Uma longa viagem a dois

Dentre os diversos elementos que fazem da ficção científica o que ela é, dois estão presentes em “Passageiros”, longa que estreia nesta quinta-feira nos cinemas da cidade: a tecnologia que – inicialmente criada para facilitar e criar conforto – torna-se um perigo para o homem e o profundo sentimento de solidão daqueles que estão no espaço sideral sem viv’alma para oferecer companhia. É a partir dessa base que Jon Spaihts escreveu o roteiro do longa, que passou um bom tempo na “Black List” de Hollywood (a lista anual de melhores roteiros que não foram produzidos pelos estúdios) antes de chegar à tela grande pelas mãos do norueguês Morten Tyldum (“O jogo da imitação”) e estrelado por dois dos nomes mais badalados do cinema na atualidade, Chris Pratt e Jennifer Lawrence.
“Passageiros” é um filme em três atos que tem como cenário uma gigantesca nave espacial que leva cinco mil humanos para colonizarem um planeta distante. Como esse planeta fica muito, mas muito longe mesmo, a viagem terá uma duração nada desprezível: 120 anos. Por isso, eles são colocados em estado de hibernação para serem despertados apenas nas proximidades desse novo mundo, com a nave funcionando de forma automática. Mas como nada é perfeito, uma falha no funcionamento desperta antes da hora o mecânico Jim Preston (Pratt). E não é pouca coisa: ele saiu da hibernação 30 anos após o início da jornada, o que quer dizer que ele passará os próximos 90 anos sozinho – ou o tempo em que continuar vivo antes de envelhecer e ir comer grama espacial pela raiz.
No início, ele tem apenas a companhia do robô Arthur (Michael Sheen), que faz as vezes de garçom e alívio sarcástico e irônico. Só que a solidão começa a pesar no peito, e Jim toma a decisão nada ética (bem egoísta mesmo, convenhamos) de despertar outra tripulante, Aurora Lane (Lawrence). Ao invés de aprofundar as questões éticas do que o rapaz fez neste segundo ato, o filme parte para transformar a interação entre o casal no início de uma história de amor, com direito a encontros, declarações fofinhas e coisas do tipo.
O longa de Tyldum, porém, parece se perder no arco final, quando um novo personagem (Laurence Fishburne) aparece e o casal descobre que a espaçonave corre o risco de não chegar ao seu destino final, sob risco de destruição iminente que mataria todos os tripulantes a bordo. A partir daí, vem a desconfiança se Jim foi acordado por acaso e uma sequência de cenas de ação repletas de momentos em que tudo parece perdido, frases clichês (do tipo “Não poderia viver sem você”), atitudes altruístas e outros lugares-comuns que têm dividido a crítica a respeito de um filme que não decide se é ficção científica das boas, romance escancarado ou ação descerebrada.