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Lei de transferência de potencial construtivo segue sem regulamentação

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POTENCIAL Casa DItalia fernando priamo web
Espremida entre dois grandes edifícios, Casa D’Italia tem potencial construtivo avaliado em R$ 105 milhões (Foto: Fernando Priamo)
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Utilizando o mecanismo da transferência do potencial construtivo, a Casa D’Italia poderia arrecadar cerca de R$ 105 milhões, o que representa cinco vezes o valor pretendido pelo leilão temporariamente suspenso pelo Consulado da Itália em Belo Horizonte. Considerando a área do terreno, as edificações e seus valores de mercado, a avaliação para a venda foi calculada em R$ 21 milhões. Tombado pelo município em 1985, o imóvel estaria apto a comercializar seu potencial construtivo, um dos maiores da cidade, não fosse o fato de que a lei, sancionada pelo então prefeito Bruno Siqueira em 25 de julho de 2017, até hoje não possui regulamentação.

Anunciada como aprimoramento da legislação anterior de mesmo tema, a Lei Complementar de nº 065 revogou a de 1998, e Juiz de Fora, portanto, hoje não goza, na prática, de nenhum mecanismo sobre transferência de potencial construtivo, montante virtual contado a partir do que seria possível edificar caso o imóvel não fosse protegido. Questionada sobre os motivos que levaram o município a ainda não ter regulamentado a lei, passados três anos, a assessoria de imprensa da PJF limitou-se a responder, por nota, que “a Prefeitura está estudando a regulamentação da Lei de Transferência do Potencial Construtivo, que já está em fase de análise jurídica.”

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Exemplar da potência do mecanismo silenciado na cidade, a Casa D’Italia possui um dos maiores valores de Transferência do Potencial Construtivo de Juiz de Fora segundo o arquiteto Jorge Arbach, professor convidado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, que a pedido da Tribuna fez os cálculos referentes ao imóvel, chegando ao montante de R$ 105 milhões. De acordo com o estudioso, autor da proposta que gerou o projeto de lei sancionado e ainda não regulamentado, o resultado considera o maior coeficiente de aproveitamento da cidade, de 6,5, referente à Zona Comercial 1 (ZC1), onde se encontra o bem, no número 2.585 da Avenida Rio Branco. Também leva em conta um dos mais caros metros quadrados do município, de R$ 5,5 mil.

Proteção do patrimônio e controle urbano

Ironicamente, a lei de 2017 revogou outra, de 1998, que nunca havia sido utilizada, como a atual. Há 22 anos, portanto, Juiz de Fora possui legislação nunca acionada. Realidade em capitais como São Paulo, Salvador, Curitiba e Belo Horizonte, leis semelhantes que versam sobre a transferência de potencial construtivo são apontadas como mecanismo de compensação pelo tombamento, instrumento que visa a preservação, mas carrega consigo uma série de restrições. Na cidade, imóveis tombados possuem o benefício da isenção do IPTU, desde que o bem esteja conservado, o que para muitos proprietários não é o bastante, já que muitas vezes os custos com manutenção superam em muito o valor do imposto.

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A lei que dispõe sobre a transferência do direito de construir de imóveis protegidos por tombamento estabelece que os proprietários de um bem tombado passam a ter direito sobre o que seria possível ser construído naquele lugar, seguindo orientações da legislação urbana vigente. Segundo os cálculos feitos por Jorge Arbach, no caso da Casa D’Italia seria possível erguer um condomínio com aproximadamente 200 apartamentos de 90m² – o que causaria um terrível impacto na região. Ainda que a lei possibilite a comercialização desse volume virtual, sua distribuição deve atender a limitação de 20% de adição, o que indicaria uma pulverização dessa verticalização pelo espaço urbano.

Em nota, a assessoria de comunicação da Prefeitura destaca que a lei em questão veda o recebimento de potencial construtivo adicional no triângulo central. “No entanto, é importante considerar as implicações do recebimento deste potencial adicional em outras áreas da cidade, evitando a sobrecarga na infraestrutura urbana e o adensamento em áreas indesejadas”, acrescenta o órgão oficial, pontuando que empreendimentos de impacto, hoje, são regulados por “Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, que se aplica somente aos casos previstos em lei específica. A Prefeitura, no entanto, reconhece que a transferência do potencial construtivo pode ser aplicada na regularização de imóveis, mas pondera que “a ausência de transferência de Potencial adicional não impede a regularização dos imóveis, que segue as disposições de lei específica”.

