Votação na Câmara Municipal sobre fogos de artifício com barulho fica para 2020
Proposta visa a complementar legislação vigente a fim de prevenir transtornos para animais e pessoas que sofrem com sensibilidade auditiva
Ficou para 2020 a votação do projeto de lei complementar 3/2018, que prevê a proibição da queima de fogos de artifício que causem poluição sonora e sem autorização em Juiz de Fora. O projeto, de autoria do vereador Adriano Miranda (PHS), está em tramitação na Câmara Municipal desde janeiro de 2018, e pode atender anseios de diversos grupos, visto que o barulho produzido por este tipo de artefato pode ser prejudicial para animais, pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), crianças, idosos e pessoas hospitalizadas, entre outros. Os estouros e estampidos provocados pelos fogos são comuns sobretudo no Réveillon, mas também fazem parte da rotina da população em dias de jogos de futebol e eventos com espetáculos pirotécnicos.
O projeto visa a fazer um acréscimo em legislação já existente. “Nós fizemos um ajuste a uma lei que já existia (Lei 11.197/2006), pois já era vedada pelo Código de Posturas a utilização de bomba sem autorização. Então nós acrescentamos a questão da poluição sonora para fazer uma adequação com a legislação de outros municípios”, conta o vereador Adriano Miranda. A intenção é que, desta forma, seja possível preservar a saúde auditiva de humanos e animais, que, se prejudicada, pode causar transtornos de vários tipos. Uma lei semelhante (13.235/2015) também já vigora, e proíbe “a queima e a soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos com potencial de produzir danos à saúde e à vida, em espaço público no Município de Juiz de Fora”.
Apesar de o foco ser a prevenção a problemas auditivos decorrentes do barulho gerado pelos fogos de artifício, a justificativa do projeto também ressalta os riscos de acidentes durante a execução do espetáculo pirotécnico, que podem levar, inclusive, à morte. “Às vezes, as pessoas acham que não podem soltar foguetes só por ser perigoso. É perigoso, mas a questão do barulho também é importante e às vezes é negligenciada.”
Se aprovado na Câmara, o projeto será encaminhado ao Executivo, que tem um prazo para sancioná-lo ou vetá-lo. Neste caso, o motivo para o veto deve ser explicitado, e o projeto volta ao Legislativo, onde o veto pode ser quebrado. No entanto, o propositor acredita que o projeto será aprovado. “Não vejo hipótese clara de inconstitucionalidade, mesmo porque o projeto já foi considerado constitucional pela procuradoria da casa”, avalia Miranda.
Intuito não é proibir
À Tribuna, Adriano Miranda reitera que a proposta não é proibir a soltura de fogos de artifício com estampido, visto que isso seria inconstitucional. “Os fogos de artifício são liberados em ambientes controlados, distantes, que não vá trazer nenhum transtorno para animais e pessoas, sendo devidamente fiscalizado. O que colocamos é a questão da poluição sonora, porque isso não estava claro na lei”, argumenta.
A questão da inconstitucionalidade da proibição, porém, pode ser revertida com o projeto de lei que está em tramitação na Câmara dos Deputados. A PL 6881/2017, de autoria dos deputados federais Ricardo Izar (PP/SP) e Weliton Prado (PROS/MG) busca proibir o uso de fogos de artifício com estampido, alterando a Lei 9.605/1998. Atualmente, o projeto está aguardando parecer do relator na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS). Em março, a PL havia sido aprovada com unanimidade pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS).
Fiscalização
Propositor da lei, o vereador Adriano Miranda critica a fiscalização do uso de fogos de artifício sem autorização no município, que, para ele, não estaria ocorrendo de maneira adequada, mesmo havendo legislação em vigência sobre o tema. “As pessoas usam fogos de artifício de forma indiscriminada e sem nenhum tipo de fiscalização”, afirma.
