Impressões digitais


Por Nathália Meneghine

12/01/2017 às 08h37

Entre lembranças e esquecimentos, tecemos nossa vida e construímos nossa história. As marcas, inevitavelmente deixadas em nossa subjetividade, denunciam os rumos que escolhemos seguir. Escolhas são como impressões digitais: únicas e intransferíveis.

Nossas memórias são conquistas dessa caminhada, sobre as quais não há unanimidade de seu valor, de seu lugar. Memórias contam a nossa história, e, ao que parece, a legitimidade que atribuímos – ou não – ao caminho percorrido justifica anunciar ou esconder.

Há quem se constrói na honestidade, na solidariedade, no submetimento ao próprio desejo e verdade, na luta pela dignidade da fartura para todos e por alguns princípios como inegociáveis e na alegria, apesar de toda a inconstância da vida.

E há quem se constrói na ilegitimidade, na esperteza, na indiferença social, acorrentado à mosca azul e infiel a si mesmo. Negociando tudo de si, de tanto furtar-se, acaba calado, sem história que possa contar, alienado de si.

Eduardo Galeano, escritor uruguaio, nos fala do peso de saber de si quando, sob o título de “A desmemória”, nos conta que, lendo um romance de Louise Erdrich, a certa altura, um bisavô encontra seu bisneto. O bisavô está completamente desmemoriado e sorri com o mesmo sorriso de seu bisneto recém-nascido. O bisavô, observa Galeano, é feliz porque perdeu a memória que tinha. O bisneto é feliz porque não tem, ainda, memória alguma. E conclui, corajosamente, o escritor: “Eis aqui, penso, a felicidade perfeita. Não a quero”.
Assim como as escolhas, nossas memórias são impressões digitais, que nos identificam, nos convocam e transmitem ao outro quem verdadeiramente somos. Estão entranhadas em nós e cabe a nós decidir entre negá-las ou honrá-las.

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