Comunidades pagam para ter segurança nas ruas
A contratação de seguranças particulares para vigiar as ruas de Juiz de Fora tem sido uma opção crescente, diante do medo da população. Em geral, moradores têm se cotizado para pagar pela vigilância privada mensalmente. É o que acontece no Bairro Santo Antônio, na Zona Sudeste, onde moradores têm pago entre R$ 10 e R$ 20 para que quatro motocicletas façam o patrulhamento das ruas durante a noite. A mesma situação já foi adotada por moradores dos bairros Jardim Laranjeiras e Jardim Liu, na região Sul, onde arrombamentos contra apartamentos têm deixado a vizinhança preocupada. A existência de vários terrenos abandonados na área, muitos sem cerca e tomados pelo mato alto, seriam usados como esconderijo pelos arrombadores. Esse tipo de prática de contratação de vigias para as áreas públicas, que começa a ficar evidente no município, é comum em grande centros, como São Paulo e Rio de Janeiro. Nestas cidades, a população lança mão da contratação de empresas especializadas em vigilância ou até mesmo de profissionais autônomos. Especialistas alertam para o risco da medida, diante da seriedade de lidar com crimes e com a própria vida. Apesar disso, as comunidades parecem se sentir momentaneamente mais protegidas.
Um morador, de 37 anos, alega que os casos de criminalidade no Jardim Laranjeiras não são um fenômeno atual. Conforme ele, que trabalha no ramo imobiliário e cujo apartamento já foi alvo de ladrões, a solução encontrada foi apostar na segurança privada. “Sempre estamos lidando com este tipo de ocorrência e tivemos que nos unir para contratar seguranças. Primeiro, nos juntamos em noves pessoas para contratar quatro seguranças para o Réveillon. Um ficou na mata que dá acesso à Rua Pétala Misteriosa no Estrela Sul, que serve de rota de fuga. Outro, na companhia de um cão, na Rua Oscavo Gonzaga Prata, e dois responsáveis por circular pelas ruas. Tivemos um resultado de 100%, porque não foi registrada nenhuma ocorrência como tinha acontecido no Natal. A ideia foi tão acertada que, quando fomos pagar o serviço, outros 85 moradores quiseram ratear. Ficou um custo pequeno para cada um e repetimos a empreitada durante o carnaval”, afirmou, acrescentando que a contratação irá ocorrer em mais oportunidades.
Um advogado, 49, morador da Rua Nair Furtado Souza, participou do rateio para o pagamento da equipe de seguranças. Segundo ele, a medida foi válida. “Espero que seja adotada mais vezes, pois o posto policial que funciona perto daqui não conta com efetivo o tempo todo. Segurança é direito que temos assegurado pela Constituição, mas o Estado não consegue que ela esteja em todos os lugares. Então, se é possível contratar, vejo como fundamental a adoção desse tipo de atitude”, observou o morador, que teve dois celulares e dois notebooks levados de seu apartamento depois que o imóvel foi arrombado.
Outra região
Residente do Bairro Santo Antônio, uma universitária, 25, contou que se sentia insegura ao chegar em casa depois da aula. “Chego muito tarde e sempre sentia medo de andar do ponto de ônibus até minha casa. Com as motos rondando as ruas, sinto mais segurança”, disse a estudante. Um policial militar, ouvido pela Tribuna, que não terá seu nome identificado, confirmou que, entre os militares, a medida adotada pelos moradores é conhecida. Ele ainda ressalta que, no Bairro Amazônia, na Zona Norte, a presença de vigias contratados é comum. Tais profissionais, segundo o policial, percorrem de moto as ruas durante a madrugada, emitindo sons de apito, como forma de afugentar os criminosos. “Além de proibida por lei, a medida é considerada sem eficácia, porque os sons acabam alertando os bandidos da chegada do tal ‘segurança'”, enfatizou o policial.