Em Juiz de Fora, a fiscalização cabe à Secretaria de Meio Ambiente e Ordenamento Urbano (Semaur), junto ao Corpo de Bombeiros. Procurada pela Tribuna, a Semaur informou que “a fiscalização de posturas não têm recebido denúncias de soltura irregular de fogos de artifício na cidade”. Já a Companhia de Prevenção e Vistoria do 4º Batalhão do Corpo de Bombeiros afirmou que está “sempre atuando e atendendo as denúncias anônimas através do DDU (Disque Denúncia Unificado) ou Ministério Público. Quando temos pedidos de denúncias a respeito de eventos irregulares, atuamos da melhor forma possível, procurando atender à legislação vigente.” A companhia destacou ainda que não é possível fiscalizar eventos não-registrados, apenas agir após denúncia.
Ainda segundo o Corpo de Bombeiros, todos os espetáculos pirotécnicos precisam de aprovação dos bombeiros, e os eventos devem ser acompanhados de um responsável técnico ou blaster (profissional que executa o espetáculo). Também exige-se distância de locais de risco e do público, bem como de hospitais, escolas, postos de combustíveis e outros. A documentação deve ser formalizada com, no mínimo, cinco dias úteis de antecedência, respeitando a Instrução Técnica n. 25, disponível no endereço eletrônico twixar.me/1cmT. Conforme a corporação, caso alguém venha a fazer um espetáculo ilegamente, o cidadão ou empresa responderá por seus atos, sobretudo em caso de acidentes.
A Lei municipal 13.235/2015 prevê que as penalidades aconteçam a partir da autuação do infrator, podendo haver apreensão do material irregularmente usado, com aplicação de multa de R$ 1 mil, independente de outras reprimendas. Em caso de reincidência, a multa é de R$ 3 mil. Segundo a norma, as quantias arrecadadas em multas devem ser destinadas ao Fundo Municipal de Saúde.
O trauma de famílias e pessoas com autismo
Professor de Educação Física, Graziany Dias é pai de Marx, de 10 anos que tem grau médio de autismo. Diagnosticado aos 2 anos e meio com o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), a sensibilidade auditiva só apareceu mais tarde, quando ele tinha cerca de 4 anos e começou a demonstrar incômodo com sons, algo observado pela psicóloga de sua escola. Desde então, Marx usa um abafador profissional, que parece um fone de ouvido, em todos os lugares que frequenta, e já sabe identificar os momentos em que precisa do objeto. Sua sensibilidade, no entanto, apresenta variações ao longo do tempo e o que incomoda, segundo o pai, não é necessariamente o volume do som, mas o tipo do barulho. “Por exemplo, uma música que ele gosta e tem algum trecho com barulho, incomoda”, explica.
Em datas com celebrações como a do Ano-Novo, porém, o problema é intensificado. “No Revéillon ele usa o fone, mas incomoda por ser uma sequência de explosões que não tem previsão de quando vai acabar. Quando é uma música que ele gosta, ele sabe que no minuto 2:32 da música, ele vai precisar colocar o fone, mas os fogos não sabemos quando vão acabar.” Até o momento, o incômodo tem sido minimizado com o auxílio do abafador, mas sem o objeto, o filho se sente aflito prevendo os momentos em que precisaria dele, como na escola, por exemplo. “Antes de ter o abafador, ele se encolhia e escondia o rosto para tampar os ouvidos e abafar os sons.”
Segundo Ariene Menezes, presidente do Grupo de Apoio a Pais e Profissionais de Pessoas com Autismo (Gappa JF), quase todos os autistas têm transtornos sensoriais, e um deles é a sensibilidade auditiva, que pode afetar qualquer idade. O que acontece é que, à medida que a pessoa envelhece, aprende-se a lidar melhor, inclusive, com situações do dia a dia, como andar na rua e estar em locais com muitas pessoas. No entanto, as crianças, sobretudo, podem reagir de maneiras preocupantes à dor que sentem.
