Quando as roupas eram telas


Por MAURO MORAIS

13/11/2014 às 07h00

A autora Maria Claudia Bonadio é formada pela Unicamp e leciona no IAD/UFJF desde o ano passado

A autora Maria Claudia Bonadio é formada pela Unicamp e leciona no IAD/UFJF desde o ano passado

Houve um tempo em que os desfiles de moda eram grandes festas, com os maiores nomes da música brasileira e peças feitas com a colaboração de grandes artistas plásticos nacionais. Esse tempo poderia, muito bem, ser hoje. Mas foi 1960, década que começava a desenhar o que temos hoje no agigantado e complexo universo da moda no Brasil. Em “Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960” (editora nVersos, 292 páginas), cujo lançamento nacional acontece nesta quinta, às 18h, na Livraria Leitura, a professora de história da moda do Instituto de Artes e Design da UFJF se atém aos primórdios nem tão distantes, porém absolutamente criativos. “A moda brasileira basicamente imitava o que vinha de fora. Mesmo os costureiros que começaram a surgir nesse período, como o Denner e o Guilherme Guimarães, trabalhavam fazendo uma moda de luxo, com qualidade internacional, mas sem fugir da estética vinda de fora”, aponta a pesquisadora. “Era preciso agregar algum prestígio a essa moda produzida aqui”, completa.

E quem jogou as luzes para a singularidade que poderia haver nas roupas das bandas de cá foi um italiano, responsável pela área de marketing de uma multinacional produtora de fios. “O Livio Rangan, que era o diretor de publicidade da Rhodia nesse período, encabeçando toda essa história, convidou artistas plásticos brasileiros ou que viviam por aqui para estampar alguns vestidos. Volpi, Aldemir Martins, Fernando Lemos, Djanira fizeram estampas. Aproximadamente 80 artistas fizeram esse trabalho para a Rhodia, dos concretistas aos que lidavam com figuração. Esses vestidos eram mostrados nos desfiles, nas publicidades em revistas, mas não eram vendidos, porque a ideia era agregar status de arte e qualidade à moda feita no Brasil”, conta Maria Claudia, que em seu trabalho de investigações deparou-se com publicações, entrevistas, fotografias e diversas e belas peças publicitárias, as quais expõe no livro, fartamente ilustrado.

Iniciada no doutorado e perseguida ao longo da última década, a pesquisa da professora chama atenção para uma fase de parcerias não só com o mundo dos quadros, mas também com os sons e a estética que a música impunha ao país. “Acontecia no Brasil, na década de 1960, os chamados shows da Rhodia, que eram desfiles na Fenit (Feira Nacional da Indústria Têxtil) apresentando não só as roupas. Em 1968, por exemplo, o nome do desfile foi ‘Momento 68’, e Caetano Veloso e Gilberto Gil participaram, com os quadros todos focados na Tropicália. No ano seguinte, foi a Gal Costa. Eles apresentavam uma sequência de seis peças de roupa, e, logo em seguida, havia um número musical. Os Mutantes e a Nara Leão também participaram”, ressalta. “Em 1968, ele também convidou artistas mais escultores para fazer vestidos em metal, trazendo um pouco do conceito que o Paco Rabanne estava desenvolvendo. Entrevistei algumas modelos, e elas disseram que era horrível de vestir, que não viam a hora de os desfiles acabarem”, acrescenta. Eram peças conceituais, ainda que “perfeitamente vestíveis”.

Alta-costura brasileira

Enquanto a grife Farm lança sua segunda coleção em parceria com a esportiva Adidas exaltando imagens nacionais, como a arara, o abacaxi e folhas tropicais, em fotografias feitas no Sítio Roberto Burle Marx, “Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960” mostra que tudo isso teve um antecedente bastante semelhante, há cerca de meio século. “O Livio Rangan, até por ser um italiano, olha para as peculiaridades do Brasil, que vão ao encontro de um nacionalismo propagado pelo governo de Getúlio Vargas e pelas revistas ‘O Cruzeiro’ e ‘Manchete’, e o leva para a roupa. Ele fotografava coleções de moda em Foz do Iguaçu, na Amazônia, na Bahia, mostrando o país. Em 1964, ele fez uma coleção chamada ‘Alta-costura brasileira’, fotografando em Ouro Preto, mostrando esse patrimônio”, pontua Maria Claudia Bonadio.

“Visualmente, isso é muito bonito, mas é um clichê, e talvez quem tenha começado a popularizar essas coleções foram as peças da Rhodia”, diz. Naquele tempo, apesar de ser uma grande novidade no país, a iniciativa encontrava dificuldades. “Ao contrário do que acontece hoje, que temos tecidos sintéticos de toque agradável e frescos, naquele período tudo isso era muito quente. Era muito difícil trocar o algodão por aquele material novo. Livio Rangan trouxe os artistas estampando as roupas para mostrar a potencialidade que esse tecido tinha”, conta a pesquisadora. “Uma indústria que fabrica o fio, em tese, não lança coleção, mas o Rangan convidou artistas e designers para fazer grandes coleções, e a primeira delas foi a Coleção Café. A ideia era associar a qualidade do café brasileiro, que já era internacionalmente conhecido, dizendo que em termos de moda também chegaríamos lá. Costureiros internacionais criaram peças para essa coleção, toda fotografada em Paris, que era a grande capital da moda”, completa. A moda, lá atrás, já sabia que uma roupa pode muito bem servir como um quadro na parede.

“MODA E PUBLICIDADE NO BRASIL NOS ANOS 1960”

de Maria Claudia Bonadio

Lançamento nesta quinta, às 18h

Livraria Leitura

(Av. Rio Branco 2.161 – Centro)

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