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Panorama da verticalização da cidade (Foto: Fernando Priamo)

 

À espera do Plano Diretor?

Para Jorge Arbach, a própria Lei Municipal 065/17, de transferência do potencial construtivo, auxilia no equilíbrio da política urbana. “Devemos considerar que a utilização do instrumento da transferência do potencial construtivo de um imóvel tombado auxiliará no controle de ocupação, pois a capacidade total de construção que ocorreria naquele local deverá ser fracionada em até 20% em novos empreendimentos e em múltiplas áreas. Assim, a transferência impedirá que ocorra ocupação absoluta de 100% do seu potencial num único empreendimento num único local”, observa Arbach sobre um mecanismo que, uma vez acionado, renova-se a cada 15 anos. “A Lei de Transferência pode se tornar um poderoso instrumento de descentralização da ocupação urbana, pois, além da determinação de locais que não devam receber a transferência (por já se encontrarem densamente ocupadas), o novo Plano Diretor Municipal poderá também determinar a aplicação em regiões de interesse da expansão urbana”, sugere o especialista.

Em processo e sem qualquer previsão de conclusão, o Plano Diretor Participativo pode ser a chave para compreender a ausência da regulamentação de uma lei aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito há três anos. Ao fim da nota elaborada a partir de perguntas enviadas pela Tribuna, a assessoria de imprensa da PJF reitera “a importância da regulamentação e efetiva implementação deste instrumento, em consonância com os princípios, diretrizes e objetivos da Política de Desenvolvimento Territorial do Município e com os demais instrumentos urbanísticos previstos no Plano Diretor Participativo”.

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A consonância, neste caso, pode representar uma equivalência que, em prática, não se faz necessária, de acordo com Arbach. “Não haverá conflito se a Lei nº 065/17 for regulamentada e implementada antes da conclusão do novo Plano Diretor Municipal, pois, assim como as diretrizes para elaboração desta Lei foram concebidas respeitando as determinações do Plano Diretor vigente, de igual modo deverá se subordinar às normas do futuro Plano Diretor”, esclarece, afirmando haver, então, um conflito entre Legislativo, que criou e aprovou a lei, e Executivo, que, mesmo sancionando, não a regulamentou.

 

Mecanismo de proteção X especulação

Foto: Maria do Resguardo

Um instrumento de preservação patrimonial já serviu para reverter o interesse pela venda da Casa D’Italia. O caso se deu em 1984, quando o Consulado Italiano anunciou o projeto. À época, o local sediava o Vice-Consulado da Itália, que funcionava somente às terças-feiras, quando o vice-cônsul honorário italiano em Juiz de Fora, Humberto Bucci, deixava o Rio de Janeiro, onde morava, para realizar serviços burocráticos numa sala da Casa D’Italia local.

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No processo para desfazer-se do imóvel, Bucci encerrou todas as atividades do espaço, mantendo apenas o serviço consular e as aulas de língua italiana. Foram desativadas a sociedade beneficente, a biblioteca, o teatro e todas as outras salas. A comunidade italiana juiz-forana não silenciou e recorreu à mídia e às instituições públicas para defender o imóvel.
“A colônia italiana local há vários meses vem tentando impedir a venda da Casa D’Itália, que é administrada pelo Consulado italiano. Argumentam os membros da colônia que ela pertence à comunidade por direito, logo não cabendo sua posse ao Governo italiano. A matéria é polêmica e, sabe-se, dependerá de soluções jurídicas”, lamentava uma pequena nota na segunda página da edição de 12 de dezembro de 1984 da Tribuna.

Dez dias depois, dia 22 de dezembro de 1984, o jornal anunciou que, após um pedido feito pelo Comitê Pró-Renascimento da Casa D’Itália, presidido pelo ator Natálio Luz, imigrante italiano que fez história na cultura local, o Instituto de Pesquisa e Planejamento, o extinto Ipplan, havia iniciado o processo de tombamento do casarão, que se tornou decreto assinado pelo então prefeito Tarcísio Delgado em 1º de outubro de 1985. Estava firmada a importância do espaço. O Consulado Italiano, como agora, voltou atrás e reconheceu.

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