“A forma de comunicação delas é diferenciada, a maioria não costuma ser verbal. As crianças ficam irritadas, agitadas, começam a gritar, podem ficar autoagressivas ou agressivas por conta da situação, por não saberem lidar e porque estão sentindo uma dor muito forte. As pessoas não conseguem entender o quanto isso é prejudicial para a saúde delas, e não é algo que depois de meia hora de fogos para. Aquela desestruturação vira a noite, (as crianças) ficam horas chorando, até que o corpo e a mente são vencidos pelo cansaço e eles apagam. O Revéillon é a pior data para quem tem um filho com autismo, os pais começam a entrar em pânico porque não têm muito como protegê-los. Por mais que não tenha aquela concentração de fogos como no Rio de Janeiro, nos bairros há famílias que soltam fogos de artifício”, conta. Apesar da existência de abafadores, a presidente do grupo ressalta que muitas famílias não têm condições de adquirir o produto, que pode custar em torno de R$ 300.
Conscientização
Por isso, a presidente do Gappa defende a utilização de fogos de artifício sem barulho. “A melhor solução para nós seria a conscientização das pessoas para queimarem fogos de artifício sem barulho, porque a beleza está nas cores”, diz Ariene. Para ela, a promulgação da lei teria eficiência não só em épocas de fim de ano, mas também em comemorações esportivas e eventos. “Quem tem Transtorno de Processamento Sensorial (TPF), que pode ser uma pessoa típica com sensibilidade auditiva, e fora outras deficiências, que correspondem a 10% da população, seria beneficiado. Inclusive as famílias, porque todos se desesperam junto, além de idosos e hospitais”, ressalta.
Para o professor Graziany Dias, a aprovação do projeto de lei complementar seria importante até mesmo para crianças neurotípicas, que podem sofrer com os barulhos excessivos, como observa dentro da própria casa. “Uma das minhas filhas tem DPAC (Distúrbio de Processamento Auditivo Central). Ela ouve, mas seu cérebro não processa direito, parece ter lerdeza. Quando fomos estudar a respeito, descobrimos que várias coisas podem gerar isso, como uma otite ou um estresse gerado por barulho extremo. E isso aconteceu quando ela era pequena, por causa de rojões e foguetes.”
Risco de fuga e acidentes com animais
Na noite de Revéillon, cerca de 550 cães e cem gatos se acomodam em seus alojamentos no Canil Municipal, no Bairro São Damião, Zona Norte, em Juiz de Fora. Mesmo um pouco mais isolado, o lugar já tem como vizinhança residências que se instalaram na região com a expansão da cidade. Desta forma, os fogos de artifício são ouvidos no Canil, e afetam a audição sensível dos animais. Se em casas e apartamentos, os pets correm risco de fugas e acidentes, no canil esse risco é reduzido, senão nulo, pela estrutura do ambiente. No entanto, os animais estão sujeitos a estresse, ansiedade e transtornos decorrentes do barulho.
“Os cães escutam em uma amplitude de frequência muito maior do que nós, seres humanos, então os fogos são ensurdecedores para eles. Como têm essa audição aguçada, o barulho dos fogos de artifício podem acarretar em algum acidente com esses animais. Como eles ficam muito agitados por medo, isso pode levá-los a tomar atitudes de fuga, que faça com que sejam atropelados, tenham taquicardia, possam sofrer com alguma síncope ou até morrer. Animais de apartamento, por exemplo, podem vir a pular de uma janela, se machucar muito ou vir a óbito. Os gatos passam praticamente pelo mesmo princípio dos cães, também têm uma audição muito apurada e podem sofrer os mesmos traumas, mas eles ainda têm um poder de fuga maior pela agilidade”, explica o veterinário Fábio Valverde, que atua no Canil Municipal há dois anos.
No canil, a equipe de plantão recebe recomendações para observar os animais e tentar evitar conflitos entre eles por conta do barulho. “O canil hoje, por conta da nossa estrutura física, não leva a acidentes, porque temos uma contenção muito efetiva para os animais. Fugas aqui não acontecem. Mas o barulho faz com que o animal possa ficar acuado e até desenvolver síndromes psicológicas, que podem desfavorecer sua vida ao longo do tempo. Ele pode desenvolver coprofagia (ingerir fezes), ansiedade, estresse e se tornar mais agressivo”, diz o veterinário. Segundo ele, após o Revéillon, dias de jogos de futebol e festividades, também observa-se um aumento da busca por animais que escaparam na cidade.
