O terror que não se vê
Em uma Juiz de Fora aparentemente deserta (abandonada? desabitada?), homem (um mendigo, andarilho?) desperta em um carro e passa a andar pelas ruas da cidade, esgueirando-se, procurando por comida, fugindo de algo que não sabemos o que é. Realidade, delírio, apocalipse? Ou um pouco de cada? Estas são apenas algumas das questões que podem ser respondidas – ou não – após os sete minutos de “Ninguém”, curta-metragem do diretor Rodrigo Brandão que integra a coletânea de curtas “13 histórias estranhas 2”, reunindo produções de cineastas independentes de todo o país e que terá sua estreia em maio, durante a 13ª edição do Fantaspoa, um dos principais festivais de cinema fantástico do Brasil. No total, mais de cem filmes serão exibidos no evento, que acontece entre 13 de maio e 1º de junho em Porto Alegre.

Esta é a primeira produção assinada por Rodrigo desde 2013, ano em que dirigiu “A maleta”, premiado no Festival Primeiro Plano – e que tem ainda um curta filmado em 2014 (“1996”), aguardando por finalização. Segundo ele, “Ninguém” surgiu de um convite feito no ano passado por um dos produtores de “13 histórias estranhas 2”, Ricardo Ghiorzi. “Eu já conhecia o outro produtor, o Felipe Guerra, de festivais do gênero em que participei. Eles já tinham produzido o ’13 histórias estranhas’ em 2015 apenas com cineastas do Sul, e desta vez a ideia era convidar diretores de todo o Brasil. E foi muito legal lembrarem do meu nome depois de tanto tempo, ainda mais porque sou apenas o único mineiro a contribuir com o projeto”, comemora.
Ainda de acordo com o cineasta de Santos Dumont, o convite foi feito no início de 2016, e todo o projeto de “Ninguém” partiu do zero, tendo que desenvolver roteiro, encontrar locações e atores. As cenas, filmadas em Juiz de Fora e na terra natal de Rodrigo Brandão, foram feitas entre janeiro e fevereiro deste ano, num esquema totalmente independente. “Os retornos artístico e financeiro, se vierem, serão com a participação em festivais como o Fantaspoa, eventuais premiações e a venda do filme”, explica. “Quero ir até Porto Alegre para vivenciar esse degrau a mais, pois a produção será lançada numa sessão especial. Estou muito animado para saber até onde ele pode chegar.”
Buscando o ‘vazio’ em uma cidade que não para
Para conseguir o clima de cidade vazia, abandonada, a maioria das cenas foi filmada após os horários de pico do trânsito, como num sábado à tarde, e também em locações de estruturas abandonadas, caso de um clube em Santos Dumont. “Era complicado. Procuramos, geralmente, ângulos que criassem a ideia de vazio, pois não havia como fazer a cidade parar. A cena filmada no mergulhão da Avenida Barão do Rio Branco, por exemplo, conseguíamos registrar o personagem sem pessoas caminhando pela calçada, mas os carros e ônibus foram tirados na pós-produção”, relata.
O resultado é um curta que, mesmo tendo breves sete minutos, consegue contar uma história com dinâmica que raramente se vê em produções dessa duração, ainda mais dentro do gênero fantástico/terror/suspense. O personagem principal, interpretado por Ivan Cunha (“ele não é ator, mas sempre teve essa vontade de trabalharmos juntos, tanto que ficou meses sem cortar o cabelo e a barba”), é um misto de andarilho/mendigo que desperta no interior de um carro e sai vagando pela cidade, sem encontrar viv’alma. Ao mesmo tempo, parece temer ser perseguido por algo que nunca é mostrado pela câmera, o que cria a dúvida se estamos diante do mundo real ou do delírio do personagem, até a história seguir um rumo surpreendente que deixa um final em aberto, com mais perguntas que respostas.
“O curta tem inúmeras interpretações a partir da sua ideia original, que era começar revisitando esse imaginário dos filmes do gênero, como o cara que acorda sem saber o que aconteceu com o mundo até chegar a um ponto de virada. Você pode imaginar, por exemplo, que o que existe ali são dois mundos diferentes, em que um exclui o outro, ou mesmo que o protagonista vive num mundo à parte, não enxergando a realidade da mesma forma que nós e por isso trafega em lugares vazios”, diz o diretor. “Gosto dessa ideia de silêncio, solidão, e sempre volto a elas.”
Fã da escola de terror

Fã de cineastas como John Carpenter (“O enigma do outro mundo”, “Halloween”), Rodrigo Brandão tem no currículo outros três curtas: além de “A maleta”, ele dirigiu o faroeste “Um de nós morre hoje” e foi o codiretor do terror de zumbis “Era dos mortos”, de 2007, gravado “com uma câmera caseira, defeituosa”, que remete ao mesmo clima de cidade abandonada de “Ninguém”. “Gosto mais de filmes de terror como eram feitos antigamente. Hoje o objetivo é apenas dar susto na plateia, e eu gosto da criação dos climas, do desenvolvimento dos personagens”, aponta o cineasta, que elogia, dos nomes atuais, o diretor Robert Eggers, de “A bruxa”.
O convite para a realização do novo curta fez com que Rodrigo, que trabalha como analista de sistemas, recuperasse o gás para voltar à labuta cinematográfica. “Tenho objetivo de finalizar até o meio do ano o ‘1996’, um terror na linha found footage (filmes perdidos) de ‘A Bruxa de Blair’, tanto que foi gravado em VHS. E tenho mais quatro roteiros em desenvolvimento, verei agora qual deles será o próximo projeto.”