Projeto Rede de Vizinhos da PM é uma alternativa

Comandante da 32ª Companhia da Polícia Militar, capitão Marcos Vinícius Castro, afirma que a contratação de vigias para as ruas é uma forma equivocada de encarar a segurança pública, tendo em vista que essa atividade é considerada ilegal. “Há casos em que esses vigilantes agem de forma ostensiva, com caracterização e até uso de farda. Isso é proibido, pois é usurpação de função pública, que cabe à Polícia Militar. A segurança privada deve acontecer intramuro, num condomínio por exemplo, que é autorizada. Se alguém morre numa situação dessa, quem é o contratante que irá assumir essa responsabilidade se cada um deu certa quantia em dinheiro para pagar pelo serviço. É preciso também saber se o contratado tem habilidade para tal função, pois é uma atividade que traz risco para a pessoa que alega que faz a segurança e para qualquer cidadão. A PM para trabalhar conta com serviço de inteligência, com identificação de criminosos, ações de abordagens, prende, conduz, cumpre mandado, tem todo um trabalho que desenvolve na área de segurança pública, o que mostra toda a especificidade desse trabalho”, alerta o militar.
O capitão orienta que, no lugar da contratação de vigias para as ruas, a população deve adotar o projeto “Rede de Vizinhos Protegidos”, desenvolvido pela Polícia Militar. “A rede traz resultado. Em comunidades em Belo Horizonte, por exemplo, os índices foram reduzidos a zero, além disso, nada é cobrado da população”, observa o comandante, acrescentando que há certa resistência por parte da população em adotar a rede e que a PM vem trabalhando para driblá-la. Sobre os bairros Jardim Laranjeiras e Jardim Liu, que estão na área de atuação da 32ª Companhia, o capitão afirma que reuniões já foram realizadas com os moradores, nas quais foi apresentada a proposta de adoção do projeto da corporação. Ele ainda destaca que não houve registros de crimes violentos nesses bairros. “No Boa Vista, por exemplo, há uma experiência positiva, onde os residentes realizam um apitaço. “O criminoso que pratica arrombamento não quer ser visto de forma alguma, pois sua atividade acontece quando ninguém vê. Ele estuda a situação, a rotina do local, as condições. Então, quando ele é visto, e todo mundo apita, ele desaparece.”
Aumento da criminalidade alavanca contratação de segurança privada
Pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da USP, o doutor de ciência política André Zanetic observou que a contratação de segurança privada é consequência do aumento da criminalidade que, de forma geral, instalou-se pelo Brasil nos últimos dez anos. “Vimos o crescimento dos crimes patrimoniais, que são os que causam grande insegurança à população. Porém, é preciso ressaltar que a contratação de vigilância privada é totalmente irregular, pois nenhuma empresa pode exercer o patrulhamento de locais públicos, a não ser que seja em ocasiões específicas, como num evento, e de acordo com as autoridades públicas”, alertou Zanetic. Segundo ele, essa realidade é comum em São Paulo e, apesar de ser denunciada, continua acontecendo. “Essa prática é constante e se alavanca cada vez mais quando há aumento de crimes. É reflexo do medo da população, mas temos que levar em conta que, às vezes, o medo não tem tanta relação com a realidade, pois há momentos em que a criminalidade não está subindo, mas a população tem medo, que é gerado pela forma como determinada notícia é construída ou pela existência de um crime muito grave. Isso é natural acontecer, causando um impacto grande”, pontua o pesquisador.
Ele lembra que existe uma fragilidade no controle desse tipo de serviço, que abre brecha para atividades irregulares nos logradouros públicos. “É bom salientar que, quando algo foge do controle dessa vigilância privada, a polícia deverá ser chamada. No caso de vigilância clandestina, a polícia também será acionada até porque há a prática do “bico” e, muitas vezes, tem policiais envolvidos. No caso de um acontecimento grave envolvendo terceiros, essas empresa e até mesmo o contratante deverão ser responsabilizados. Se tudo ocorre na clandestinidade, todo esse processo será muito mais complexo”, adverte.