvimento do pensamento, do raciocĂnio, e como seria por pouco tempo, nĂŁo teria problemaâ, avalia Kely Caetano Benevenuto. A consultora de vendas Ana ClĂĄudia Souza, de 28 anos, mĂŁe de Sarah, de 6, tambĂ©m consideraria um tutor-robĂŽ. âPensando pelo lado que hoje em dia as pessoas nĂŁo sĂŁo tĂŁo confiĂĄveis, eu consideraria. Para ajudar seria uma boa opção.â
JĂĄ CĂntia Arten Rubio nĂŁo aceitaria um tutor para ajudar sua filha. âNĂŁo aceitaria, a criança aprende por relacionamento e com robĂŽ nĂŁo existe relacionamento, existe programação.â O professor e jornalista Rodrigo Ratier, de 39 anos, pai de Luiza, de 2, tem o mesmo ponto de vista. âO robĂŽ teria que ter uma capacidade de interpretação muito fina, mesmo para entender o raciocĂnio infantil. Acho que o robĂŽ traria uma visĂŁo do erro que nĂŁo Ă© tĂŁo legal, nĂŁo quero que minha filha cresça achando que o erro Ă© sĂł uma coisa negativa, o erro Ă© construtivo.â
Segundo a IEE, atualmente estĂŁo em desenvolvimento brinquedos âinteligentesâ e aplicativos de inteligĂȘncia artificial que, no futuro, serĂŁo capazes de responder Ă linguagem humana e a comportamentos infantis especĂficos. Estes aparelhos tambĂ©m terĂŁo a capacidade de monitorar em tempo real e aprimorar o aprendizado de vocabulĂĄrio no futuro.
Entretenimento
Para manter a geração Alpha entretida, aplicativos, telas interativas e outros dispositivos estĂŁo sendo usados pelos pais do milĂȘnio. A pesquisa apontou que 64% dos pais dessas crianças alegam que inteligĂȘncia artificial e outras tecnologias permitem a eles mais tempo para fazer outras atividades, mas concordam que as tecnologias diminuĂram o tempo de qualidade com seus filhos. âPara quem trabalha fora, quem tem pouco tempo para fazer as tarefas de casa como eu, acaba autorizando isso para distrair a criança, porque hoje em dia vocĂȘ nĂŁo pode deixar uma criança brincar na rua como antigamenteâ, lamenta Ana ClĂĄudia Souza.
JĂĄ Kely Benevenuto, que mora em PiraĂșba (MG), uma cidade de 11 mil habitantes, afirma que a tecnologia nĂŁo atrapalhou o convĂvio com o filho. âComo a gente mora em cidade pequena, Ă© mais fĂĄcil, agora ele estĂĄ brincando na pracinha com os colegas. A Ășnica hora que ele usa meu celular para joguinhos Ă© quando estou em casa, mas isso sĂł acontece depois de brincar ao ar livre.â
Para Leonardo Souza, as telas podem ser usadas em conjunto, compartilhando tempo e qualidade . âSe utilizamos juntos, estamos compartilhando uma brincadeira, um jogo, um passatempo.â Ă o que pensa tambĂ©m CĂntia Arten Rubio. âHoje a gente senta para pintar na folha, mas tambĂ©m no celular, tem uns joguinhos que a gente se diverte junto e ainda lĂȘ historinha no tabletâ, pontua.
A educadora Bianca Cunha Cerri acredita que jogos e atividades podem de certa maneira auxiliar a criança a ter um raciocĂnio mais lĂłgico, mas ela precisa do contato com o mundo real. âNa nossa pedagogia, dentro da antroposofia, a criança aprende muito mais na relação com o seu par, da sua idade, do que num aplicativo.â Ela afirma que as crianças precisam de contato com o mundo. âEles estĂŁo muito mais ligados Ă natureza, aprendem mais em contato com o que Ă© real, com o que Ă© verdadeiroâ, defende Bianca, que Ă© professora do ensino fundamental bĂĄsico na Escola Associativa Waldorf Veredas, em Campinas (SP).
RobÎ de estimação
O surgimento de robĂŽs de estimação que podem identificar, cumprimentar e divertir a famĂlia, alĂ©m de obedecer a comandos, Ă© um dos campos de desenvolvimento da inteligĂȘncia artificial. De acordo com a pesquisa, 48% dos pais do milĂȘnio dizem que provavelmente trocariam um animal de estimação por um robĂŽ, caso fosse este o desejo de seus filhos.
