Peladeiros amargam a ausência da sagrada resenha semanal
Além da atividade física, boleiros reclamam da falta de convivência proporcionada pelo futebol; nas quadras e campos, empreendedores acusam o golpe do ponto de vista econômico
O esporte sofre um grande baque por conta das atividades paralisadas em virtude da disseminação do vírus Covid-19. Agremiações locais como Tupi, Tupynambás e JF Volêi tiveram de se adequar à suspensão dos campeonatos sem previsão de retorno ou mesmo encerrados, como é o caso da Superliga B de vôlei. Aqueles que gostam de acompanhar os esportes e até mesmo se arriscar nos campos amadores de Juiz de Fora também têm passado por um período de “abstinência esportiva”. A Tribuna conversou com alguns desses “atletas” amadores, os populares “peladeiros” para saber como tem sido ficar esse tempo sem poder jogar um futebol, ou qualquer outra modalidade, com os amigos.
Waldyr Imbroisi Rocha tem 30 anos e trabalha como professor. Depois de ficar quase cinco anos sem jogar, Waldyr conta que retomou a atividade recentemente. O futebol com os amigos era uma ótima forma de se exercitar e manter o corpo ativo, “estava até perdendo alguns quilos”. No entanto, a pelada vai além da parte física. Segundo ele, o bate-bola era uma forma de escapar da rotina diária. “Servia como fuga da rotina. E era tão bom que eu jogava terça, 22h, mesmo tendo que acordar cedo no dia seguinte”. Apesar do pouco tempo de retorno aos gramados, o professor revelou que seu corpo sentiu uma diferença por ficar este tempo sem poder jogar. “Sem dúvidas meu corpo tem sentido falta; estou tentando outras formas de atividade física, mas a pelada, acho que esportes coletivos e competitivos de maneira geral, tem aspectos particulares, como a necessidade de se esforçar pela vantagem, acompanhar o ritmo dos outros jogadores e correr até não aguentar mais.”
Waldyr salienta a ideia de se esforçar em prol do time, esforço esse que não é possível quando realiza outras atividades físicas individuais. Para ele, os esportes coletivos são um incentivo para praticar exercício. “O que eu mais sinto falta é o clima que se constrói na pelada em busca de um objetivo coletivo, que não existe quando saio para correr ou malhar, por exemplo. As situações mudam o tempo todo e precisam ser pensadas em conjunto com o próprio time e em relação ao adversário. Gritar também é muito bom; gritar quando há gol, quando tem que voltar, quando passa alguém. Faz parte da lógica dos esportes coletivos e não se reproduz na atividade física solitária.”
Resenha
Assim como Waldyr, João Marcos Bisca, ou só Bisca, como é reconhecido pelos amigos durante o futebol, acredita que a pelada serve como uma terapia. O estudante de educação física, 22 anos, tinha costume de jogar futebol pelo menos uma vez na semana. Bisca tem sentido falta do momento de reunir os amigos apenas para jogar futebol e tenta encontrar outras maneiras de manter a mente ocupada e o corpo em movimento. “Para nós, que amamos jogar futebol, está sendo muito difícil passar por esse momento de isolamento. Além de beneficiar na questão da saúde física, a pelada é importante também para a nossa saúde mental, pois juntamos os amigos e esquecemos de todos os nossos problemas. É o momento em que acontece a famosa resenha. Ficar sem essa terapia é angustiante, mas é preciso respeitar as orientações dos profissionais de saúde e ficar em casa. Com isso, é de fundamental importância utilizar a criatividade para manter corpo e mente ativos.”
‘Sinto falta de separar a camisa pra jogar’
Flávio Lombardi é mais um dos amantes do futebol amador que tem amargado a abstinência. O ortodontista, que completou 51 anos recentemente, em março, comemoraria seu aniversário dentro de campo. A partida entre “Amigos do Lomba x Time do Lomba” teve que ser adiada por conta do coronavírus. Flávio é um daqueles “fominhas” de bola, chega a disputar de três a quatro partidas na mesma semana. Mesmo acima dos 50 anos, garante que bate de frente com os mais novos e ressalta que pelada é coisa séria. “Jogo uma pelada na quarta à noite, organizada pela ala jovem do Clube do Papo, sou um dos mais velhos. Eu, Tico, Xis, Leozinho e Cezinha acima dos 50, e o resto é jovem. Jogamos com nossos filhos, o meu filho Bernardo tem 21. Essa pelada tem lista de inscritos e punição para quem falta.”
Flávio também sente falta dos amigos, do ambiente que é criado durante o jogo e das “resenhas” antes e depois dos jogos. O futebol, para ele, fazia parte da rotina. “Tenho sentido falta dos amigos, das resenhas nos encontros. Futebol, ou melhor, a pelada, deixa a gente mais unido, mais feliz. O futebol faz parte da rotina, um prazer, uma felicidade a mais. Sinto falta dos amigos, de separar a camisa para jogar, da resenha, das jogadas e da raça.”
‘Estamos quebrados’
A Tribuna entrou em contato com quadras e campos de aluguel em Juiz de Fora. A Guarda Mirim, situada no Bairro São Mateus, informou que suas atividades estão paralisadas, assim como o espaço Livewell Soccer, no Estrela Sul. Pedro Reis, um dos responsáveis pelo Livewell, disse que as quadras estão fechadas desde o dia 18 de março. A quadra, que também funciona como escolinha, negociou o aluguel do local, deu férias coletivas para seus funcionários e tem conversado com os clientes que pagam mensalidade para poder resolver a situação da melhor forma possível.
Junior Farias, dono do Boleiros Futebol Clube, no Bairro Aeroporto, foi categórico: “neste momento estamos quebrados”. O campo, que tinha reservas de domingo a domingo, sofre com a falta de clientes neste últimos 15 dias. Como alívio, Farias celebra o fato de não ter no Boleiros sua única fonte de renda.
Situação diferente da vivida por Leonardo Carvalho de Souza, proprietário do Aeroball Soccer, também no Aeroporto. O campo de grama sintética é sua única fonte de renda e se encontra fechado há 20 dias. Além de alugar a quadra durante a semana, a principal arrecadação de recursos vinha das festas infantis nos finais de semana. “Por enquanto ainda tem um dinheiro guardado. Depois, não sei como vai ser.” Leonardo espera que possa voltar a abrir em junho, para poder ir retomando aos poucos o ritmo de antes. Todos os estabelecimentos informaram que os clientes têm respeitado o tempo de isolamento e não procuram os locais para praticar a atividades.