Pugilista e professor, João do Boxe conta sua história de vida
Juiz-forano recorda obstáculos que precisou vencer fora dos ringues e sonha pelo fim da pandemia para inaugurar centro de treinamento
Foi aos 17 anos que João Manoel Porfirio Ferreira da Silva – João do Boxe, como é conhecido – teve o primeiro contato com o esporte. Natural no Bairro Monte Castelo, Zona Norte, mas atualmente morador do Costa Carvalho, região Sudeste, aproveitou a abertura de uma academia no seu bairro para começar as aulas de muay thai. Em seguida, migrou para a “nobre arte”.
Mas a história de João com o esporte data de muito antes. Filho do meio, aos 5 anos de idade, foi incentivado pelo pai, que também era ligado ao desporto, a começar na capoeira, prática que continuou até os 13 anos. “Desde criança, meu pai sempre foi incentivador do esporte, pois ele mesmo praticava capoeira. Desde os 5, 6 anos ele sempre me incentivou”, recorda.
Aos 13, em busca de novos desafios e aventuras, João decidiu ingressar no mundo do popular futebol e atuou por clubes locais. “Cheguei a jogar pelo Uberabinha e pelo Sport, mas percebi que não tinha muito ‘feeling’ pra isso”, avaliou.
Aos 17 anos, encontrou, em uma academia próxima de casa, a oportunidade de retornar aos esportes. A escolha foi fazer aulas de muay thai, arte marcial tailandesa milenar. No entanto, logo migrou para o boxe. “Tinha aberto uma academia no meu bairro, tive o primeiro contato com o muay thai, mas não gostei tanto, devido às trocas constantes de professor, e acabei migrando para o boxe, que era de um único professor, o Lêndell, dono da academia. Ali foi paixão à primeira vista”, conta João.
Da TV aos ringues
As dificuldades na modalidade também eram enfrentadas fora dos ringues, na batalha para conseguir assistir a lutas de pugilistas nacionais e internacionais. João conta que, incentivado pelo seu professor, começou a procurar combates de boxe na televisão e na internet. Para assistir na TV, ele tinha que ficar acordado de madrugada para conseguir ver as lutas de expoentes como Mike Tyson e Popó – brasileiro tetracampeão mundial da modalidade -, ou se contentar com os trechos que eram exibidos em programas esportivos no dia seguinte. “Na época, como a internet era discada, ficava difícil assistir e a melhor opção era ver algumas na televisão. Quando passava de madrugada, eu ficava acordado para poder acompanhar e ver o que os atletas faziam. Não era um esporte muito famoso, poucas pessoas assistiam.”
Aos 21 anos, João decidiu se aventurar em uma luta. O atleta já vinha treinando junto com outros boxeadores e se sentiu preparado para travar a primeira batalha nos ringues. O desafio aconteceu no Kakutoshi, campeonato realizado em uma academia em Benfica. João conta que foi um embate acirrado e que ganhou o primeiro round; no segundo, no entanto, o adversário conseguiu conectar bons golpes, e no terceiro período veio um triste desfecho: ele deslocou o ombro. Por interferência do juiz, a luta foi finalizada, e o adversário levou a vitória. “Mas isso nunca foi um empecilho para continuar lutando e buscar outros campeonatos”, reforçou.
João continuou lutando e treinando e, em sua segunda luta realizada, em outra edição do mesmo campeonato, conquistou a primeira vitória.
Da saída dos treinos ao reerguimento
Aos 24 anos, após acumular um cartel de quatro vitórias e apenas uma derrota no boxe amador, João teve que sair dos ringues para poder lutar difíceis batalhas fora deles. “Precisei parar com a prática porque precisava trabalhar. Já estava empregado, mas precisava ajudar mais em casa.”
João substituiu os treinos da luta por outra jornada, atuando como atendente de telemarketing, de 5h às 20h, para poder levar dinheiro e ajudar em casa. “Trabalhava na Brasil Center de 5h até 11h30, depois pegava de meio-dia até 20h na Alma Viva. Tudo para ajudar e dar o meu melhor dentro de casa”.
