Juiz-foranos cortam serviços essenciais


Por Gracielle Nocelli 

02/04/2017 às 07h00

Quando a crise econômica chega, o consumidor é obrigado a reorganizar os gastos para fazer as contas caberem no orçamento. Os primeiros reajustes ocorrem no setor de serviços com o corte de despesas consideradas supérfluas. Porém, diante de um cenário nacional sem perspectivas de melhora, os juiz-foranos têm economizado até mesmo com serviços chamados essenciais, como é o caso de saúde, água e energia elétrica. O número de beneficiários de planos de saúde na cidade diminuiu gradativamente. Entre 2014 e 2016, foram mais de oito mil contratos encerrados, conforme dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). No mesmo período, a Cemig observou queda de 6,1% no consumo médio mensal de energia elétrica. O uso de água também foi menor em 2014 e 2015, período da crise hídrica, e se manteve em patamar mais baixo ao longo do ano passado, segundo dados da Cesama (ver quadro).

Na avaliação do economista da Confederação Nacional de Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fábio Bentes, o corte de serviços essenciais “é o retrato mais dramático” do período de crise. “A recessão provoca um arranjo nos gastos do consumidor, que impacta diretamente o setor de serviços. A tendência é o corte daquilo que é considerado supérfluo, como hospedagem, alimentação fora de casa e as idas aos salões de cabeleireiro, por exemplo. A redução de serviços essenciais mostra o quanto o consumidor está se sacrificando, pois não há substitutos para saúde, energia e água.”

Após experimentar um crescimento de 8% do número de usuários dos planos de saúde, que passou de 200.640 para 216.766 entre 2010 e 2013, Juiz de Fora passou por uma redução gradativa neste segmento. Desde então, mais de oito mil contratos foram encerrados, o que fez o total de beneficiários chegar a 208.542 em dezembro do ano passado. O comportamento do consumidor segue a realidade do país. De acordo com a Federação Nacional da Saúde (FenaSaúde), a deterioração no mercado de trabalho e a queda do rendimento das famílias e empresas afetaram negativamente o desempenho do setor de saúde suplementar. Ao longo de 2016, só na região Sudeste, as operadoras perderam mais de um milhão de usuários. Em Minas Gerais, o número passou de 200 mil clientes.

A presidente da FenaSaúde, Solange Beatriz Mendes, avalia os impactos. “A crise e o desemprego geram redução no orçamento do consumidor, mas a saúde tende a ser mais resiliente porque a pessoa abre mão, primeiro, de outros serviços e mantém a assistência privada até quando for possível. O cenário econômico também pesa para o empregador, já que o plano de saúde onera.”

Cai consumo de água e luz

Os dados da Cemig mostram que a média mensal do consumo residencial de energia elétrica do juiz-forano era de 146 quilowatts-hora (kWh) em 2014, número que foi reduzido para 138 kWh em 2015, e 137 kWh no ano passado. A assessoria da companhia não comentou se esta redução está associada ao cenário econômico e destacou apenas que “o valor da tarifa é definido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).”

O consumo de água também foi reduzido, apesar do aumento de consumidores. Em 2014, o número de ligações de água cresceu 3%, enquanto o uso diminuiu 0,9%. No ano seguinte, houve aumento de 2,4% dos usuários e uma queda mais acentuada do consumo, que chegou a 5,7%. No ano passado, a variação do total de ligações também foi positiva em 2,4%, e o uso da água aumentou apenas 1,6%. Na avaliação da Cesama, a queda no consumo de água pode estar associada ao trabalho de conscientização feito durante a crise hídrica, assim como, ao cenário de crise.

“Historicamente, sempre houve aumento no consumo de um ano para outro, como resultado do crescimento vegetativo da cidade. Em 2014 e 2015, apesar do maior número de ligações de água, houve queda no consumo, devido ao rodízio no abastecimento, em virtude da crise hídrica”, explicou. “O rodízio foi suspenso em janeiro de 2016, ano em que o consumo voltou a subir, mas não retornou aos patamares anteriores. Esta variação é atribuída ao comportamento da população devido à crise hídrica, que respondeu às campanhas de conscientização. Não se pode desconsiderar o componente econômico no atual padrão de consumo, porém, é difícil mensurar ou mesmo estimar quais são os impactos dos componentes ‘conscientização’ e ‘crise econômica’. ”

No papel
Assistente administrativo em uma empresa há sete anos, R.L., que preferiu não se identificar, conta que desde 2015 tem colocado as contas no papel para fazer a renda cobrir os gastos. “A sensação é que tudo encareceu, e o salário não acompanhou. Quando comecei a trabalhar na empresa, em 2010, tinha outro padrão de vida. Além dos custos fixos com aluguel e despesas da casa, pagava minha pós-graduação, fazia pilates, frequentava o salão de cabeleireiro e ainda sobrava um dinheiro para ir ao cinema ou comer fora nos fins de semana.” Segundo ela, há dois anos a situação mudou. “O dinheiro que era gasto com a pós foi redirecionado para outras contas, pois aluguel, supermercado e luz aumentaram. No início, a solução foi cortar o que era extra, mas depois foi necessário reduzir até o que era essencial.”

Ela relata que diminuir o lazer nos fins de semana e as idas aos salões de cabeleireiro não foi suficiente. “No ano passado, parei com o pilates, que, no meu caso, era um tratamento de saúde. A empresa me oferece os planos médico e odontológico, mas uso somente quando necessário para evitar os descontos. Antes, eu fazia check ups no início de cada ano.” Com relação aos gastos com água e luz, ela conta que passou a controlá-los. “Evito banhos demorados, e, no verão, o chuveiro fica a maior parte do tempo desligado para compensar o uso do ventilador.”

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