O agito das urnas


Por Tribuna

14/10/2016 às 07h00- Atualizada 14/10/2016 às 07h55

Votar na eleição passada foi um exercício difícil. Depois do impeachment, com que o Congresso Nacional pisoteou o voto da maioria, a primeira atitude que pensei tomar foi não comparecer ou ir a uma agência dos Correios, em Matias Barbosa ou Santos Dumont, por exemplo, e justificar. Isso para não arcar com o não comparecimento puro e simples, visto que somaria, desta maneira, ao desrespeito de deputados e senadores, alguma sanção legal, o que seria arrematada burrice de minha parte.

Estaria, também, abrindo caminho para quem desdenha da política e quer justamente que aqueles que exercitam alguma crítica se afastem. E é a hora de redobrada atenção, para que o desânimo não aliene além da conta. O ocorrido na eleição, no meu entender, não deixa dúvida, a decepção é grande.

O deputado Júlio Delgado publicou importante artigo (“O Grito das Urnas”, 9/10/16) nesse mesmo sentido de preocupação com a insatisfação do eleitor. Partindo do resultado acachapante do aumento dos votos nulos, brancos e abstenções, imputa, certeiramente, a culpa de tal resultado “à indignação dos brasileiros com a política”, levando-os a rechaçar maciçamente o que lhes foi apresentado para votar.

O dado imediatamente anterior à eleição, o impeachment, no entanto, não foi arrolado pelo deputado em suas considerações. É uma lacuna severa, porque é provável que o aumento seja um mero efeito causado pelo desprezo com que o Congresso Nacional tratou o voto da maioria no episódio do impedimento presidencial, corrompendo a soberania popular.

Corruptora, a casa congressual pulverizou o valor do voto, e isso pode ter detonado com o ânimo de defensores mais intransigentes da democracia e pode tê-los feito reagir com alguma radicalidade. Até porque, em vez de desperdício do voto, como classificada pelo deputado, tal atitude chamou a atenção e impulsionou o debate das antiquíssimas mazelas da política nacional.

Acertou em cheio Sua Ex.ª, porém, quando classificou o resultado como “um grito de protesto contra o atual sistema político” e quando sugere aumentar o nível do debate e da ação política como forma de melhoria da qualidade democrática. Também ao chamar a atenção para a lição dada pelas urnas à classe política. O que me permite concluir, esperançoso, que, mesmo violentadas e gritando de dor, como no golpe militar e no recente, as urnas se mantêm intocáveis e em altíssima conta em se tratando da soberania popular.

Para as próximas eleições, o recado poderá incorporar, por exemplo, os efeitos arrasadores da PEC 241 na educação, saúde e bem-estar social. A expectativa é de que urnas e eleitores gritem mais, em face do assalto ao social que o instrumento promete, ainda mais que o Governo, que está implementando medidas tão agressivas, não tem qualquer aval eleitoral. Isso compromete o clamor por representantes comprometidos que o deputado reputa necessário para devolver a confiança aos eleitores e reverter o resultado de agora. E o único caminho que restauraria a representatividade, o voto, não estará disponível antes de 2018.

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