JĂșlia Mestre, integrante da banda Bala Desejo, faz show em JF
A apresentação acontece nesta sexta-feira, no Sensorial, a partir das 21h
No palco, resplandece. Ocupa um espaço inteiro com sua presença inebriante. Quando canta, com aquela voz rouca, um outro caminho. Ă diferente vĂȘ-la ao vivo e bem no ouvidinho. Ouvir o disco e a performance. Ela canta, sozinha, “SĂł um beijinho no canto da boca me deixa tĂŁo louca de paixĂŁo”, durante a entrevista, e faz arrepiar. Pronto: estĂĄ explicado o motivo de o nome disco de JĂșlia Mestre ser “Arrepiada”. A integrante do Bala Desejo, em seu trabalho solo, mostra um novo universo de uma passarinha com voos bem amplos. Ela se abre aos mistĂ©rios e Ă s descobertas de como ser sozinha, mas por inteiro, depois (e ainda nele) de um projeto tĂŁo intenso. JĂĄ que no palco JĂșlia Ă© outra, fica o convite: nesta sexta-feira (2), ela se apresenta no Sensorial, a partir das 21h.
JĂșlia gira em torno do seu universo prĂłprio em “Arrepiada”. Tem, claro, um pouco a ver com Bala Desejo porque tudo influencia. Mas tem mais a ver com suas possibilidades encontradas a partir do projeto. “Eu sinto que ‘Arrepiada’ veio em uma hora perfeita. Porque o Bala Desejo mudou minha vida. E eu sinto que isso me cresceu. Eu mudei muito. Me conheci mais no palco. Veio em um momento perfeito porque Ă© preciso viver tudo isso para se sentir mais segura, para poder fazer novos shows sozinha e apresentar essa nova persona. Estar no palco te faz aprender muita coisa e eu sinto que, nĂŁo que eu saiba tanto, ainda estou para aprender muito, mas eu me sinto talvez mais maliciosa no palco, e eu gosto disso porque combina com ‘Arrepiada’.”
Sim, arrepia. O disco todo, com suas 11 faixas, faz um caminho pela liberdade e pelo desejo. Ela gosta disso: ser livre e desejar. “A intenção do disco Ă© a de que trouxesse essa sensação de liberdade mesmo. Eu sinto uma energia no disco que eu quis passar o que acontece em mim. Eu sempre busco muita novidade, e adoro essa sensação da viagem, do futuro, do mistĂ©rio. SĂŁo temĂĄticas que me atraem. E a mĂșsica tem essa maravilha: vocĂȘ coloca ela nos ouvidos e a mĂșsica Ă© quase como um segredo que te acompanha o dia inteiro por onde vocĂȘ for. Ă uma coisa que sĂł vocĂȘ tem. Ă particular. Ă um estĂmulo de querer passar por cima. Pode atĂ© doer, mas a festa vai chegar e vocĂȘ vai curtir depois.”
Contemporùneo e dançante
Sobre festa, “Arrepiada” faz dançar. Tudo começou com a mĂșsica que leva o nome do ĂĄlbum. JĂșlia estava no processo de tirar as mĂșsicas de Rita Lee para participar de um programa de TV que propĂ”e que nomes da nova geração interpretem nomes consagrados. Ela queria participar, e com Rita. Dentro desse universo, surgiu a canção. Ela termina, bem tĂpico da cantora, morta no mĂȘs passado, com um “Tchu-Tchu-Tchu-Ca”: “eu via que tinha coisa cĂŽmica, safada e ao mesmo tempo dançante”. Ela precisava, entĂŁo, de produzir um disco que fosse, claro, dançante.
Para ajudar a construir o trabalho, JĂșlia chamou Lux, que produziu, inclusive, o disco de Duda Beat. “Eu sentia que o disco tinha uma coisa mais oitentista, com sintetizadores, uma pegada mais moderna. A participação do Lux contribuiu nesse processo: Ă© um disco contemporĂąneo, moderno e dançante.” Ă pop – seja lĂĄ o que esse termo se refere nos dias de hoje.