âAcharia bom porque pelo menos nĂŁo deve fazer sujeira nĂ©?â, brinca Kely Caetano Benevenuto. Mas outros pais ouvidos pela reportagem nĂŁo trocariam seu cĂŁozinho por um bichinho eletrĂŽnico. âNĂŁo trocaria porque ele Ă© o Ășnico ser que, se eu tiver um dia ruim, quando chego em casa vem me cumprimentar todo feliz. Um animal robĂŽ nĂŁo teria esse mesmo carinho porque nĂŁo tem sentimento, Ă© programado para fazer aquilo.â
âO tratamento do cachorrinho que a gente tem em casa Ă© outro, minhas filhas tĂȘm preocupação com ele, diferente do bichinho virtual. Vai chegar um momento em que elas deixam ele de lado, nĂŁo Ă© o mesmo carinho e atençãoâ, diz Isabel AraĂșjo.
A semelhança com um brinquedo tambĂ©m Ă© lembrada. âAtĂ© poderia dar um [robĂŽ de estimação], mas sempre com o trabalho de falar que nĂŁo Ă© de verdade, trataria mais como um brinquedo do que como um animal de estimação mesmoâ, afirma Rodrigo Ratier.
Especialistas acreditam que a engenharia estĂĄ conduzindo a um vasto campo de atividades com potencial de mudar o mundo: exploração espacial, uso de drones, informĂĄtica, saĂșde, medicina, biologia, tecnologia de veĂculos e eletrĂŽnicos de consumo sĂŁo somente alguns dos exemplos. Esse alcance de tecnologias que mudam o mundo faz com que os pais do milĂȘnio encorajarem as crianças da geração Alpha a seguir uma carreira na ĂĄrea.
A pesquisa mostrou que 74% dizem que encorajarĂŁo seus filhos a considerar uma carreira em engenharia (incluindo os 38% que encorajarĂŁo fortemente) tendo em vista as atividades que mudam o mundo neste campo. âNaturalmente vai existir um viĂ©s forte na ĂĄrea de tecnologia, atĂ© porque a tecnologia Ă© um ponto muito forte de agregação entre as diversas ĂĄreasâ, acredita o professor Edson Prestes, doutor em ciĂȘncia da computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro sĂȘnior do IEEE.
RobĂŽs para a terceira idade
Embora a ideia de uma babĂĄ-robĂŽ ainda nĂŁo seja bem aceita entre os pais, eles confessam que aceitariam um cuidador tecnolĂłgico quando estiverem idosos. Segundo a IEEE, a inteligĂȘncia artificial vai potencializar os aparelhos âinteligentesâ dos lares. Desde dispositivos de monitoramento e assistĂȘncia, como andadores inteligentes, atĂ© robĂŽs que auxiliem com tarefas cotidianas. Cerca de dois terços dos pais (63 %) preferem ter tecnologias de IA ajudando-os a viver de forma independente na velhice, enquanto apenas 37% optam por confiar em seus prĂłprios filhos, revela o estudo.
Ă o que pensa Leonardo Souza. âConfio nos filhos, com certeza. Ainda estamos absorvendo as maravilhas da tecnologia, mas muitos recursos criam novos problemas como isolamento social e a sĂndrome da desconexĂŁo.â JĂĄ Isabel AraĂșjo pensa que como os robĂŽs poderiam poupar as filhas. âA gente tem sempre a intenção de nĂŁo dar trabalho aos filhos, entĂŁo, nesse sentido de poupĂĄ-las de ter algum trabalho comigo, eu usaria um robĂŽ, mas nĂŁo dispensaria a atenção delas.â
âEsses dispositivos robĂłticos podem trazer inĂșmeros benefĂcios nas tarefas cotidianas para os idosos que desejam continuar morando sozinhosâ, destaca o professor Edson Prestes. âUma casa inteligente pode fazer o monitoramento para ver se nĂŁo aconteceu nenhum tipo de acidente, pode identificar e enviar uma mensagem para os responsĂĄveisâ, exemplifica.
Mas ele defende que o contato com o ser humano Ă© fundamental. âSe esse contato for substituĂdo por um robĂŽ, certamente toda aquela riqueza de interação tambĂ©m nĂŁo existirĂĄ. HĂĄ estudos que mostram que o processo de demĂȘncia nos idosos Ă© acelerado pela falta de interação com humanosâ, adverte.