Aos 25, já distante da arte marcial, João pediu demissão em um dos empregos e foi dispensado do outro. O atleta estava enfrentando um forte oponente fora dos ringues. “Sem a rotina dos treinos, acabei conhecendo outras pessoas e, sob influência, tive uma pequena passagem por uso de drogas.”
Mas diferentemente do ringue, fora dele a luta não precisa ser solitária. Em 2016, João conheceu outros amigos, que o ajudaram a se reerguer. Foi através deles que o pugilista começou a dar aulas, mesmo em um momento difícil, morando sozinho e passando por necessidades. Assim, a prática esportiva voltou a fazer parte do seu dia a dia. “Em 2016, conheci o Hugo Lopes e o Marcos Salles, que me trouxeram outros pensamentos. Eu já havia perdido um emprego e pedido conta de outro, porque não tinha mais cabeça, mas através desses amigos consegui retornar às atividades.”
De aluno à professor: o reencontro com uma paixão
Ainda em 2016, João começou a trabalhar como zelador no Colégio Maria Elba Braga, no Bairro Cerâmica, onde já havia estudado. Em contato com professores e diretores, começou a pensar em dar aulas de boxe e, em 2017, passou a cursar a faculdade de Educação Física. “Como eu tinha estudado no colégio, alguns diretores e professores que me conheciam me deram a oportunidade de começar a trabalhar lá. Foi ali que comecei a me interessar em ser professor e utilizei toda a experiência que eu tinha”.
O começo da faculdade e o retorno ao boxe também foram um reencontro com uma paixão. Ali nasceu o desejo do aperfeiçoamento e do estudo da nobre arte. “Ali voltei a me apaixonar e pensei: ‘é isso que eu quero, é isso que eu vou fazer daqui pra frente.’ E quis me aperfeiçoar para ser um ótimo professor e pessoa. Quero pregar a qualidade de vida e a saúde que hoje estão em falta. A maior parte das pessoas só pensa em estética e acabam se esquecendo da saúde.”
Novas esperanças de um futuro melhor
Com a pandemia do coronavírus, João, que já trabalhava como autônomo há dois anos e meio, sentiu o impacto com a diminuição das aulas. No mesmo período, recebeu uma notícia que mudaria sua vida. “A entrada da pandemia dificultou meu trabalho e foi também quando eu descobri que a minha esposa estava grávida.”
Com dificuldades financeiras, aluguel e uma filha a caminho, João e a esposa foram morar de favor na casa de uma tia. Mas com o tempo, os alunos foram retornando às aulas, seguindo todos os protocolos de segurança. Tudo isso fez com que o professor conseguisse se redescobrir e pudesse, então, alugar um imóvel para a família. “Não deixei o trabalho cair, e as demandas até aumentaram. Consegui alugar uma casa e ajudar minha esposa. Até hoje tem sido reinvenção atrás de reinvenção, estudando para trazer métodos novos para os meus alunos”.
Em 2021, com a procura pelas aulas aumentando, João do Boxe resolveu colocar uma ideia antiga em prática: criar um centro de treinamento. Entrou em contato com uma amiga que tinha um espaço onde dava aulas de caratê e nascia, ali, uma parceria. João começou a montar seu centro de treinamento para receber alunos e promessas do esporte.
Mesmo com a onda roxa, que o impossibilita de dar aulas, o atleta, hoje com 29 anos, continua investindo na montagem do espaço para que, vencida a pandemia, possa mostrar todo seu conhecimento nas artes marciais e na prática esportiva e, com isso, melhorar a qualidade de vida dos seus alunos.
Os planos para o CT, localizado no Bairro Costa Carvalho e ainda sem nome oficializado, estão apenas no começo, mas João já tem sonhos e metas para um futuro pós-pandemia. “Com o passar dessas ondas, tenho certeza que vai fluir e vou trabalhar para que seja um dos centros de treinamento mais falados na cidade, buscando conhecimento e metodologias para poder sempre trazer o melhor. Graças a Deus encontrei pessoas boas e portas abertas no meu caminho”.