A liberdade em xeque


Por Tribuna

27/11/2016 às 07h00

Ulisses C. Sagioro

advogado

A nossa Constituição Federal, promulgada festivamente em 1988, afirma ser a República Federativa do Brasil um Estado Democrático de Direito, definindo a liberdade como uma garantia fundamental dos cidadãos. Naturalmente, não se trata de uma garantia individual com caráter absoluto. Há limitações, e estas restrições são estabelecidas pela lei, como bem recomenda o ordenamento jurídico. Assim, este breve raciocínio nos autoriza a concluir ser a liberdade a regra, e o encarceramento, a exceção, como pacificamente recomenda também a doutrina.

Mas vivemos tempos preocupantes, assustadores. Por cautela, penso ser importante registrar o seguinte: punir é civilizatório. Porém a sanção, quando necessária, deve ser fundamentada e posterior ao processo, cujo rito, não coincidentemente, também deverá estar previamente fixado em lei, com clareza, estreme de dúvidas. Assim, a liturgia do processo precisa ser observada de forma a se resguardar a qualidade da prestação jurisdicional pretendida por todos nós. Outra alternativa é a barbárie, a vingança privada, o retrocesso.

O mesmo ocorre com a banalização das prisões cautelares, a decretação e a perpetuação imotivada das prisões preventivas, a contribuir com o aumento vertiginoso da população carcerária, agravando ainda mais a realidade degradante do nosso sistema penitenciário. Existe um figurino legal a estabelecer os parâmetros para a decretação de uma prisão provisória. Jamais deverá ser concebida como antecipação da pena, em nenhuma hipótese deverá ser fixada em sintonia com as expectativas da mídia, da opinião pública ou, o que me parece ainda mais grave, as moralizantes opiniões pessoais do magistrado.

Ora, se as opiniões do julgador passarem a ter mais eficácia jurídica do que as leis vigentes, indago, qual o nosso futuro? Onde está a segurança jurídica? Quem irá balizar as decisões do Poder Judiciário? Inegavelmente, as virtudes também demandam limites, e parece-me absolutamente certo que, em tempos de crise, mais do que voluntarismos e protagonismos, o melhor remédio a ser prescrito é a Constituição, sendo oportuna ainda a lição do jurista italiano Carnelutti, que, no século passado, já afirmava: “O nosso comportamento frente aos condenados é a indicação mais segura de nossa civilidade”.

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