Justiça autoriza sigilo do nascimento e entrega voluntária de criança para adoção
Decisão inédita do STJ permite entrega sem a consulta da família biológica ou extensa
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a entrega voluntário de um bebê para adoção, sem a consulta da família biológica ou extensa. A decisão, por unanimidade e inédita, foi a favor de uma assistida da Defensoria Pública de Minas Gerais, em Divinópolis – distante cerca de 320 quilômetros de Juiz de Fora -, que fez o pedido de sigilo para que o nascimento e a entrega para adoção de seu filho se dessem sem o conhecimento do suposto pai (com quem não havia união formal ou estável) e da família ampla.
Em primeira instância, o juízo reconheceu o direito da mãe, uma vez que o pai não fora indicado, de entregar a criança para adoção, constatado que não havia condições para mantê-la com a família extensa. O Ministério Público recorreu à decisão sustentando que, apesar da manifestação da genitora pelo anonimato sobre o nascimento do filho, o sigilo não alcança a família extensa da criança, que deve ser previamente buscada.
O Tribunal de Justiça deu provimento ao agravo revogando a decisão, principalmente na colocação da criança em família substituta e sobre a observância do sigilo do nascimento em relação à família extensa. A Defensoria Pública recorreu e, por fim, o STJ manteve a decisão inicial, permitindo o sigilo e a entrega voluntária.
No Relatório Social, a assistida afirmou que, desde o momento em que ficou sabendo da gravidez, teve ciência que não poderia cuidar de mais uma criança, diante de suas condições financeiras. “A forma como ganho dinheiro é fazendo minhas faxinas, como eu iria trabalhar nelas tendo um bebê e não tendo ninguém para me ajudar a cuidar dele?”, questionou. Ela revelou jamais ter cogitado deixar seu filho sob os cuidados de sua família, pois sua mãe não cuidou dos próprios filhos e tem 12 netos com os quais não tem qualquer vínculo afetivo. Já suas duas irmãs têm “casamentos ruins” e situação financeira complicada, segundo ela.
Direito de sigilo
A Defensoria Pública explica que a mãe tem a liberdade de entregar o filho para adoção, prevenindo-se, assim, situações como o aborto clandestino. Apesar de a mãe não ser obrigada a indicar o pai, no caso deste ser conhecido, deve ser ouvido sobre a entrega do filho para adoção. Além disso, é estabelecido que, ao entregar um recém-nascido para adoção, a mãe deve buscar alternativas na família extensa, ou seja, parentes como avós, tios, entre outros, para checar se alguém pode cuidar da criança. Se os familiares não souberem da gravidez, a adoção pode ser feita sem consultá-los.
O relator do recurso no STJ, ministro Moura Ribeiro, afirmou em seu voto que “no caso concreto, o estudo social realizado com a mãe concluiu que a decisão de entrega do seu filho para adoção foi refletida e madura, se baseou em argumentos lógicos e concretos, no exercício livre e responsável de sua autonomia como mulher madura e ciente das suas obrigações e de que também não poderia, mesmo se quisesse, contar com a família extensa da criança”.
Para a defensora pública Karina Roscoe Zanetti, da Defensoria dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes na Unidade da DPMG em Divinópolis, é preciso respeitar o direito de sigilo da mãe, a entrega legal e, principalmente, o direito de privacidade. “Conseguimos garantir isso por meio da decisão do STJ, que entendeu e adotou a melhor interpretação possível da lei. E esta decisão agora torna-se um parâmetro nacional de respeito àquela mãe que, normalmente, desconhece este direito”, enfatiza a defensora pública.
Karina ainda destaca que a entrega legal dificilmente é feita por uma família estruturada e é mais comum entre mães hipossuficientes, que não têm certeza de quem é o pai ou não querem revelar a paternidade. “Com esta decisão, mulheres que se encontram nesta situação sabem que poderão ser acolhidas no judiciário e não sofrerão um escrutínio geral de sua vida”, completa.