Uma reviravolta no resultado final de chamamento público realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) devolveu a seis entidades tradicionais de Juiz de Fora o direito de seguir como responsáveis por serviços de assistência social, prestados em diversas regiões do município. Elas também poderão ter acesso a recursos municipais para o desenvolvimento dos trabalhos. A polêmica envolveu o edital de número 3, lançado pela Prefeitura no ano passado e voltado a serviços de convivência e fortalecimento de vínculos, por meio de trabalhos desenvolvidos pelos Centros de Referência de Assistência Social, os Curumins e o Pró-idoso, além de outros auxílios prestados pontualmente em toda a cidade. Alegando incoerências nas avaliações que, inicialmente, apresentaram a Adra – braço da Igreja Adventista, com participação intercontinental, que não tem histórico de prestação de serviços na cidade – como vencedora dos 22 blocos que integram o edital em questão, oito organizações da sociedade local apresentaram recursos junto à Administração. E o resultado foi que 22 dos 17 blocos acabaram alterados após o deferimento de boa parte destes recursos.
A decisão final favorável às entidades locais foi publicada no último sábado, após uma série de protestos, questionamentos públicos, negociações e a busca do diálogo com a Prefeitura pelas diversas entidades interessadas no processo, cujos repasses programados devem chegar a R$ 8,2 milhões em 15 meses. Após o avanço das conversas, uma comissão intersetorial chegou a ser formada pelo Executivo para avaliar os recursos. Das oito entidades locais que apresentaram recursos contra suas inabilitações no resultado inicialmente divulgado, apenas o Grupo Espírita de Assistência aos Enfermos (GDAE) teve seu pleito indeferido e deve recorrer à Justiça para questionar a vitoria da Adra na disputa pelo bloco 2.
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Em nota, a SDS confirmou que o resultado divulgado no último sábado não é passível de alterações e ressaltou que a comunidade juiz-forana não corre risco de desassistência na prestação dos serviços até a assinatura dos convênios. “O resultado do edital 3 do chamamento público da Secretaria de Desenvolvimento Social, publicado no Atos do Governo no dia 17 de março de 2018, é definitivo. As entidades já foram notificadas para apresentarem os documentos necessários. Após os trâmites, os contratos serão assinados e os termos serão publicados. No período de transição, a SDS firmou termos de colaboração emergencial com validade até junho para não ocorrer desassistência. Os repasses financeiros são vinculados ao início das atividades das Organizações da Sociedade Civil contempladas”, afirmou a pasta em nota.
Amac reverte 11 inabilitações
No caso da Associação Municipal de Apoio Comunitário (Amac), a entidade contestou sua inabilitação na disputa por 11 blocos pelo fato de não ter apresentado parte da documentação exigida: certidão negativa de débito e cópia da ata de eleição do atual quadro diretivo. Para reverter o resultado inicial, a Amac alegou que, de forma equivocada, os documentos haviam sido trocados por comprovantes vencidos. Inicialmente considerada vencedora dos blocos em questão, a Adra contra-argumentou que o prazo para entrega da documentação exigida já havia se expirado. Após ambos posicionamentos, a Comissão de Seleção de Chamamento, definida por decreto do prefeito Bruno Siqueira (MDB), afirmou valer-se da “ideia de razoabilidade” para deferir o recurso da Amac, homologada como vencedora dos blocos de número 3, 6, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17 e 18.
Outras entidades também reverteram o resultado inicial por recursos semelhantes. O Abrigo Santa Helena, por exemplo, desbancou a Adra após conseguir comprovar “experiência mínima de um ano” na prestação dos serviços abrangidos pelo bloco 5. A alegação foi de que a documentação já havia sido anexada em outro envelope protocolado durante o trâmite do chamamento público em questão e tal comprovação foi anexada na fase recursal e acatada pela comissão. Situação bastante similar ocorreu com o Instituto Profissional Dom Orione, com o Instituto Jesus e com o Grupo Semente, declarados vencedores de quatro blocos após análise dos recursos, em detrimento da Adra, que havia saído vitoriosa no resultado inicial. A Associação Assistencial Padre João Emílio também teve argumentação recursal deferida, mas acabou atrás do Dom Orione na disputa pelo bloco 19.
A Associação Assistencial Criança Feliz apresentou alegações distintas. Em uma delas pediu a revisão da pontuação dada às participantes durante o processo de seleção do chamamento público do bloco 8. Apesar de as contrarrazões da Adra, alegando que os pontos da concorrente não deveriam ser revistos, a Comissão de Seleção de Chamamento deu provimento parcial e conferiu à Criança Feliz um ponto extra, o que garantiu a vitória da entidade local na disputa. A advogada Denise Saltarelli representou sete das oito entidades que recorreram da decisão que colocava a Adra como vencedora dos 22 blocos. A exceção foi o Grupo Espírita de Ajuda aos Enfermos (Gedae), que teve o pedido indeferido na disputa pelo bloco 2, voltado ao fortalecimento de vínculos em parte da região Sudeste. Na avaliação da advogada, a busca pelo diálogo fez a diferença. “Insistimos por este caminho porque a judicialização traria muitos danos e não teria resultado imediato. O diálogo aberto com o prefeito, para termos a garantia de avaliação dos recursos, foi importante em todo este processo.”
