Uma cidade que há 150 anos ouve a banda tocar
Confira filme que conta a história da Corporação Musical Santa Cecília, uma banda com 150 anos de história
Cerca de 3.750 habitantes. Esse é o tamanho da população de Tabuleiro, uma pequena cidade da Zona da Mata, próxima a Rio Pomba. É lá onde tocam os acordes de cerca de 60 músicos que compõem atualmente a Corporação Musical Santa Cecília, uma banda com 150 anos de história. Fundada em 1870 pelo professor Antônio Carlos Azeredo, a banda recebeu o nome da santa protetora da música. Para comemorar esse aniversário simbólico, durante o mês de janeiro a Prefeitura financiou a produção de um documentário com parte da verba destinada ao Conselho Municipal de Patrimônio Cultural. A intenção é que a comunidade possa redescobrir e valorizar as riquezas da própria cultura e, ao mesmo tempo, atrair turistas à região.
No início de sua história, a corporação era conhecida por interpretar dobrados militares, até que começou a se popularizar e inserir no repertório músicas populares, de rock a baião. A banda tem uma relação muito estreita com a Igreja da cidade, participando dos festejos e recebendo apoio da comunidade católica. Ela também chegou a animar o carnaval da cidade, com marchinhas, em alguns anos. Mas suas participações mais marcantes são em festivais da região, onde já foi premiada, e os troféus enfeitam o ambiente na primeira e única sede, construída por um mutirão apenas em 2001. Antes disso, o grupo somou muitos desafios a sua história até ser tombado como Patrimônio Cultural de Tabuleiro, em 2016.
“Esses 150 anos são de resistência”, conta o Secretário Municipal de Administração e Recursos Humanos, Marcos Silva. “O mestre Delonay era um homem negro que se destacava na música e tinha a confiança da comunidade em uma época de muito racismo. A banda não tinha uma sede, não tinha local para ensaiar, o mestre Benito conta que eles ensaiaram até no galinheiro da casa deles. Eles persistiram nesse projeto, nessa história maior, que começou com o Delonay, agora com o senhor Benito e o José D’Ângelo”, destaca. Além de ser presidente do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, Marcos atuou como produtor e roteirista do documentário.
Com 93 anos, Benito Ribeiro da Silva é maestro na corporação há exatas cinco décadas, e é um dos poucos músicos vivos que aprendeu com o antigo mestre, Delonay Faustino da Rocha (1881-1971). “Meu pai é autodidata, tem pouco estudo, mas o empenho dele pela música é muito grande. Ele lê partitura e tem uma cultura musical muito importante, principalmente para a banda. Por volta dos 18 anos, começou a aprender com o maestro Delonay e fez participações na banda de Rio Pomba, na época. Hoje ele é uma referência, como outros nomes, e veio para substituir Delonay, que dá nome à sede da corporação”, conta a filha, Luzia Paz Silva Diogo, 42.
Quando jovem, Luzia tocava saxhorn, um instrumento de sopro, até que precisou deixar a banda para estudar em Juiz de Fora. “Eu vivo dentro da banda desde pequena. Lembro que nas festas de maio, depois da missa, ou em dia de exposição, a banda tocava no coreto, que é um dos nossos patrimônios. Era muito emocionante. Hoje não pode mais, porque a banda é muito grande”, conta ela, que agora acompanha as interpretações do filho, também integrante do grupo.
Herança cultural
O documentário de uma hora e meia foi desenvolvido pela Divulgue Comunicação e Markting, com diversos relatos que ajudam a contar a história da banda, destacando ensinamentos, momentos marcantes de apresentações e memórias afetivas. Nos depoimentos, palavras de carinho mostram como a relação entre os integrantes é muitas vezes comparada à de uma família. A banda inclusive chegou a ser um lugar de romance, formando casais que estão juntos até hoje. E não é incomum encontrar famílias que participam da corporação há várias gerações, repassando a tradição.
“Todos os personagens foram membros da banda e pessoas que têm uma memória”, conta o secretário Marcos Silva. “Alguns moram em Juiz de Fora e, quando eu liguei, todos demonstraram boa vontade e ficaram alegres em participar. Disponibilizamos um veículo para buscá-los em Juiz de Fora e, a pedido da corporação, os trouxemos em um domingo, quando a banda ia se apresentar para a filmagem, e ela homenageou esses personagens. Foi muito bonito.”
Hoje, muitos dos integrantes da banda fazem parte da nova geração, incentivados pelos pais e atraídos pelas oficinas de música que acontecem na cidade. O projeto é uma oportunidade não só de continuar com a tradição na cidade, como também um meio para que crianças e adolescentes conheçam uma das vertentes da arte, ao mesmo tempo que produz senso crítico e disciplina. “A herança que vamos deixar para os nossos filhos é essa, a questão cultural, a história da cidade envolvendo as pessoas que pela banda passaram”, ressalta Luzia.
Incentivo ao patrimônio
Este é o terceiro documentário que a atual gestão de Tabuleiro realiza com o intuito de resgatar as memórias da cidade. Os dois projetos anteriores são um documentário de 40 minutos sobre “Tabuleiro: Uma história para ser contada” e outro de 13 minutos sobre um projeto de educação patrimonial com o tema “Jubileu Senhor Bom Jesus da Cana Verde”. Juntas, as três produções custaram R$ 13 mil, o que corresponde a parte do ICMS de Patrimônio Cultural, um incentivo recebido pelo município.
“Antes, o dinheiro que vinha para a gente não era todo aplicado no fundo do patrimônio. Em conversa com o prefeito, ele autorizou que o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural gerisse esse dinheiro e, desde então, fazemos um plano de trabalho de como vamos gastar esse recurso no decorrer do ano. Tabuleiro não tem registro da história da cidade, não tem livro sobre, quase não encontramos informações, e nossa comunidade tem poucos bens e casarões antigos, perdemos praticamente toda a arquitetura. Isso é uma preocupação nossa, e, fazendo esse trabalho, percebemos que a comunidade já tem um novo olhar sobre o que é patrimônio e memória afetiva”, avalia o presidente do conselho, Marcos Silva. A verba também já foi destinada a iniciativas como feira comemorativa, cartões postais, revista sobre o patrimônio, festival gastronômico e encontro de violeiros.