Seguimos perdendo esse jogo
“Esse cenário foi o que deixou nossa desigualdade social e emocional mais evidente (…). Só que isso não sensibilizou muita gente e, embora me entristeça, não me surpreende”
Não há como negar que, diante dos acontecimentos dos últimos anos, os hábitos da população mudaram, e foi necessário realizar grandes transformações na rotina. Em fevereiro de 2020, ninguém poderia imaginar que a gente ia perder tanto para um inimigo invisível. Além disso, tivemos que conviver com o medo, a insegurança e a espera de uma maneira que poucos tinham enfrentado com tamanha avidez. Pandemia era uma palavra muito forte para estar assim, na televisão, bem no meio da tarde. A palavra morte também passou a ser recorrente, e a gente foi se obrigando a aceitá-la e a conviver com as despedidas, inclusive de tantas pessoas que foram embora para continuar vivendo em outras histórias. O isolamento causava isto: reflexões e uma ânsia de viver e viver no lugar certo.
Obviamente que, em algum momento, umas poucas pessoas ainda dotadas de mais otimismo acreditaram que era uma grande oportunidade de sermos melhores como humanos, de que, no final, o mundo poderia ser um lugar melhor, e as buscas por “como curar” ou “vacina perto de mim” ocuparam o topo de pesquisas em 2021. “Perto de mim!” Analogia para tudo que sentimos falta e antagonismo para o distanciamento necessário a que fomos submetidos. Pode ser que estar longe por amor não seja algo recente, mas possivelmente foi nova a consciência fundamental de que amar também é prudência, e isso muitas vezes implica saudade.
Essa esperança não durou muito. Pelo menos não tão grande, só para alimentar uma mínima ilusão, mas a verdade é que todo o caos também revelou, ou trouxe para a superfície, a outra face humana que contraria o conceito de humanidade. Tivemos preços abusivos, negacionismos, desrespeito, indiferença com a dor alheia. Fome. Esse cenário foi o que deixou nossa desigualdade social e emocional mais evidente: ficar em casa, privilégio para uns e sacrifício para tantos e por tantos motivos. Só que isso não sensibilizou muita gente e, embora me entristeça, não me surpreende.
Toda essa pressa e essa correria de dezembro só nos mostraram o quanto aprendemos pouco. Continuamos consumistas, continuamos pagando o preço e reclamando no caixa, continuamos criticando do sofá a fila dos ossos e apontando com nosso dedo podre para países ainda mais miseráveis que o nosso.
Sigo tentando, com grande esforço, alimentar uma mínima ilusão.
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