Adra é declarada vencedora em cinco blocos
Inicialmente, a Adra havia vencido os 22 blocos que compõe o edital 3 do chamamento público. Com a mudança, a entidade, ligada à Igreja Adventista, ficou com cinco blocos, para atendimento parcial nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) nas regiões Sudeste, Leste e Norte, além de toda a Zona Nordeste. Para estes serviços, receberá, no total, R$ 1.346.112,00 ao longo de 15 meses, com abrangência de 466 usuários. No mesmo período, as demais seis entidades que tiveram seus recursos deferidos deverão ter acesso a R$ 6.932.207,40 em recursos municipais para o desenvolvimento de ações na área de assistência social. Os maiores valores integram o bloco 18 (R$ 891.981, por 15 meses de serviços prestados), voltado a 400 idosos acima dos 60 anos na região central, por meio do Pró-Idoso. Após a análise dos recursos, tais atividades permanecerão sob responsabilidade da Amac. A Tribuna entrou em contato com a Adra, por e-mail, no início da tarde desta terça-feira (20), mas até o fechamento desta edição não recebeu retorno.
Mobilização mantida
Presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sinserpu), Amarildo Romanazzi classificou o deferimento dos recursos, em especial daqueles que beneficiaram a Amac, como positivo. O sindicato chegou a convocar duas paralisações de servidores da associação para protestar contra o primeiro resultado divulgado pelo Poder Executivo.
“A mobilização da categoria foi muito importante para a mudança de postura do Município e reabrir o diálogo na pessoa do próprio prefeito. A partir disto, o Município aceitou os recursos, reconheceu e identificou os problemas apontados pelas entidades”
O Sinserpu, porém, trabalha para manter os profissionais da Amac mobilizados. Uma nova paralisação já foi convocada para esta sexta-feira (23), para cobrar a recomposição dos vencimentos relativa a perdas inflacionárias acumuladas entre 2016 e 2017. Um ato público está agendado para as 10h, nas escadarias da Câmara Municipal.
GDAE pode recorrer à justiça contra resultado final
O único revés das organizações da sociedade civil locais aconteceu com o indeferimento de recurso provido pelo Grupo Espírita de Assistência aos Enfermos (GDAE), que tentou justificar o não comparecimento de um representante durante a fase de julgamento. As alegações da entidade, no entanto, foram desconsideradas pela Comissão de Seleção de Chamamento que negou provimento à peça recursal. Neste caso, a Adra manteve a vitória na contenda pelo bloco 2, que prevê atendimento contínuo de 70 usuários, entre 4 e 17 anos, moradores da região do Bairro Santo Antônio. O Gedae anunciou à reportagem que irá recorrer da decisão judicialmente.
Segundo a coordenadora de projetos do Gedae, Fátima de Paula, a contestação está relacionada ao item 6.4.1 do edital de chamamento público. Nele é informado que as propostas e os documentos de habilitação deveriam ser entregues presencialmente na sessão de credenciamento das concorrentes. A instituição cumpriu este termo, mas não compareceu à sessão de julgamento. Em sua defesa, o Gedae alegou que o descredenciamento por este fato violou os princípios da legalidade (por não haver exigência no edital), da motivação (pois a decisão não mencionou expressamente o edital), e do princípio de boa-fé e da confiança. Isto porque, durante visita técnica da comissão julgadora à entidade, em 17 de janeiro, o grupo havia alertado, oralmente, que não havia recebido a convocação por e-mail.
Na avaliação do recurso, a comissão julgadora entendeu que, na primeira reunião designada ao recebimento dos envelopes, as instituições indicaram, “voluntária e expressivamente, o endereço de e-mail para envio da convocação para a sessão de reabertura e de encerramento da fase de julgamento, comprometendo-se, portanto, com aludida forma de intimação e com o dever de comparecimento”.
Até 30 de junho
Os recursos para este serviço estão assegurados ao Gedae até 30 junho, quando vence o contrato em vigor. Até lá, a expectativa é de garantir a continuidade do atendimento de fortalecimento de vínculos por meio de mandado judicial até a decisão. A eventual perda deste bloco, porém, não coloca o futuro do grupo em risco.
Segundo Fátima, o Gedae, criado em 1989, mantém convênios maiores para residência terapêutica e casa de apoio, dentro dos serviços de acolhimento na área da saúde. “O fortalecimento de vínculo veio depois, em 2005, quando percebemos a necessidade de expandir o nosso atendimento, até em função das realidades que enfrentávamos com as famílias acolhidas em nossos outros trabalhos. Gostaríamos muito de continuar exercendo este serviço, mas o encerramento não afetaria a permanência do Gedae. Ficamos felizes que as demais entidades conseguiram reverter o resultado, pois a Justiça foi feita para elas, mas acreditamos que também temos este direito e vamos buscar isso.”