As cançÔes foram vindo a seguir. JĂșlia propĂ”e um passeio por ritmos: tem reggae, xote, dancing, rock e MPB. Tem, por exemplo, “Eu fuego del amor”, que Ă© mais sentida, e “De toda mĂŁe”, mais parecida com a proposta do primeiro disco da artista carioca, o “Geminis”. Mas JĂșlia ainda sentia falta de uma mĂșsica mais dançante, como “Arrepiada”. A Ășltima a ser escrita foi, entĂŁo, “Meu paraĂso”. “Eu jĂĄ tinha feito vĂĄrias parcerias, com JoĂŁo Gil (do Gilsons), com Ana Caetano (que faz a dupla AnavitĂłria). E aĂ eu chamei o Lux. Ele me ajudou, a gente fez as harmonias, e eu fiz a letra. Foi a Ășltima a sair e a primeira a ser lançada.”
Ă interessante JĂșlia ter escolhido “Meu paraĂso” e “Deus inebriante” para serem os singles, lançados antes do disco completo, porque elas sĂŁo quase que opostas. “Se uma Ă© agitada, a outra levava para um outro lugar, mais introspectivo, mas tudo conversando com uma timbragem de voz que Ă© mais suave. Apresentar essas mĂșsicas pode levar o pĂșblico a ver duas extremidades e, quando vocĂȘ recebe o ĂĄlbum, vocĂȘ espera um pouquinho de tudo, porque realmente tem um pouquinho de tudo.” JĂșlia se joga na experimentação com vontade.
“Geminis” atinge um lugar diferente que “Arrepiada” atinge. SĂŁo alguns anos de diferença e muitas mudanças. SĂŁo novas referĂȘncias musicais e de estĂ©tica. JĂșlia ainda bebe da MPB, bebe de Gal Costa, de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gonzaguinha. Lux apresentou um outro lado que fazia sentido com tudo. “Mas Ă©, ainda assim, a mesma pessoa. Vem do mesmo lugar. Ainda sou eu.”
Pelo desejo
Escolher a palavra arrepiada para estampar o disco parte desse lugar do propor um novo espaço, como sair de uma posição, experimentar outra e se arrepiar com a descoberta. “Acho que Ă© como quando vocĂȘ tem a vontade de tomar uma atitude para si, fazer algo que te chacoalhe por dentro, como uma mensagem de amor prĂłprio, empoderamento. ‘Arrepiada’ Ă© isso: uma sensação que eu queria que minhas ouvintes tivessem escutando e se arrepiassem e tivessem esse desejo de querer, um estĂmulo a essa confiança pelos seus desejos, por seguir atrĂĄs disso.” O que conversa diretamente com “Passarinha”, mĂșsica do Bala Desejo que esteve presente na Ășltima novela das 9 da Globo.
Mas experimentar isso tudo ao vivo Ă© diferente. E foi um desafio, inclusive para JĂșlia. “Eu fiquei pensando como trazer essa estĂ©tica para o vivo, porque o disco Ă© especial, com sonoridade abafada, e com os timbres mais vintages.” Pode-se achar, por exemplo, que Lux usou samples nas gravaçÔes. Mas, nĂŁo: tudo orgĂąnico, gravando violĂŁo, baixo, guitarra e mais o que tiver direito como se faz. A mudança foi no final, na junção, no trato. Ainda assim, trazer isso para um show Ă© difĂcil pela experiĂȘncia que JĂșlia provoca bem no ouvido. Mas ela conseguiu – e segue conseguindo, sempre experimentando e se jogando.
Um show sinestésico
Sua banda Ă© formada por Alana Ananis, na bateria (“o raio da banda”, como brinca JĂșlia), JoĂŁo Moreira, no baixo, Gabriel Quirino, no teclado, Gabriel Quinto, na guitarra e no violĂŁo de 7 cordas, e HelĂŽ Duran na luz. “Ă quase uma sensação de rave, bem sinestĂ©sico. VocĂȘ vai sentir a energia, as cores que o disco tem”, sugere a artista, que finaliza: “Eu gosto de viver novas personagens dentro de mim. Eu me sinto quase que atriz da mĂșsica: cada projeto me traz uma alma nova, uma personalidade. E esse show tem trazido arrepios dentro de mim. Quem me conhece do Bala Desejo se depara ali com uma nova persona. Tem tudo a ver com sexta Ă noite, tem muito brilho”.