Para quem tem seu pet, Felipe recomenda certos cuidados, e reitera que não se deve abandonar o animal em casa durante as festas. Se precisar deixar com alguém, é indicado que o animal se sinta à vontade com essa pessoa. “O ideal é que esse animal seja levado para um local seguro, com janelas e portas fechadas. (Também é bom ter) uma casinha ou canil que possa trazer isolamento acústico, ou envolver o animal em um pano para que consiga conter a atitude do animal. Existem medicações que podem ser administradas para que o animal fique mais tranquilo, mas é necessário passar por uma consulta veterinária”, informa. Segundo ele, também existem tratamentos com pré-disposição ao barulho, semelhante àqueles feitos com cães-policiais. No entanto, esse tipo de tratamento, que é feito com um adestrador especializado, é feito a longo prazo e nem todos os animais se adaptam ao treinamento.
Fogos de vista é tendência mundial
Segundo o empresário Marco Saçço, sócio-proprietário de uma empresa de Juiz de Fora que vende fogos de artifício, além de produção e execução de shows pirotécnicos, o uso de fogos de artifício sem estampido é uma tendência mundial que se tornou demanda no mercado de todo o Brasil. “Viemos acompanhando que várias cidades estão querendo a proibição de fogos de artifício com estampido, e baseado nessa demanda foi solicitado às fábricas que fizessem fogos com menos ruído, para que não incomodem o público”, observa Saçço. A empresa familiar existe há mais de 70 anos no mercado, atendendo a região da Zona da Mata e outros estados, e há um ano trabalha com fogos visuais. “Esses fogos não são totalmente silenciosos, eles fazem ruído, porém em menor escala.”
De acordo com Saçço, existem três tipos de fogos de artifício. “O foguete de tiro, com estampido, é o que as pessoas reclamam, usado muito de dia e para comemorações de jogos de futebol. Tem também aquele usado em Réveillon: fogos coloridos constantes, com estampido menor, que explodem no céu e são mais bonitos. Já os fogos mais silenciosos não têm a emoção que esse outro causa, porque ele já sai aceso, fazendo um traçado no céu.”
Alguns produtores já pensam em novas possibilidades adequadas ao produto. Para shows pirotécnicos, o uso de foguetes sem barulho é mais comum quando acompanhado de música na apresentação, ditando o ritmo dos fogos. “Mas para Revéillon, o show piromusical não comporta porque as cidades são grandes e, para dar o efeito desejado, o som tinha que estar espalhado pela cidade inteira, por conta da velocidade da luz e do som. Quando se está mais distante, o som chega atrasado, não sincroniza bem.”
Custo é o mesmo
Para quem acredita que a diferença dos tipos de fogos de artifício interfere no preço, a escolha pode ser repensada. Segundo Saçço, o preço dos fogos visuais é o mesmo daqueles que produzem barulho, já que o custo de produção não é alterado e o tipo de material utilizado na fabricação dos foguetes são basicamente os mesmos. “As cores são feitas com sais. Os fogos de estampido têm um efeito que chama flash power, que é uma mini-bomba que, quando sobe, explode e espalha a bomba no céu. (Por isso) precisam apagar mais rápido para que não cheguem acesos ao chão. Já o foguete traçante sai do tubo já aceso, queimando em ascensão, e não espalha o que chamamos de baladas”, explica.
Para este Reveillón, a empresa disponibiliza todos os tipos de foguetes, mas incentiva a compra daqueles sem estampido, além de produtos com detonação elétrica. “Se um foguete de tiro estoura perto da pessoa pode causar dano à audição, além de lesões corporais. Por isso que a gente incentiva o uso de detonação elétrica, em que a pessoa aciona os fogos com, no mínimo, cinco metros de distância. Assim, o risco de acidentes não é tão eminente.”